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Não poderia deixar de notar o editorial de hoje do Público, assinado por Manuel Carvalho: o Público e Manuel Carvalho descobriram agora que os partidos de esquerda se estão nas tintas para as pessoas concretas, quando discutem o ensino estatal e privado, ao ponto de votarem contra o tratamento igual dos alunos pobres, independentemente de estarem no ensino estatal ou não estatal (que inclui o ensino cooperativo, como bem nota Manuel Carvalho), preferindo subsidiar a compra dos livros escolares às famílias ricas que tem os filhos no ensino estatal, a subsidiar as famílias pobres e remediadas que têm os filhos no ensino privado (sabe-se lá por que razões e, às vezes, com que esforço).
É uma grande conquista conseguir-se que um jornal como o Público, e um jornalista como Manuel Carvalho, tenham finalmente perdido o medo de ser mal vistos "pelas pessoas que contam" e digam, preto no branco, o que Manuel Carvalho sintetizou no título do editorial: "Para travar o ensino privado, até a injustiça serve".
Claro que era melhor que tivessem descoberto isso antes, a propósito da vergonhosa actuação do Governo e de Alexandra Leitão na questão dos contratos de associação, que inclui ocultação e manipulação dos dados relevantes para a decisão, mas mais vale tarde que nunca.
Um dia a discussão sobre as questões de saúde também irá criar alguma erosão no bloco de opinião, fortemente ancorado nas redacções dos jornais, para quem a divisão Estado/ privados, na prestação de serviços sociais, é mais relevante que a discussão da vida concreta de pessoas concretas, em especial das mais frágeis e desamparadas.
Um exemplo, aliás recente e com origem numa notícia do Público, que teve continuidade numa discussão no Facebook, serve para ilustrar a ideia, prendendo-se com o facto de haver uma muito maior prevalência de cesarianas nas maternidades privadas que nas estatais.
De forma mais ou menos explícita, essa diferença é apresentada como sendo uma demonstração da maior qualidade da prestação de serviços de saúde pelas maternidades estatais, já que a percentagem de cesarianas num país é um dos indicadores de qualidade dos cuidados de saúde materno-infantis (quanto menor a percentagem de cesarianas, melhores os cuidados de saúde materno-infantis).
Logo, se as maternidades estatais fazem menos cesarianas, são melhores e os privados só fazem mais para ganhar mais dinheiro.
Esta última conclusão tem muito que se lhe diga, porque há um conjunto restrito de países que se aproximam da percentagem que se considera medicamente justificável, entre 10% e 15% (Israel e os países nórdicos que andam entre os 14 e os 20%) mas Portugal, e outros países como a Alemanha, tem maus resultados neste indicador, à volta do dobro do recomendável, sendo a média da OCDE perto dos 30%, acabando nos mais de 50% da Turquia.
O exemplo português parece apontar para uma ideia relativamente simples: quem pode escolher, escolhe mais vezes fazer cesarianas programadas, quem não pode escolher, faz menos cesarianas programadas, sendo certo que a responsabilidade da escolha é sempre da mulher, e não do médico (com certeza existe assimetria de informação entre a mulher e o médico, e com certeza a opinião do médico é determinante nos casos em que a mulher assim o permite, não existem, tanto quanto sei, cesarianas forçadas contra a vontade da mãe, excepto em eventuais casos de emergência médica que serão uma percentagem relativamente pequena de situações).
Claro que o Estado pode determinar que não paga cesarianas sem prescrição do médico nesse sentido, mas para além da questão da eficácia de uma medida dessas (na verdade apenas favorecia o negócio dos médicos que passariam prescrições a pedido), isso teria um efeito concreto: quem poderia pagar (incluindo seguros que não adoptassem essa restrição) teria possibilidade de escolha, quem não poderia pagar alienaria a sua liberdade de escolha a favor do médico.
Há muitas questões, incluindo éticas, relacionadas com estes procedimentos médicos que dependem mais da vontade das pessoas que de uma estrita necessidade médica, procedimentos que não se restringem às cesarianas, claro, basta pensar na cirurgia plástica.
O que me interessa realçar é que não faz sentido que o foco seja posto no suposto negócio da medicina e nas motivações económicas associadas, em vez de ser posto onde deve ser posto: nas pessoas concretas que tomam decisões, incluindo em matéria tão controversas como recorrer a uma cesariana ou não, com base em muitos factores, alguns nem sequer racionalizados, que incluem muita coisa para além do que diz respeito à medicina, são decisões que dizem respeito a opções de vida de cada um.
Se se considera que é bom que as cesarianas não ultrapassem os 15% dos partos, uma hipótese é dizer que os sistemas de saúde que fazem mais que esses 15% são piores que os que andam por esse valor, pondo a tónica nas razões pelas quais os sistemas de saúde fazem mais cesarianas que as "necessárias".
Outra hipótese é perceber que, em grande medida, isso corresponde a decisões concretas, de mulheres concretas, com vidas concretas, e que o foco do Estado, para se aproximar dos tais 15% ideais, deve estar na compreensão das razões pelas quais há muitas mulheres que optam por fazer cesarianas em vez de ter partos normais quando, aparentemente, seria melhor para elas evitar um procedimento médico muito invasivo, trabalhando com elas para que tomem as decisões que entenderem, mas tão conscientes quanto possível do que isso significa para o seu futuro.
O que, manifestamente, não faz sentido é usar o facto de haver mais cesarianas no privado como mais um argumento para atacar os operadores privados de saúde, como se as mulheres fossem maioritariamente manipuladas pelos médicos a que recorrem e não tivessem capacidade de decisão autónoma.
Um dia ainda haverá um editorial do Público a lembrar que é inaceitável que se menorize a capacidade das mulheres tomarem decisões sobre a sua vida só para atacar a medicina privada.
É pena que esse dia não seja amanhã.
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esse rey é meu...e não gostava dele de início , pa...
Para este tipo de gente, tudo se resume a alteraçõ...
A arma não foi disparada involuntariamente, isso é...
Não Felipe,não é assim que deve funcionar uma demo...
Tomem nota deste video(26 min)no qual a narrativa ...