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Há bastante gente a achar que os jornalistas são todos avençados do PS (e BE) e portanto seguem a agenda destes partidos.
Não estou convencido disso, do que estou convencido é de que a maioria dos jornalistas, sobretudo desde que há escolas de jornalismo, são sacerdotes do politicamente correcto e adeptos ferrenhos dos bons sentimentos, julgando-se investidos na missão de consertar o mundo, e não tanto de produzir informação validada sobre ele, que sentem que é uma actividade menor de jornalistas sem rasgo, sem capacidade de ler nas entrelinhas.
Isso torna a generalidade das redacções uma presa fácil da wokaria, dos que defendem os fracos e oprimidos, dos que se opõem aos interesses e por aí fora.
Esta história da TAP é uma boa ilustração disso e vou tentar explicar esta minha opinião (sim, é uma mera opinião).
Estou convencido de que boa parte do jornalismo partilha desta ideia de Pedro Adão e Silva: "declaro que não tenho reservas em relação a uma TAP privatizada desde que ... seja compatível com a preservação de uma companhia de bandeira", isto é, são pessoas que estão de acordo com a chuva, desde que não molhe.
Do mesmo modo, não parecem entender que dizer que "o Estado fez injecções de capital superiores a 3000 milhões de euros para suprir necessidades de financiamento (uma vez que os privados não tinham essa capacidade...)" é o mesmo que dizer que o negócio era suficientemente mau para não garantir retornos de capital interessantes face ao risco, o que significa, para quem acha que Portugal tem de ter uma companhia de aviação de bandeira, que só um Estado que não discute custos de oportunidade é que vai alocar capital suficiente para a companhia funcionar, sem esperar que algum dia esse dinheiro dos contribuintes seja pago pelos utilizadores da TAP (isto é, sem esperar que o dinheiro que é tirado aos pescadores de Rabo de Peixe e aos pastores da serra da Estrela sob a forma de impostos lhes seja devolvido pelos utilizadores da TAP sob a forma de preços de viagem que remunerem a operação e o capital da companhia).
Com estas dissonâncias cognitivas, é fácil pôr o jornalismo a papaguear coisas completamente absurdas de que vou dar um exemplo.
O famoso artigo que a Inspecção Geral de Finanças diz que poderá ter sido, indirectamente, contornado, diz, ipsis verbis, o seguinte:
"Artigo 322.º (Empréstimos e garantias para aquisição de acções próprias) 1 - Uma sociedade não pode conceder empréstimos ou por qualquer forma fornecer fundos ou prestar garantias para que um terceiro subscreva ou por outro meio adquira acções representativas do seu capital. 2 - O disposto no n.º 1 não se aplica às transacções que se enquadrem nas operações correntes dos bancos ou de outras instituições financeiras, nem às operações efectuadas com vista à aquisição de acções pelo ou para o pessoal da sociedade ou de uma sociedade com ela coligada; todavia, de tais transacções e operações não pode resultar que o activo líquido da sociedade se torne inferior ao montante do capital subscrito acrescido das reservas que a lei ou o contrato de sociedade não permitam distribuir. 3 - Os contratos ou actos unilaterais da sociedade que violem o disposto no n.º 1 ou na parte final do n.º 2 são nulos."
É claríssimo o que está em causa: uma sociedade (no caso, a Airbus, visto ser ela a sociedade que forneceu fundos) não pode fornecer fundos para que um terceiro (no caso, Neeleman) adquira acções do seu capital (seu, da Airbus, que é quem fornece os fundos, embora eu já tenha referido, e vários comentadores do blog também façam referência, vale a pena ouvir este vídeo, para quem ainda tenha dúvidas sobre os fundos que a Airbus colocou na TAP).
O número 2 aponta para o problema que motiva esta proibição: se uma sociedade empresta, ou presta garantias, para que um terceiro compre acções suas, na verdade está a fazer sair dinheiro da sociedade para terceiros, é uma forma manhosa de descapitalização de uma empresa (formalmente o capital é o mesmo, as acções limitam-se a mudar de mãos, mas como a transacção é financiada, ou garantida, pela empresa, corresponde a um aumento do passivo, sem qualquer contrapartida de um activo).
Pois bem, em que se baseia a hipótese da IGF de que o processo privatização talvez tenha contornado esta norma?
Neeleman compra o capital com dinheiro seu (sobre isso não há dúvidas).
No contrato de privatização, obriga-se a capitalizar a TAP, depois da aquisição de capital (sobre isso não há dúvidas).
Para capitalizar a TAP, pede dinheiro emprestado à Airbus que o vai colocar na TAP (não no bolso Neeleman) (sobre isso não há dúvidas).
Daqui resulta que o balanço da TAP se reforça, na medida em que entram fundos que não podem ser retirados da TAP no prazo de trinta anos, ou seja, a preocupação da norma do Código das Sociedades Comerciais - impedir a descapitalização por transferência de fundos da sociedade para terceiros sob a forma de empréstimos que não têm contrapartida em nenhum activo - não é minimamente ofendida, bem pelo contrário, o que há é um reforço do capital da TAP (sobre isso não há dúvidas).
A IGF entende que como esta obrigação de capitalização estava no contrato de privatização, e como depois de comprar a companhia, é a TAP que se responsabiliza por pagar essa entrada de fundos (por compra de aviões ou, no caso de não os comprar, pagando à Airbus), a IGF admite que uma operação que reforça o capital da TAP por entrada de dinheiro de terceiros, viola a norma que pretende impedir a saída de capital da TAP para o bolso de terceiros, coisa que manifestamente não aconteceu, até porque a TAP não tinha esses fundos (esse era mesmo o problema da TAP, não ter recursos para continuar a operar).
Parágrafo confuso, eu sei, mas eu não tenho responsabilidade nenhuma na tortuosidade da argumentação da IGF.
Com um relatório que contém números de circo como este, o que faz a imprensa?
Não publica o relatório, interpreta o flic-flac com pirueta argumentativa da IGF como querendo dizer que a TAP foi privatizada com dinheiro da própria companhia (coisa que o relatório da IGF não se atreve a dizer, por ser totalmente falso, para além de absurdo face à situação de agonia financeira da TAP naquela altura), e parte à desfilada na produção de chouriços jornalísticos que encaixam na sua ideia base: os negócios e a produção de riqueza são actividades indignas e a nossa obrigação é denunciar os ricos e poderosos através da exposição das suas manigâncias que lhes permitem enriquecer à custa dos pobres e deserdados.
E eu entretenho-me a falar destas dissonâncias cognitivas que acho muito interessantes por serem tão representativas da natureza humana e da precedência das emoções sobre a racionalidade (felizmente, doutra forma estaríamos todos mortos, poucas coisas são tão perigosas como a busca da racionalidade acompanhada da negação da relevância das emoções).
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