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A peste

por henrique pereira dos santos, em 08.07.20

Camus não escreveu um livro sobre uma doença, escreveu um livro sobre a natureza humana.

Não foi com certeza o único a usar epidemias para falar da natureza humana.

E há razões para isso: uma epidemia é um fenómeno natural assustador por nos ameçar de forma directa e, frequentemente, sem que nos possamos defender de forma que sintamos como eficaz. A que acresce a ideia de que a melhor maneira de nos defendermos é renegar o outro.

Nessas circunstâncias o medo generaliza-se e é muito marcado nas comunidades onde grassa a epidemia, o que facilmente revela a natureza de cada um de nós de forma crua.

Se é verdade que Camus conclui que há mais a admirar nas pessoas que a desprezar, a partir dessa experiência (e eu tendo a concordar), não é menos verdade que o que mais me tem impressionado na actual epidemia é a facilidade com que gente que sabe tudo sobre a sua profissão, mas não sabe grande coisa da vida, foi posta a tomar decisões porque os responsáveis que tinham a obrigação de correr riscos e recusar-se a cavalgar o medo foram profundamente cobardes.

Talvez o ensinamento mais útil para a próxima epidemia é que ninguém deveria poder ter qualquer título académico sem qualquer formação em literatura e filosofia, pese embora o meu cepticismo sobre a utilidade disso para quem não queira aprender.

A minha esperança é que no meio de tantos, alguns acabassem por saber que isto é sobretudo uma questão de confiança, antes de ser uma questão científica ou médica, e que a confiança se desfaz facilmente.

E é o cabo do trabalhos refazê-la, como temos de a refazer, com informação, transparência e clareza de propósitos, incluindo o reconhecimento da nossa fragilidade e impotência.

Aplicar aqui o que várias vezes tenho dito que é habitual em conservação da natureza - quando as populações de lince aumentam é o resultado das políticas de conservação, quando diminuem é por causa das doenças do coelho - é um atalho tentador, mas é uma questão de tempo até toda a gente deixar de confiar em nós: quem disse que era responsável pelo que corria bem não consegue convencer os outros de que afinal corre mal por razões que nos ultrapassam, mesmo que finalmente estejam a dizer a verdade que deveriam ter dito deste o início, quando deviam ter dito que tivemos sorte inicialmente e não sabemos porquê.


3 comentários

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De Anónimo a 09.07.2020 às 10:18

Uma coisa é certa neste texto, aliás muitas coisas são certas- então queria aproveitar para sugerir que devia haver uma multa para quem não criasse o hábito de usar máscara quando saísse á rua e teimasse em tentar condenar o outro á morte. 
Lá por fora já estão a proceder assim. Pandemia significa à partida usar uma máscara.
Continuo a ver cafés preenchidos de gente, tanto no interior como nas esplanadas, tudo desprotegido. Continuo a ver adolescentes na zona de loures e Odivelas a beber da mesma garrafa aquartelados em traseiras de prédios.  Crianças saltaricando de um lado para o outro,  enquanto os pais estão pacatamente nas esplanadas a conviver . - Multas para o não uso de máscara, pelo menos...!
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De henrique pereira dos santos a 09.07.2020 às 11:40

Multas só para isso acho pouco, o melhor era mesmo pena de morte para quem não se comportar de acordo com o que eu penso
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De Anónimo a 09.07.2020 às 19:37


Chiça! ̳̳̳ω Olhe se tivesse feito a aposta !? ̳̳̳ω Dinheiro em caixa...
Não duraria muito que o Sr. LL apareceria com os seus ditos.  Ele anima tantos sites nesta blogosfera!
O país eletrónico nem sabe de quanto lhe é devedor.
Abraço

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