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Camus não escreveu um livro sobre uma doença, escreveu um livro sobre a natureza humana.
Não foi com certeza o único a usar epidemias para falar da natureza humana.
E há razões para isso: uma epidemia é um fenómeno natural assustador por nos ameçar de forma directa e, frequentemente, sem que nos possamos defender de forma que sintamos como eficaz. A que acresce a ideia de que a melhor maneira de nos defendermos é renegar o outro.
Nessas circunstâncias o medo generaliza-se e é muito marcado nas comunidades onde grassa a epidemia, o que facilmente revela a natureza de cada um de nós de forma crua.
Se é verdade que Camus conclui que há mais a admirar nas pessoas que a desprezar, a partir dessa experiência (e eu tendo a concordar), não é menos verdade que o que mais me tem impressionado na actual epidemia é a facilidade com que gente que sabe tudo sobre a sua profissão, mas não sabe grande coisa da vida, foi posta a tomar decisões porque os responsáveis que tinham a obrigação de correr riscos e recusar-se a cavalgar o medo foram profundamente cobardes.
Talvez o ensinamento mais útil para a próxima epidemia é que ninguém deveria poder ter qualquer título académico sem qualquer formação em literatura e filosofia, pese embora o meu cepticismo sobre a utilidade disso para quem não queira aprender.
A minha esperança é que no meio de tantos, alguns acabassem por saber que isto é sobretudo uma questão de confiança, antes de ser uma questão científica ou médica, e que a confiança se desfaz facilmente.
E é o cabo do trabalhos refazê-la, como temos de a refazer, com informação, transparência e clareza de propósitos, incluindo o reconhecimento da nossa fragilidade e impotência.
Aplicar aqui o que várias vezes tenho dito que é habitual em conservação da natureza - quando as populações de lince aumentam é o resultado das políticas de conservação, quando diminuem é por causa das doenças do coelho - é um atalho tentador, mas é uma questão de tempo até toda a gente deixar de confiar em nós: quem disse que era responsável pelo que corria bem não consegue convencer os outros de que afinal corre mal por razões que nos ultrapassam, mesmo que finalmente estejam a dizer a verdade que deveriam ter dito deste o início, quando deviam ter dito que tivemos sorte inicialmente e não sabemos porquê.
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