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Na minha freguesia publica-se um jornalinho local de informação geral chamado "Freguês de Avenidas Novas", umas poucas de páginas com informação que se pretende que seja do interesse dos fregueses das Avenidas Novas.
O exemplar de hoje volta à carga com um assunto que, de vez em quando, aparece: a prostituição na zona onde moro.
Ao que parece, há uns tempos, formaram por aqui uma espécie de comissão de moradores em que pontuam umas senhoras - dizem-me que são umas senhoras, eu não tive contacto directo com estes meus vizinhos - que se incomodam muito com a prostituição que há por aqui, suponho que uma herança do tempo do quartel da Artilharia Um, há muito desactivado.
Já em tempos, quando Jorge Sampaio era presidente de câmara, houve uma reportagem sobre o assunto, mais ou menos a sugerir que era inadmissível que o presidente de câmara não fizesse nada sobre o que via todos os dias à volta da sua casa.
O melhor da reportagem é quando uma jovem reporter entrevista uma das vizinhas de Jorge Sampaio, do prédio exactamente em frente, querendo que a senhora em causa, muito bem posta, dissesse que a prostituição a incomodava, ao que a senhora resistia explicando que não tinha nenhuma razão de queixa (como a esmagadora maioria das pessoas que por aqui moram). "Mas não a incomoda sair de casa e ter de se cruzar com estas senhoras na rua", perguntava a reporter quase em desespero. Calmamente, do alto dos seus oitenta anos, a resposta foi de antologia "Não, não me incomoda nada. Sabe, filha, isto não se pega, não é contagioso".
O jornalito diz que em "algumas áreas da Rua Rodrigo da Fonseca e Rua Sampaio Pina há um aumento de prostitutas que abandonaram a Rua Castilho, devido à acção dos seguranças de alguns condomínios de luxo (não há aqui condomínios de luxo nenhuns, devem estar a falar do prédio em que Ronaldo comprou uma casa). ... Os dejectos humanos e os preservativos nos passeios são um "caso de saúde pública", segundo os moradores".
Tretas, os dejectos que existem são dos cães da burguesia que aqui abunda e em mais de vinte anos não me lembro de ver preservativos por aí, tanto mais que sendo esta área uma área de contratação de prostituição, não é uma área de exercício da actividade.
Não pretendo romantizar a prostituição, muito de vez em quando há umas discussões na rua a horas impróprias (pessoalmente incomodam-me mais as conversas dos grupos que saem dos restaurantes e ficam à porta à conversa, por serem mais frequentes e durarem mais tempo, as discussões, quando existem, costumam ser curtas), mas o serviço de segurança que estas senhoras prestam ultrapassa largamente esses pequenos dissabores, até porque as senhoras sabem bem que a sua tranquilidade depende, em grande medida, das boas relações que mantêm com os moradores.
Conheço casos de pessoas avisadas do assalto ao seu carro, já me vieram entregar chaves que um dos meus filhos tinha deixado cair ao sair de um carro, era um sossego quando as miúdas cá de casa saíam à noite por saber que, pelo menos nas redondezas, estavam protegidas, e nunca tive uma conversa desagradável com nenhuma das senhoras.
Mais, quando encontrei uma das senhoras a trabalhar na peixaria de um grande supermercado, fizemos uma grande festa e tive oportunidade de lhe dizer como gostava de a ver ali.
Apenas uma senhora me ficou a dever um euro que lhe emprestei para cigarros, depois de uma noite que teria corrido particularmente mal, e que nunca mo devolveu (não era problema, mas ela não me pediu um euro, pediu-me emprestado). Apesar de tudo, considero um preço mais que justo pelo bem que cantava o fado quando lhe dava para aí.
A única situação verdadeiramente inquietante para mim era a de uma rapariga muito bonita, ultra discreta - só dei por ela porque trabalhava mesmo em frente de minha casa, muito poucas horas, num sítio em que os prédios fazem um gaveto que a protegia de exposição excessiva - e que tinha sempre à sua espera, no outro lado da rua, sentado na soleira do meu prédio, um homem com uma criança dos seus três ou quatro anos.
Até hoje, para além do que é fácil, ter falado com ela, perguntar ao rapaz se queria um cobertor ou um casaco para o miúdo não apanhar frio, e essas coisas que qualquer pessoa faria, não consigo saber o que deveria ter feito nessa circunstância: o miúdo não devia estar ali, claro, mas sou incapaz de avaliar as razões para que uma mãe e um pai, que tratavam o miúdo com evidente desvelo, estivessem ali.
No fundo, é o dilema de sempre que me falam das condições sub-humanas de trabalho dos imigrantes que trabalham na agricultura, ou que vejo notícias do encerramento de lares ilegais, ou de casas para miúdos sem família que são objecto de fiscalização: o que acontece a esta gente depois de cumprirmos as regras formais?
Que condições de vida têm estas pessoas para que se sujeitem ao que vemos?
Francamente, quando vejo os meus vizinhos armados em moralistas que querem acabar com a prostituição na vizinhança - qualquer pessoa de bem considera a prostituição um mal - é disto que me lembro, dos buracos para que estamos a atirar estas pessoas se nos concentrarmos em tirar estas pessoas da rua (ou dos lares, ou das escolas, ou das estufas), sem, ao mesmo tempo, procurarmos saber de onde vêm e, sobretudo, para onde vão, depois de deixarmos de as ver.
Eu gosto da minha rua, as senhoras que aqui trabalham não me incomodam e esta gente que se encarniça em as esconder não me representa, provavelmente teria bastado ter escrito isto sobre o assunto.
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