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A indigência intelectual do debate público

por henrique pereira dos santos, em 13.12.24

No Público de Terça-feira, 10 de Dezembro, havia uma chamada de primeira página que rezava assim "Relatório crítico/ Peritos exigem reforço do SNS antes de recurso a privados".

Lá dentro, a peça tinha como título "Governo criticado por promover soluções nos privados sem antes investir no SNS".

E no texto: "a presidente da Fudnação, Patrícia Barbosa, defende uma relação de complementaridade entre SNS e os sectores privado e social, em vez de concorrencial, e evidencia a urgênciade privilegiar os centros de saúde como a "principal porta de entrada" dos utentes" ... "O que defendemos é que deve, sim, existir complementaridade e não concorrência. O sistema privado não pode fazer concorrêncua ao SNS".

Comecemos pela chamada crítica das fontes: o que é a Fundação para a Saúde?

É uma minúscula organização de pessoas que acham que o Estado deve ter um papel dominante no sistema de saúde.

O que tem a opinião expressa - a concorrência é prejudicial - de técnico?

Nada, é uma opinião claramente ideológica e é irrelevante que seja expressa por pessoas ligadas à saúde ou a outro sector qualquer.

Eu, por acaso, tenho a opinião ideológica oposta, a de que a concorrência estimula a eficiência dos sistemas económicos e, portanto, não só acho que deve haver concorrência entre os sectores do Estado, privado e social na prestação de cuidados de saúde, como deve haver concorrência dentro do sector Estado, entre as suas diversas entidades.

Uma discussão que vale a pena fazer é se os sistemas de saúde devem ser dominantemente estatais, como em Portugal ou no Reino Unido, ou se devem ser dominantemente privados, como em muitos outros países, só que para a discussão ser útil não pode ser feita com base em pressupostos que ninguém consegue demonstrar.

Com certeza haverá vantagens e desvantagens em quaisquer soluções que sejam adoptadas, razão pela qual seria útil que a imprensa se focasse na identificação e discussão de cada vantagem ou desvantagem conhecida num determinado contexto.

Por exemplo, o governo terá decidido que os médicos que apoiam lares, cuidados continuados e instituições que tal, passam a poder prescrever (dentro de regras bastante definidas, que a mim me parecem excessivas, mas não sei o suficiente para fazer essa discussão) exames e meios complementares de diagnóstico que, até aqui, apenas podiam ser prescritos por médicos que trabalham nas instituições do Estado (a mim escapa-me a racionalidade de um médico acompanhar um doente, e se achar que deve fazer um electrocardiograma, manda-o para o centro de saúde ou para a urgência do hospital para que outro médico prescreva o exame).

A decisão é boa ou má?

É uma discussão que pode e deve ser feita, mas sem o espantalho da acusação de que é mais um passo na privatização da saúde, porque é mesmo isso, um espantalho.

Um dos argumentos mais frequentemente usados por quem contesta um uso mais alargado da capacidade instalada nos sistemas de saúde, incluindo privados e sector social no mesmo pé que instituições do Estado, é que sendo o problema a falta de médicos (e outros profissionais, matéria que muitos países resolvem importando dezenas de profissionais estrangeiros), isso apenas desvia médicos do Estado para os privados, sem alterar globalmente os meios afectos às respostas de saúde.

Eu percebo este argumento e ele é sério (tal como é no caso dos professores e de muitos outros sectores do Estado), só me espanto é com os sindicatos que em vez de rejubilar com a possibilidade dos seus associados melhorarem a sua vida porque passam a ter uma capacidade negocial muito maior (a capacidade negocial do trabalhador depende das alternativas de trabalho que tem), dizem que isto é péssimo e o que é preciso é fixar médicos no Estado, melhorando as suas condições de trabalho (se saem é porque têm melhores condições de trabalho noutro lado, ou seja, do ponto de vista dos trabalhadores, que na minha ingenuidade deveria ser a prioridade dos sindicatos, óptimo).

Se os utilizadores fogem do Estado, se os trabalhadores fogem do Estado, se os investidores encontram nisso oportunidades, o que é preciso discutir é se vale a pena o Estado investir em fazer a mesma coisa de forma menos eficiente, portanto mais cara, ou se o melhor que tem a fazer é deixar correr o marfim, concentrando-se naquilo que mais ninguém quer fazer (como a prestação de cuidados de saúde muito diferenciados ou garantir o acesso a bons cuidados de saúde aos que não os podem pagar).

Se, por milagre, os privados fossem tão mais eficientes que prestassem os mesmos serviços por preço mais baixo, de forma sistemática, pagando melhor aos seus trabalhadores, isso seria óptimo.

Se, em consequência disso, o SNS pudesse ser extinto, isso seria óptimo, não seria nenhum drama, o SNS foi criado para responder melhor às necessidades das pessoas, não é um fim em si, o que é verdade para toda a actividade do Estado.

Como na verdade há coisas que só o Estado pode fazer de maneira que a sociedade considere razoável, haverá sempre discussão sobre até onde ir e de que maneira, o que não faz sentido é fazer as discussões com um pressuposto de superioridade intrínseca do Estado (ou dos privados, já agora), seja em que sector for.


2 comentários

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De Anonimo a 13.12.2024 às 22:49

a concorrência estimula a eficiência dos sistemas económicos


Concordo
Teríamos uma saúde mais acessível aos utentes e barata para os fornecedores dos serviço, universal e de melhor qualidade no geral.
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De cela.e.sela a 14.12.2024 às 13:08

estado corporativo a pretender ser dirigido por sindicatos não representativos pagos pelos contribuintes
«o da joana»

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