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O direito à asneira é sagrado.
O direito à asneira dos pais no que diz respeito à educação dos filhos é limitado pelos direitos das crianças.
Não tendo as crianças total autonomia de decisão, a definição dos limites para o direito à asneira dos pais em matéria de educação tem de ser intermediado por terceiros, isto é, pela comunidade.
Em primeiro lugar pela comunidade mais próxima, a família e amigos, depois pelas comunidades locais, depois pelo Estado central, quando estão em causa direitos que a sociedade reconhece como fundamentais, por exemplo, o direito à educação.
É por isso que quase todos reconhecemos a legitimidade de ser estabelecida uma escolaridade mínima obrigatória, mas é também por isso que aceitamos, crescentemente, que essa escolaridade mínima deve ser aferida por critérios mínimos que respeitem a hierarquia da legitimidade na educação dos filhos: família, escola, Estado central, ao ponto de aceitarmos, por exemplo, a escolaridade feita em casa, aferida por mecanismos que garantam que o direito das crianças à educação é respeitado.
Convém ter muito claros estes princípios antes de discutirmos a questão do chumbo dos alunos de Famalicão, por faltas a uma disciplina que nem avaliação tem, com base na decisão dos pais os proibirem de frequentar essas aulas.
Comecemos então por fazer notar que os alunos estão a ser castigados por uma decisão que é dos seus pais, não são os pais que estão a ser castigados pelas suas decisões, como acontece, por exemplo, quando as comissões de protecção de menores retira os filhos a pais que são negligentes, ou infligem maus tratos aos seus filhos.
Isto é, a decisão do Estado consiste em prejudicar o direito à educação dos filhos com base em procedimentos que, em tese, visam exactamente garantir esse direito à educação e por isso o fundamental é tentar perceber como se chegou aqui.
Em Portugal, o Estado central entende que tem legitimidade para impedir as escolas de venderem pastéis de massa tenra para proteger a saúde dos alunos.
Isto é, o Estado central entende que nem a escola, nem as famílias, nem os alunos devem ter autonomia de decisão suficiente para decidir entre comer um pastel de massa tenra ou uma maçã. E a sociedade, quanto mais não seja por omissão, aceita que assim está bem.
Há uns pais de uns alunos que acham que isso assim não está bem e reivindicam o seu direito a decidir sobre a educação dos filhos, impedindo-os (aos filhos) de cumprir a regulamentação existente.
O que seria normal é que, em primeiro lugar, o assunto não saísse do estrito âmbito da escola: a escola deveria ter autonomia para avaliar qual é o superior interesse da criança e decidir de acordo com o superior interesse da criança.
É do interesse da criança fazê-la chumbar por não ir às aulas de cidadania?
Não, evidentemente, portanto o assunto deveria ser decidido na escola, com os pais, se possível, sem os pais, se necessário - entenda-se, se o superior interesse das crianças estiver a ser prejudicado pelos pais.
O relevante aqui é que a limitação do direito à asneira dos pais deveria, em primeiro lugar, ser decidida por escolas que deveriam ter autonomia para aplicar modelos educativos que, respeitando um conteúdo escolar mínimo que se entende que é o que respeita o direito à educação das crianças, poderiam ter uma grande diversidade.
O que lhes permitiria lidar mais sensatamente com a diversidade das sociedades complexas.
A pergunta que a escola deveria fazer-se a si mesma é se a ausência de frequência da disciplina de cidadania representa uma perda irreparável para os alunos, ou melhor, representa uma perda maior que o chumbo que daí resulta.
Conheço o argumento de que é preciso estabelecer limites, sob pena de se reconhecer o direito dos pais a proibir os filhos de ir às aulas de matemática (ou, para usar um argumento mais perto da realidade, o direito dos militantes radicais anti-racistas impedir os filhos de frequentar aulas de história que entendem que reproduzem o racismo estrutural que os prejudica).
E a resposta é sim, os pais devem ter autonomia para proibir os filhos de ir à escola, ou frequentar disciplinas que entendem que ofendem os seus valores, cabendo, em primeiro lugar, à escola, dirimir esse conflito.
E no caso da escola decidir, por exemplo, contra pais que impedem os filhos de frequentar a escolaridade mínima obrigatória, deve ser aos pais que se aplicam as sanções, sejam elas pecuniárias (multa diária), sejam elas de retirada da tutela dos filhos.
Ora neste caso o conflito é entre uns pais que têm a coragem de afirmar os seus valores, tendo contra si todo o Estado, incluindo o seu sistema escolar, podendo estar a fazer uma enorme asneira (é um direito que lhes assiste) e um Estado cobarde que tem medo de lhes retirar a tutela dos filhos por entender que estão a prejudicar irremediavelmente o direito à educação dos filhos.
E, por ser cobarde, descarrega nas crianças os custos das decisões dos pais que considera erradas.
Eu tenho esta tendência, liberal, de estar do lado dos fracos contra o poder ilegítimo dos Estados.
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na sua centena de heterónimos desdobrou-se em ser ...
inventa o direito de toda a gente a ir à praia à b...
> os donos não conseguem perceberPonha-se a hip...
Excelente texto.
A conclusão a tirar é que o valor de que o autor f...