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Por causa de um post anterior meu, em que procurei deixar claro que nada na lei permite a exoneração de quem quer que seja por telefone e sem despacho (um comentário lateral, estou estupefacto com a quantidade de vezes que tenho ouvido dizer que alguém tem de ir aqui ou ali assinar um documento, um ofício ou um despacho. Num país em que já foi feito um conselho de ministros electrónico, em que todos os ministros assinaram digitalmente a resolução de um banco, parece que continua a haver chefes de gabinete e ministros que não usam assinaturas electrónicas. O resultado está à vista: um longo vôo de avião, que dava mais que tempo para fazer um despacho, como exige a lei, assinado digitalmente e imediatamente enviado assim que fosse restabelecida a ligação à internet, quando o avião aterra, teria evitado a enorme confusão jurídica resultante de algumas pessoas acharem que demitiram outras, mas essas outras acharem que enquanto não houver despacho, não é enquanto não for publicado, é enquanto não houver despacho, não há exoneração nenhuma), retomando, por causa desse post, cruzei-me com pessoas que, para sustentar a tese de que um despacho de exoneração pode ter efeitos retroactivos, se dedicaram a pescar despachos nesse sentido.
A questão é que a ilegalidade é um dos padrões mais fortes de funcionamento da administração pública em Portugal, exemplos de ilegalidades semelhantes anteriores não atestam a legalidade dos actos praticados.
Qualquer jornalista conhece dezenas de casos de recusa ilegal de fornecimento de documentos por parte de funcionários e dirigentes da administração pública, essa é, aliás, uma prática ilegal mais que consolidada na administração pública (um dia li, ao telefone, a um jornalista, um parecer emitido por uma unidade orgânica que eu dirigia na altura, sobre um assunto em que Sócrates estava envolvido, o que significava uma férrea disciplina no controlo da informação, na opinião de Sócrates, Silva Pereira, Carlos Guerra e Carlos Albuquerque, a linha hierárquica acima de mim. Sem surpresa, lá veio a ameaça de processo disciplinar que resolvi rapidamente lendo as alíneas da legislação aplicáveis ao assunto e que, inequivocamente, classificavam esse parecer como um documento público, tivesse o ministro a opinião que tivesse sobre o que se podia ou não podia transmitir publicamente).
O mesmo se diga da prática reiterada, de fazer reuniões sem actas ou outros documentos de registo.
E poderia continuar por aí fora.
Para não falar outra vez da novela da TAP, peguemos num exemplo desta semana, uma audição parlamentar a Mariana Vieira da Silva.
Nesta ligação pode ouvir-se, sem intermediários, o que está resumido aqui: "Vieira da Silva admite que o regime é “exageradamente utilizado”. “Para conseguirmos que assim não seja precisamos de processos de recrutamento que sejam mais céleres. Porque, por exemplo, em períodos eleitorais como aqueles que vivemos encontramos períodos de interregno com saídas de pessoas que se tornam absolutamente inviáveis para o bom funcionamento dos serviços. Portanto, não é possível fazer tudo ao mesmo tempo. Essa é uma tarefa que procuraremos desenvolver em 2024”, afirmou."
Note-se que a notícia, para a jornalista, não é o facto da ministra se estar nas tintas para a lei, a notícia é a ministra admitir que realmente se usa excessivamente um mecanismo excepcional previsto na lei.
No essencial, um deputado diz que existe um sistema formal de nomeação de dirigentes, e depois uma prática informal de nomeação em substituição (dá o exemplo de um dirigente há mais de oito anos em substituição, no instituto em que eu trabalho, o seu presidente penso que está em substituição há quatro anos e outros membros do conselho directivo estão em substituição há um bom bocado mais), e a senhora ministra em vez de responder, decide contar uma história lateral sobre os esforços do governo para melhorar a qualidade dos dirigentes da administração pública.
Argumenta, perante exemplos de dirigentes há anos em substituição sem concurso aberto, que os sistemas de recrutamento não garantam a necessária celeridade, isto é, admite que de facto a situação de excepção prevista na lei está a ser abusivamente usada, e dá uma explicação evidentemente falsa para essa prática de fuga à lei (e ainda faz uma referência a períodos eleitorais como aquele em que vivemos, em 16 de Maio de 2023 estamos em período eleitoral, como se o recrutamento de dirigentes da administração pública tivesse alguma relação com eleições, demonstrando que na verdade se está nas tintas para a lei, limita-se a encontrar justificações e buracos que permitam o funcionamento da administração pública à margem da lei, prometendo resolver o assunto em 2024, depois de estar há sete anos no governo).
Degradação institucional, profunda e com uma prática que vem de longe - o principal trabalho dos juristas que trabalham para a administração pública não é o de enquadrar legalmente o que se pretende, mas o de encontrar uma justificação defensável para não se cumprir a lei - também é isto.
De tal maneira que o senhor inpector geral das finanças candidamente explica que mudou um parecer porque o seu dever patriótico é não criar obstáculos à entrada de dinheiro europeu, não é o de garantir que esse dinheiro é aplicado de forma razoável, sensata e socialmente útil, portanto, se chamar a atenção para a fragilidade dos processos de acompanhamento da execução dos dinheiros comunitários poder provocar problemas de aprovação em Bruxelas, para-se o carro numa área de serviço da auto-estrada e muda-se o parecer dos seus serviços para diminuir os riscos de aprovação do dinheiro em Bruxelas, mesmo que à custa do aumento do risco de má aplicação do dinheiro dos contribuintes.
Isto é uma cultura que o Partido Socialista promove com desvelo, é verdade, mas o êxito da promoção dessa cultura tem raízes profundas na sociedade, dificilmente a administração pública deixará de cultivar esta cultura de ilegalidade como padrão nos próximos anos, seja qual for o governo.
O máximo que se conseguiria era mudar ligeiramente a trajectória, mas com um risco político brutal para quem decidisse que a lei pode ser boa ou má, mas enquanto existe, cumpre-se sem desculpas, excepções e escapatórias.
Como dizia um velho funcionário da Comissão Europeia numa reunião de contencioso comunitário em que eu estava, respondendo à alegação de um jovem assessor de que a opção do governo tinha sido uma opção política, "o governo fará as opções políticas que entender, dentro dos limites da lei, fora dos limites da lei não há opção política, só há ilegalidade".
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