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A metafísica da epidemia

por henrique pereira dos santos, em 13.07.20

"Começamos a apreciar mais o Universo belo que temos à nossa volta, que vem dessa perda de perfeição. Parece que se queremos estabilidade e dinâmica, não devemos pedir perfeição".

Guido Tonelli, numa entrevista muito interessante no Público de ontem (o entrevistador, Pedro Rios, é bastante responsável pelo interesse da entrevista, é justo reconhecer).

Os físicos teóricos, quando conseguem falar a linguagem das pessoas comuns, produzem frequentemente filosofia interessante. Trabalham nos limites do conhecimento, discutindo problemas essenciais e permanentes das sociedades humanas, a começar pela origem disto tudo. A sensação que me dá é que procuram não perder o contacto com os fenómenos físicos, ao mesmo tempo que se movem permanentemente no mundo da metafísica.

Mas como me faltam capacidade e conhecimento para discutir metafísica, a verdade é que esta citação me pareceu o arranque evidente de um simples post sobre o que me parece ser um dos mistérios da gestão desta epidemia.

Qualquer médico dirá - e se não disser, dizem as bulas dos medicamentos - que qualquer remédio tem efeitos benéficos e negativos, ou para citar Paracelso, a diferença entre o remédio e o veneno, é a dose.

Este princípio está na base dos procedimentos de autorização dos medicamentos, fito-fármacos e, de maneira geral, do uso de qualquer químico de síntese.

Esses procedimentos centram-se na clarificação do saldo entre vantagens e desvantagens: se o saldo é positivo, para o lado das vantagens, o produto pode ser autorizado, embora possa vir associado a inúmeras restrições do seu uso, como acontece, por exemplo, na radiologia, para citar um exemplo evidente e corrente.

Há muito que deixou de se permitir a difusão legal de substâncias com base na ideia de que é lógico que tenham um efeito positivo, sem consideração pela avaliação aprofundada dos seus efeitos negativos.

Ora nesta epidemia, a Organização Mundial de Saúde, mais na sua comunicação para o público em geral que nos documentos técnicos e de orientação formal produzidos, resolveu mandar às urtigas este princípio base e deu cobertura à adopção de medidas sociais nunca testadas de forma generalizada, cujos efeitos positivos na epidemia nem sequer estão cabalmente demonstrados, e cujos efeitos sociais negativos são conhecidos e relevantes, sem a menor consideração por uma cuidada avaliação de vantagens e desvantagens.

Um bom exemplo é o da proibição de visitas aos lares, que parece uma medida lógica e aceitável, mas até ao momento em que se percebe que é uma medida desumana e, mais relevante, sem relação forte com a entrada da doenças nos lares já que o principal veículo de entrada são os trabalhadores dos lares.

Mas como toda a métrica de avaliação das medidas se reduz ao número de contactos sociais - parecem um programa de investimento que conheço, milhares de milhões de euros, cujo principal indicador de resultado, nem sequer é de execução, é mesmo de resultado, é a percentagem da despesa efectuada em relação ao programado - aceitam-se todos os tipos de medidas coercivas que aparentemente garantam a paragem da circulação do vírus por via da redução de contactos físicos.

Outro bom exemplo é a discussão sobre os controlos de fronteiras como se estando o vírus a circular socialmente num lado e do outro da fronteira tivesse alguma utilidade rebentar com a vida normal das pessoas para tentar parar o vento com uma peneira. Isto sem sequer contar com o facto das pessoas serem o que são e, naturalmente, adaptarem os seus comportamentos às circunstâncias, passando a tomar um antipiréctivo antes de ir para o aeroporto, outro durante a viagem, e outro quando estão a aterrar para não aturarem as complicações que poderiam decorrer das medições de temperatura à chegada a qualquer lado.

A procura de soluções perfeitas, dirigidas a pessoas perfeitas, para gerir de forma perfeita uma epidemia é, antes de tudo, um problema de falta de consciência da posição do homem no mundo: nós somos um mero acidente da natureza, uma consequência da existência do bosão de Higgs, não somos os gestores desta coisa toda.

Quando um tipo que sabe incomparavelmente mais que eu (e que as autoridades de saúde) sobre o Universo diz que o que sabemos hoje não deve andar longe dos 5% e que 95% do Universo continua vedado ao nosso conhecimento, talvez devêssemos aceitar humildemente a nossa ignorância e abandonar toda a confiança em qualquer profeta que nos venha dizer que sabe como se gere uma epidemia com base em medidas sociais.

Não sabe e, muito mais grave, não sabe que não sabe, e portanto facilmente recomenda doses de distanciamento físico que são mais venenos que remédios.


11 comentários

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De zazie a 14.07.2020 às 16:07

Que grande animal


Deves estar a falar da tua mãezinha, ó besta.


Não sou nem funcionária, nem velha. Tenho profissão liberal e o mais que me mete nojo são os crentinhos que, em lhes tocando no carcanhol, fazem continhas de merceeiro à vida e se marimbam na vida dos velhos.


E são de tal maneira bestas que nem percebem que militam por merdices como muita "jubentude" nas esplanadas e nas tatuagens e depois perdemos milhões por falta de turistas.


Porque esta merda não é um capricho de neotontos. Nem é um problema local. É uma pandemia global.
Estamos agora a perder dinheiro à conta do politicamente correcto que nem se lembrou dos imigrantes a viverem a monte nos subúrbios, ou dos lares onde as mulheres deles contaminam os velhos

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