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A nova inquisição

por João Távora, em 14.11.19

conguitos.jpg

Ainda se recordam da polémica que envolveu Bernardo Silva, Benjamin Mendy e uma embalagem de Conguitos? Esta quarta-feira ficámos a saber que uma simples piada no Twitter envolvendo dois amigos, que esteve online durante exactamente 46 minutos no dia 22 de Setembro (Bernardo Silva apressou-se a apagá-la mal se apercebeu da polémica), custou ao jogador português 50 mil libras (cerca de 58 mil euros), um jogo de castigo no campeonato inglês e a necessidade de assistir a sessões de educação — ou, na preocupante expressão escolhida pelo The Guardian, que ainda soa mais totalitária e com cheirinho a lavagem cerebral num qualquer campo de reeducação para lá da Cortina de Ferro, Bernardo Silva “must undergo education”.

Note-se que o Manchester City, clube de Bernardo Silva e de Benjamin Mendy, protestou ligeiramente contra a decisão, mas engoliu o castigo e não vai recorrer, com medo de que ele possa ser agravado. O próprio Bernardo Silva fez o seu acto de contrição no processo, admitindo que o tweet poderia ser considerado ofensivo. Nem assim se safou. A federação inglesa afirma acreditar piamente que o jogador “lamenta as suas acções”, mas justificou o castigo com o facto de muitas das pessoas que viram a imagem “considerarem o seu conteúdo ofensivo devido à sua relação com raça, cor e origem étnica, de uma forma que inquestionavelmente desacredita o futebol”. Em resumo, Bernardo Silva disse que não queria ofender Mendy; Benjamin Mendy disse que não se sentiu ofendido; ambos reconheceram que são grandes amigos; a federação inglesa reconhece que ninguém queria ofender ninguém; mas nada disso foi suficiente para ultrapassar o facto de o tweet ter ofendido muita gente.

Se esta sequência (i)lógica, da multa de 50 mil libras ao jogo de castigo, já me parece bastante absurda, há um momento em que a decisão da federação inglesa salta para o campo da absoluta obscenidade e do assalto violento à consciência individual — quando decide obrigar o jogador “to attend a mandatory face-to-face education programme” no decorrer dos próximos quatro meses, declarando que se esse programa educativo “face a face” não for completado de forma satisfatória, Bernardo Silva será suspenso de todas as competições nacionais. Ou seja, um tipo que não é racista e que fez um tweet sem intenções racistas vai ter de ser ensinado a não ser racista porque muita gente o considerou racista. Em que mundo é que isto faz sequer vagamente sentido?

Pelos vistos, no perigoso mundo do século XXI.

Eu já assisti a manifestações repulsivas de racismo em campos de futebol, em particular quando demasiada gente na bancada decide imitar sons de babuínos para insultar jogadores adversários. Esse comportamento miserável deve ser combatido de todas as formas, encerrando estádios de futebol, se preciso for. No entanto, o futebol é um dos maiores trunfos contra o racismo que existem na nossa cultura, impondo uma comunhão de objectivos e de paixão entre pessoas de todas as cores. Haverá certamente muitos votantes de André Ventura que adoram as trivelas de Ricardo Quaresma, e todos sabemos que Eusébio e Mário Coluna já eram heróis portugueses quando os negros ainda eram diariamente explorados nas colónias africanas. Este caso dos Conguitos é a caça aos gambuzinos do racismo, e só é pena Bernardo Silva não poder mandar a federação inglesa meter o seu programa de reeducação no local em que ele merecia estar, porque ainda corria o risco de ofender mais uma minoria sensível.

João Miguel Tavares hoje no Público.


2 comentários

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De isabel s. a 16.11.2019 às 18:20

Se tiver paciencia, vale a pena ver "a grande confrontação" e ter uma ideia dos dislates a que ja se assiste, em nome do politicamente correcto.


https://www.youtube.com/watch?v=H1u95Zj6mBw
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De Luís Lavoura a 18.11.2019 às 16:25

Benjamin Mendy disse que não se sentiu ofendido

Não tem nada a ver. O delito cometido por Bernardo Silva não depende de alguém fazer queixa dele ou não. Se alguém posta alguma coisa antissemita numa rede social, não é preciso esperar que um judeu venha queixar-se de que se sente ofendido - o Ministério Público pode (eventualmente deve) atuar mesmo sem que ninguém se queixe.

Há certos crimes ou delitos que podem (e devem) ser perseguidos mesmo que ninguém se queixe. O exemplo mais clássico é o assassínio: mesmo que ninguém se queixe (o assassinado não se pode queixar!), o Ministério Público persegue o criminoso.

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