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Grande parte desta epidemia foi gerida com base na ideologia do contacto, que consiste em postular que sem contacto não há contágio - o que é verdade - tirando daí a conclusão de que há uma relação directa entre contacto e contágio - o que é uma rotunda mentira -, o que leva à ideia de que a gestão da epidemia se faz gerindo contactos.
Um bom exemplo é um estudo que há pouco tempo foi referido pela generalidade da imprensa, sempre através da leitura de um dos seus autores, Manuel Carmo Gomes, e não através da leitura dos jornalistas, numa boa ilustração de jornalismo de pé de microfone.
O estudo chama-se "Controlling the pandemic during the SARS-CoV-2 vaccination rollout: a modeling study" e, na leitura de Manuel Carmo Gomes, transmitida pelos jornais, dá muitas indicações sobre a elevada probabilidade de uma quarta vaga, na hipótese de se fazer um desconfinamento diferente do que defende Manuel Carmo Gomes, cuja obsessão com o fecho de escolas é conhecida e, infelizmente, reconhecida como tendo alguma base científica.
Eu já raramente leio coisas sobre a epidemia que se baseiem em modelação matemática - já há tempo e dados empíricos suficientes para andar a gerir esta epidemia com base em borras de café, bolas de cristal, modelações matemáticas e outras mistificações semelhantes - mas face às repetições dos avisos de Manuel Carmo Gomes sobre o que o estudo demonstrava da relação entre contactos e evolução da epidemia, resolvi ir ver que dados tinham sido usados para avaliar os contactos e procurar a correlação com a evolução da epidemia.
Se bem percebi o estudo, e admito que não, de tal maneira são absurdas as afirmações de Manuel Carmo Gomes quando lidas à luz das minhas conclusões sobre o estudo, os contactos não são medidos empiricamente através dos dados de mobilidade existentes, e outros do mesmo tipo (com todas as dificuldades e limitações que os dados de mobilidade têm, são, ainda assim, o que há de base empírica), os contactos são inferidos a partir da evolução da epidemia, para depois se concluir que se os contactos evoluirem assim ou assado, então a evolução da epidemia será assim ou assado, num raciocínio circular que acharia que seria impossível encontrar num artigo científico.
Em qualquer caso, se eu estiver a ler mal o estudo (a ligação está acima) apenas invalida a utilização deste estudo como boa ilustração da ideologia do contacto como questão chave para a gestão da epidemia, não elimina a existência e influência da ideologia do contacto cujo paralelismo com a ideologia das ignições na gestão do fogo tem sido referida por mim várias vezes e que vou resumir de novo:
Sem ignição não há fogo. Mas 1% das ignições são responsáveis por qualquer coisa como 90% da área ardida, logo, a questão não está na redução das ignições (a maioria não têm problema nenhum, tal como a maioria dos contactos não resultam em contágios) mas sim na compreensão das circunstâncias em que uma ignição (ou um contacto) se transforma num fogo (ou num contágio).
No caso do fogo isso está razoavelmente estudado e é hoje consensual que é muito mais perigoso ter poucas ignições em contextos muito favoráveis ao fogo, quer ter muitas ignições em contextos menos favoráveis, que é até vantajoso para a gestão dos grandes efeitos negativos dos fogos.
O que é diferente na epidemia é que não sabemos tão bem caracterizar as circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento da epidemia com efeitos sociais mais negativos (essencialmente, as circunstâncias que provocam maior mortalidade).
Sabemos algumas coisas.
1) que as probabilidades de contágio crescem muito com a proximidade física entre pessoas, com o tempo em que essas pessoas estão juntas e com as circunstâncias em que estão juntas (a tal caracterização dos contactos de elevado risco como sendo entre pessoas que estão mais de quinze minutos a menos de dois metros em ambientes fechados) e que no caso do fogo podemos fazer o paralelo com as condições meteorológicas;
2) que os efeitos mais severos (estou a usar terminologia dos fogos propositadamente) se verificam quando há uma concentração de pessoas mais susceptíveis e mais frágeis, o que se traduz em cerca de 40% de mortalidade em lares, mais ou menos em todo o mundo, cujo paralelismo com os fogos se encontra nas condições de acumulação de combustível;
3) nos fogos sabemos também que uma vez um fogo ateado, há circunstâncias meteorológicas e de acumulação de combustível que rapidamente levam o fogo para lá da capacidade de extinção, sendo inútil procurar apagar esses fogos com ataque directo, havendo apenas a possibilidade de reduzir o combustível nas áreas que estão na linha de progressão do fogo. Esta é uma matéria em que é mais difícil fazer o paralelismo com a epidemia porque não podemos dar ninguém como perdido para a progressão da epidemia, por razões éticas (ao contrário do que podemos fazer com o fogo), e porque sabemos menos sobre o processo de retirada do combustível. Reconhecendo o atrevimento da minha ignorância, e não desconhecendo os custos brutais e as dificuldades logísticas associadas, eu me atrever-me-ia a dizer que uma vez identificado um surto num lar, a medida mais eficaz para salvar vidas seria a retirada imediata de todos os utilizadores para instalações de "isolamento" de cada utilizador, na ausência de vacinas, claro, apoiado cada um por pessoas dedicadas apenas a essa pessoa. Isto porque me parece evidente que, tal como acontece nos fogos, as medidas de supressão da epidemia em lares se revelaram largamente inúteis: nunca se impediu, em lado nenhum, a entrada da epidemia em lares e, uma vez declarado um surto, nunca se conseguiu travá-lo dentro do lar, fossem quais fossem as medidas tomadas.
Infelizmente a ideologia do contacto, com a sua parafernália de proibições gerais, restrições de direitos individuais e barragem de propaganda em jornais e nos meios do Estado, tem impedido uma discussão racional dos seus parcos resultados para os elevadíssimos custos que acarreta.
Mas a esperança é a última a morrer (via Eduardo Maximino), quando até o Guardian chega aqui: "Whitty said the majority of experts believed Covid was not going to go away and it would eventually have to be managed in a similar manner to flu. In a bad year, flu can kill 20,000 to 25,000 people. “It is not flu, it is a completely different disease, but the point I am making is, here is a seasonal, very dangerous disease that kills thousands of people every year and society has chosen a particular way around it,” he said.
While Whitty noted that factors such as variants and population density were important, he cautioned against trying to explain how Covid had affected different countries by focusing on just one or two factors, noting that Germany was now facing a difficult situation despite its previous success in tackling Covid largely being put down to its diagnostic capabilities.
“It is actually usually a large combination of factors, some of which are under our control, many of which are not. And more of it is chance than I think people are prepared to accept,” he said."
Admitir que não controlamos muitos factores é a questão chave para a gestão da epidemia, não os contactos entre as pessoas.
Tendo-o em elevada consideração, por vezes tenho ganas de o mandar a qq parte.
Abraço
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