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No Domingo, 12 de Março, o Público tinha umas quantas páginas sobre o facto dos apoios às raças autóctones, que existe há trinta anos, não parecer estar a dar o resultado esperado (impedir o desaparecimento dessas raças).
A Rosa Pomar, cuja retrosaria e trabalho com a lã podem conhecer aqui, republicou essa reportagem, e uma pessoa fez, sobre ela (a reportagem, não a Rosa), o seguinte comentário:
"Infelizmente o amor á camisola não chega. Precisamos de outras mentalidades. Desde o governante ao criador de gado passando pelo consumidor. É preciso outra visão do que temos. Mais do que olhar para estes animais como peças museológicas é preciso ver as qualidades que têm e fazer-se melhoramento nos pontos menos produtivos, mesmo que isso implique cruzamento com outras raças.
Os subsídios são uma ajuda, mas pouco mais têm feito que criar dependência.
Também precisamos mais gente como a Rosa Pomar que promove e valoriza as nossas raças e os nossos produtos. Precisamos que as associações que gerem os livros genealógicos abracem e criem este tipo de projectos em vez de fazerem apenas o mínimo obrigatório.
Enquanto criador de Churras Mondegueiras sinto a falta disto tudo e estou cada vez mais cansado deste romantismo em volta do autóctone. E a ideia de mudar para outras coisas mais rentáveis é cada vez uma hipótese a considerar.
Obrigado Rosa Pomar e desculpe este desabafo".
A Rosa disse que gostava de saber a minha opinião sobre isto e como eu também fiquei com curiosidade para saber o que eu pensava sobre o assunto, resolvi escrever este post.
Comecemos pelo princípio e pela maior divergência entre o que eu penso e o que se lê na dita reportagem e neste comentário: tradicionalmente, a principal função dos rebanhos de pequenos ruminantes, penso eu, não é a produção directa de bens (seja lã, carne ou leite), mas a função coproiética, traduzindo, o transporte e acumulação de nutrientes, sob a forma de estrumes, a partir das terras pobres para junto das terras de pão.
E foi para cumprir esta função que as raças foram sendo apuradas, portanto, as raças tradicionais têm milhares de anos de apuramento das raças no sentido de os animais morrerem pouco naquelas condições, ter menos doenças e servirem bem para aproveitar melhor os pastos da envolvente da exploração na sua função de canalizar fertilidade para os campos agrícolas.
Uma vez desfeita a necessidade de gerir a fertilidade através do pastoreio, visto que passámos a produzir adubos em fábricas desde a generalização da síntese da amónia, o pastoreio entra em declínio, passando a depender da remuneração da produção directa de bens (lã, carne, leite e afins).
Tendo sido as nossas raças apuradas para se aguentar em pastagens pobres, naturalmente estão em desvantagem em relação às raças que foram sendo apuradas para optimizar a produção de um bem específico, nos locais onde havia melhores condições para isso.
Aqui chegados, a pergunta central (finalmente entro na questão levantada) é a de saber qual é o problema das raças desaparecerem e por que razão deverão os contribuintes pagar a sua manutenção, mesmo que seja deficitária (ou melhor, mesmo que tenham um custo de oportunidade muito alto porque com o mesmo investimento noutras raças, se pode produzir coisas de forma muito mais rentável).
Há uma razão que não vou fundamentar aqui pormenorizadamente, mas que posso tentar explicar brevemente: cada uma destas raças tem um património genético que não sabemos se não nos será útil no futuro (por exemplo, a resistência a uma doença que apareça e se espalhe pelas ovelhas do mundo).
Nesse sentido, por uma questão de diversidade genética, faz sentido manter esse património que hoje existe, mas para isso não é preciso que haja grandes rebanhos, basta tratar essas espécies como peças de museu e fazer-lhes o que se faz nos bancos de germoplasma, manter uma capacidade reprodutiva que possa ser rapidamente expandida em qualquer altura.
No dia em que começamos a melhorar esse património genético para que sirva objectivos diferentes daqueles que o moldaram durante séculos, estaremos a criar novo património genético à custa da perda do património genético anterior.
Nada contra (ou a favor), estou apenas a caracterizar o problema de querer, ao mesmo tempo, conservar os elementos e os processos evolutivos, uma impossibilidade de facto.
Questão muito diferente é a do pagamento dos serviços de ecossistema proporcionados pelo pastoreio: se quisermos optimizar a produção de leite de ovelha, faz sentido procurar as melhores ovelhas produtoras de leite e as técnicas que optimizam essa produção, desde as que dizem respeito à alimentação, às que dizem respeito ao maneio, como a estabulação.
Isso far-se-á à custa das alterações de características do produto final (os queijos ou a lã produzidos assim não são os mesmos que produzidos assado), uma questão que cabe ao mercado resolver (comprei ontem um frasquinho de figos pingo de mel em calda por mais de doze euros, Casa das Rendufas, para quem queira saber, porque gosto, porque a minha madrinha já morreu e a minha tia e irmã que os fazem produzem quantidades pequenas para muitos interessados e, ainda, porque acho que é bom financiar produções alternativas que garantam diversidade paisagística).
E far-se-á à custa de uma alteração dos instrumentos de gestão da paisagem que tem efeitos sociais bastante negativos, razão pela qual faz sentido que os contribuintes se substituam aos mercados no pagamento desses serviços de ecossistema que são dificilmente apreensíveis no mercado.
Resumindo, para responder à Rosa, e esperando ter clarificado para mim a minha opinião, as partes museológicas da conservação do património devem ser tratadas como tal, é preciso optimizar o mercado potencial para o financiamento de produtores que desalinham em relação à produção dominante e teremos muito a ganhar se a sociedade pagar directamente aos produtores alguns serviços de ecossistema em que o pastoreio é muito competitivo e interessante (também porque ajuda à regeneração de solos depauperados, porque ajuda à gestão do fogo, porque ajuda à conservação do património botânico, porque ajuda à diversidade paisagística e social, etc.), aumentando a escolha potencial dos diferentes produtores, no momento das decisões de investimento.
Amanhã alguém me pode convencer a ter uma opinião diferente, que esta é pouco sedimentada.
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