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A parábola do Pingo Doce

por henrique pereira dos santos, em 26.03.23

Já contei esta história que não posso confirmar, mas de que gosto imenso mesmo que seja falsa (e, como diz Amparo em tudo sobre mi madre "porque una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de sí misma").

Em pleno PREC, quando toda a gente era revolucionária e anti-capitalista, Ângelo Correia discursava num comício do PPD, em Aveiro, malhando forte e feio nos intermediários por causa do aumento do custo de vida. Porque os intermediários assim, porque os intermediários assado ia ele discursando até que alguém do partido local lhe põe um papel à frente "a sala está cheia de comerciantes". Ângelo Correia não pára nem dois segundos e continua o discurso: "isto é o que dizem os comunistas dos comerciantes, nós não, nós isto e aquilo, etc."

Serve-me esta história para ilustrar como o ódio popular ao intermediário, a crença generalizada de que o comerciante engana os seus clientes (e raramente há um Arquimedes à mão para encontrar a melhor maneira de verificar se a coroa é mesmo de ouro ou não), é antiga e generalizada.

Mas o ódio de estimação que grande parte da esquerda portuguesa dedica ao Pingo Doce é uma coisa um bocado diferente, está um nível acima desta ideia de que os comerciantes são todos ladrões.

Com Pedro Soares dos Santos a chamar mentiroso ao ministro da economia e a ter a mesma opinião que eu sobre o indecoroso uso da ASAE para obter ganhos políticos imediatos, claro que voltou o tiro ao Pingo Doce.

Uma das minhas irmãs pergunta-se de onde virá este ódio, uma das minhas amigas repete, pela enésima vez, a mentira de que o Pingo Doce foge aos impostos e tem a sede num paraíso fiscal e um senhor que sabe muito sugere que se compare a Novadelta, de Rui Nabeiro, aos chupistas da Jerónimo Martins.

Perguntado sobre qual dos grupos cria e distribui mais riqueza sabendo que um tem cerca de 4 mil trabalhadores e outro tem à volta de 120 mil, responde cabalisticamente: "A pobreza é criada , não um acto de deus. ou seja são produzidos intencionalmente. Uma pessoa pobre não se sindicaliza, não luta pelos seus direitos, luta por comer, por sobreviver. Um dos nossos fenómenos são os pobres que tem emprego, que trabalham e, no entanto são pobres. Viver do salário mínimo, regra geral é isso. As maiores empresas e os bancos criam dinheiro que é diferente de riqueza e criam pobres. Nesta óptica, soares dos santos nao criou empregos, criou empregados pobres, que têm dificuldade em subsistir".

Nem vale a pena responder que não há salários mínimos na Jerónimo Martins há muitos anos, porque a questão não é de falta de informação, é mesmo de fé.

A demonstração disso é muito fácil.

Nestas conversas aparece rapidamente alguém que vai repescar uma história de 2019, a de uma trabalhadora que, depois de insistentemente pedir para ir à casa de banho, acaba fazendo o que tinha a fazer na caixa, sofrendo uma enorme humilhação frente a colegas e clientes.

A história aparece em todos os jornais da época, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista pediu explicações, enfim, um grande sururu.

A denuncia vinha de um sindicato, não tinha o nome da trabalhadora (naturalmente), mas identificava o supermercado onde teria acontecido esta situação.

O Pingo Doce mandou ver o que se passava e não houve um trabalhador, uma chefia e, acrescento eu, um cliente, que dissesse que tinha assistido à situação, desconhecendo por completo que tal tenha acontecido.

O dito sindicato, perante esta forte suspeita de que era tudo treta, confirmou a história, dizendo que não identificava a trabalhadora em causa para salvaguardar a sua dignidade (a tal que tinha sido enxovalhada em frente a colegas e clientes que não existem).

O que seria normal acontecer?

O sindicato perder toda a credibilidade e cada uma das pessoas que tinham feito a acusação difamatória, mesmo que apenas dando como adquirida uma acusação cujos factos não confirmaram antes, de jornalistas a políticos, incluindo o grupo parlamentar do Partido Socialista, fazer um pedido de desculpa que se tentaria que fosse tão audível como a acusação.

Aparentemente não somos uma sociedade normal, o que aconteceu de facto é que ninguém fez isso e hoje, mais de três anos passados, a história e as notícias da denuncia caluniosa do sindicato, continuam a ser usadas como penhor de como a Jerónimo Martins tem práticas selvagens de abuso dos trabalhadores e exploração dos clientes.

O problema não está em haver muita gente que não gosta de empresas que criam riqueza (estranhamente, nesta conversa, alguém se escandalizava com o facto da Jerónimo Martins ter lucros sólidos, como se houvesse alguma vantagem em que as empresas tivessem prejuízo), o problema está no populismo dos políticos que cavalgam este sentimento de rancor contra quem cria riqueza e a distribui (sim, distribui, a forma mais eficiente de distribuir riqueza é garantir salários justos aos trabalhadores, e o facto é que como encontro sempre as mesmas pessoas a trabalhar no supermercado é, com certeza, porque podem até não gostar das suas condições e remuneração do seu trabalho, mas não encontram melhor no mercado).

Isto não é um problema da Jerónimo Martins (que até tem 80% da sua facturação fora de Portugal), o problema é mesmo nosso, do país.


41 comentários

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De Zé Onofre a 28.03.2023 às 14:57

Boa tarde, Henrique
A fábrica do meu amigo talvez tenha até 500 trabalhadores. Nunca teve interesse em se expandir mais longe do que isso. Começou, não continuou, a empresa semi artesanal do pai, mecanizou-a e levou-a ao ponto em que está hoje. 
Não sei qual a a "riqueza" produzida pela fábrica a nível total, mas talvez a "riqueza per capita" seja próxima da riqueza per capita produzida pela Jerónimo Martins, porém, isto é apenas uma suposição, dados não tenho.
Mas a minha preocupação não é a riqueza produzida é como ela é distribuída.
E como disse no primeiro comentário "a prática do meu amigo aproxima-se de uma distribuição equitativa da riqueza produzida".
Eu não sou contra a riqueza. Sou contra a pobreza. e como dizia António Aleixo "O pão que sobra à riqueza
             Distribuída pela razão
             Matava a fome à pobreza
             E ainda sobrava pão."
É a minha maneira de pensar. É por este princípio que eu luto. Serei Utópico, talvez, mas parece-me que é um principio defendido pelos cristãos, não por aqueles que se dizem cristãos, "se tiveres duas capas dá uma ao teu irmão."
Não sou Cristão, sou não crente, mas fui educado nos princípios  Cristãos, como talvez a maioria dos portugueses.
Temos pensamentos divergentes, contudo sinto-me contente de, apesar das diferenças, termos vindo a manter um diálogo dentro dos princípios do respeito e da civilidade.
Zé Onofre
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De henrique pereira dos santos a 28.03.2023 às 15:39

A ideia de que a economia é um jogo de soma nula (existe uma quantidade de riqueza determinada, portanto a que vai para um lado tem de vir de outro lado) é uma ideia muito popular mas errada.
No dia em que uma vaca foi domesticada, o dono dela passou a dispôr de muito mais trabalho para agricultar a terra, ou seja, passou a poder produzir muito mais, sem ter de ir tirar a ninguém, limitou-se a ser mais eficiente na sua produção.
E todos beneficiaram com isso, aumentando a desigualdade, é certo, mas diminuindo a pobreza.
Por isso a minha questão mantém-se: quem produz e distribui mais riqueza, quem cria 500 postos de trabalho ou 120 mil?
A riqueza per capita não resolve o problema dos 119 mil e quinhentos trabalhadores que não têm emprego porque o seu amigo não quis criar mais riqueza.
É a vida: não é por pôr Ronaldo a ganhar dois salários do ordenado médio dos jogadores de futebol que os jogadores das distritais passam a ganhar mais, porque provavelmente continuará a haver poucos interessados em pagar o trabalho de jogadores das competições regionais.
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De Zé Onofre a 28.03.2023 às 20:15

Boa tarde
O meu amigo, embora não descure a criação de riqueza, acredita que a riqueza criada na fábrica não é só dele, e não levando o meu raciocínio às últimas consequências, achava que para ele viver com dignidade lhe bastava ganhar o ordenado que já lhe referi, e no fim do ano económico retirar um fundo para investimento, - conservação e renovação da maquinaria,... - reservava uma parte dos lucros para distribuir pelos operários. Para mim já é louvável a sua atitude, todavia ainda não é a repartição equitativa da riqueza produzida.
Quanto aos 119500 trabalhadores no desemprego, é sim senhor uma questão grave.
Penso eu, e sou eu a pensar, que se resolveria facilmente do seguinte modo.
As empresas, todas a do meu amigo, a J. Martins e todas as outras devem ter em mente as pessoas e não o lucro.
Ter as pessoas à frente dos lucros é, para mim o seguinte. 
Se houver uma empresa que tem, suponhamos 20000 trabalhadores, que criam uma determinada riqueza trabalhando 40 horas semanais, essa empresa reduzia a carga horária digamos para 32 horas semanais, mantendo os mesmos salários, e iriam à fila do desemprego uns tantos quantos trabalhadores. 
Todas as empresas a fazerem isto o desemprego acabava.
Esta é a minha opinião. Certamente que chocará com as pessoas que veem a riqueza como um produto/propriedade privada. São livres de pensar assim, como eu sou livre de pensar o contrário.
Quanto ao Cristiano Ronaldo, Messi, e tantos outros como ele ganham o que ganham não por praticarem um desporto, neste caso Futebol, mas por serem joguetes nas mãos de quem com eles ganhará muito mais.
Como já disse anteriormente gostava de jogar futebol do muda aos cinco e acaba aos dez. 
Como tinha um certo jeito para guarda-redes os diretores da equipa da minha Terra perguntaram-me se não me importava de fazer parte da equipa. Certamente, o que eu queria era jogar.
Davam-me equipamento e levavam-me aos jogos. Estava feito. O meu "ganho" era o prazer de jogar.
Um dia descobri que na equipa havia jogadores que ganhavam um "ordenado". Nesse dia deixei de jogar e de ser sócio. Ou éramos amadores ou éramos profissionais.
Agora penso que já não há desporto amador, nem sequer profissional. Há uma indústria que se está marimbando para o Desporto. Basta ver os Clubes que querem criar uma super-liga europeia multimilionária.
Não alinho por aí.
Já vou longo. É um defeito meu, mas não consigo ser sintético.
Uma boa semana,
Zé Onofre

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