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A gestão e o fogo

por henrique pereira dos santos, em 01.10.24

Não faço segredo do que defendo, como medida mais urgente e prioritária, para ganharmos controlo do fogo: que os contribuintes paguem o serviço de gestão de combustíveis a quem fizer uma gestão tal que mantenha o seu terreno florestal com menos de 50 cm de altura.

A proposta, como qualquer proposta, tem muitas fragilidades e pode ser criticada de muitas maneiras, mas dela digo que dizia Churchill da democracia: a pior de todas as propostas, excluindo todas as outras.

Muitas dessas críticas são razoáveis, por exemplo, José Miguel Cardoso Pereira acha-a ineficiente porque mesmo que exista gestão em mosaico, o fogo vai "percolando" pelas áreas não geridas e, por isso, duvida da eficácia de uma medida dirigida à gestão estritamente do interesse do gestor, consequentemente de aplicação caótica, sem definição estratégica das áreas de intervenção (se estou a interpretar bem a crítica de José Miguel Cardoso Pereira).

A questão, para mim, é que não conheço nenhuma medida melhor, as que pretenderam garantir um carácter estratégico às intervenções acabaram embrulhadas nas alhadas do Estado, o dinheiro vai-se consumindo e os resultados são marginais (com excepção do resultado habitual de concentrar poder e recursos nas mãos do Estado).

Um dia destes Luís Jordão publicou três fotografias muito interessantes que, aparentemente, apontariam no sentido de demonstrar que a gestão é mais ou menos irrelevante porque o resultado do fogo era igual em parcelas geridas e não geridas (nota de Luis Jordão sobre esta minha interpretação do que li: "Como sempre, a deturpar o sentido das palavras. O Luis Jordão colocou o post a questionar se, no caso em apreço, a gestão seria mais ou menos importante que a descontinuidade, compartimentação ou mosaico, chame-lhe o que quiser. Exatamente por verificar que, as duas áreas geridas, sem finos, foram mais afetadas que a área "menos gerida", que tinha matos por baixo, e foi menos penalizada, contrariamente ao que observa (nos dois primeiros casos houve maior estrago").

Valendo a pena lembrar que o objectivo é apenas o de expandir as actividades de gestão de biomassa fina e ganhar controlo sobre o fogo (o que beneficiaria de uma política de combate alinhada com objectivos de gestão do espaço florestal), as fotografias são interessantes em si e passo a apresentá-las, para depois falar sobre o que me interessa.

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O primeiro aspecto que me interessa é que olhamos para uma área ardida e temos a tendência para amalgamar tudo numa leitura binária: ardido/ não ardido.

Eu próprio, com medo do tamanho da minha ignorância nesta matéria, fui fazendo perguntas a quem sabe mais que eu sobre avaliação de áreas ardidas e a quem sabe mais que eu de produção florestal de eucalipto.

Se a primeira fotografia é uma boa fotografia para avaliar a severidade do fogo (severidade e intensidade estão relacionadas, mas não são a mesma coisa, a intensidade do fogo mede a energia libertada pelo fogo, a severidade mede o impacto do fogo na vegetação), as outras duas têm um problema grande: como são tiradas em contra-luz, não permitem uma boa avaliação do gradiante verde/ castanho/ preto que permite avaliar a afectação da vegetação, portanto, em rigor as fotografias não são totalmente comparáveis (as duas primeiras são de povoamentos geridos, não sei se bem se mal, mas com plantações alinhadas e armação do terreno, a última suponho que seja de um povoamento de eucalipto não gerido).

O que parece visível é que não há uma afectação profunda dos povoamentos (todos eles), porque as copas estão dessecadas (castanhas), mas não estão calcinadas (pretas e com os finos consumidos).

Aparentemente, e com todas as cautelas, parece haver maior afectação na terceira fotografia porque parece haver um consumo da copa até alturas maiores do tronco, mas em qualquer caso, a gestão que poderá ter diminuído a intensidade do fogo, que se pode supor que tenha existido por menor severidade (a intensidade pode não ter variado assim tanto, mas a severidade variar mais pelo facto do povoamento não ter tanta continuidade vertical, mas estou a nadar fora de pé, não confiem muito no que digo neste comentário entre parêntesis), não parece determinante no resultado final (eu bem dizia que corria o risco de estar a dizer asneiras, parece que quem sabe diz o contrário do que eu disse: a altura do tronco chamuscada é menor na fotografia de baixo, indiciando menor intensidade do fogo).

Esta discussão até aqui é, no entanto, razoavelmente marginal para outros aspectos que me interessam mais na comparação destas fotografias, para os quais, aliás, sugiro a leitura deste post.

O primeiro ponto é que nos povoamentos comerciais (as duas primeiras fotografias) há perda de valor (havia madeira com valor e com o fogo há madeira com menos valor) mas na terceira fotografia não há grande perda de valor porque já não tinha valor nenhum, portanto falar em interesses económicos na existência destes fogos não tem pés nem cabeça.

Anda por aí um rapaz que diz que abandono faz parte do modelo de negócio das celuloses para manter baixo o preço da madeira, mas o rapaz é especialista em meta-narrativas sobre alterações climáticas e ninguém o informou de que o maior risco para as celuloses, neste momento, é a ruptura do abastecimento da madeira, não é o preço, pelo que aquilo em que trabalham é em aumentar a produção. Sendo o preço uma questão muito sensível, não é com abandono que se consegue sustentar o preço (se o abandono reduz a oferta, o preço sobe, não diminui, mas o rapaz nem a lei da oferta e da procura deve conhecer), é com ganhos de eficiência.

A perda de valor diz respeito a uma perda de volume (estando as árvores chamuscadas é preciso descascar e nessa operação lá vão 10 a 20% do volume de madeira, dependendo da dimensão do tronco na altura do corte) do material que existe, e na perda de um ano de produção, visto que o novo ciclo de produção só começa depois desse corte.

Este aspecto é especialmente interessante para explicar a expansão do eucalipto nas áreas em que tem boa produtividade, porque as perdas num povoamento decorrente do fogo (os tais 20% e um ano de produção) são incomparavelmente mais pequenas que as perdas nas alternativas de produção florestal, a principal das quais é o pinheiro.

Num pinhal, um fogo destes significa cortar o pinhal e começar de novo um ciclo que precisa de chegar aos vinte anos, pelo menos, para ter um valor interessante, sendo muito mais provável a ocorrência de um novo fogo em vinte anos que nos doze entre dois cortes de eucalipto.

Para o dono do terreno as contas são muito simples de fazer (não é preciso recorrer a sofisticadas teorias de conspiração para perceber por que razão não é a lei e a regulamentação que vão impedir a expansão do eucalipto, ela continuará, mesmo ilegal, prejudicando os empresários melhores e mais cumpridores, face aos aventureiros extractivistas) porque uma plantação de eucaliptos dá, na boa, três cortes, antes de um novo investimento em plantação, e um fogo não altera isso (apenas reduz o valor do corte). Na plantação de pinhal, no entanto, a cada fogo vai ser preciso fazer um novo investimento em plantação.

Escusam de me incomodar com as plantações de folhosas autóctones porque não existem grandes exemplos de ganhos empresariais assentes em modelos florestais de produção de folhosas autóctones em Portugal, a não ser em papéis vários, incluindo publicações científicas e folhas de excel, e o seu principal destino comercial, actualmente, é lenha, e não a produção de pranchas de madeira de qualidade.

Pessoalmente estou envolvido na produção de folhosas autóctones, através da Montis (quem quiser ser sócio, são 25 euros por ano e podem inscrever-se aqui) porque o meu negócio é como o de Belmiro de Azevedo com o Público, é um perdócio que aceito, com gosto, pelo prazer de contribuir para que tenhamos todos mais biodiversidade.

O aspecto que é mais interessante na comparação das fotografias, o último para que vou chamar a atenção que vai longa a pregação, é bem visível e está no  solo.

Nas áreas plantadas comercialmente a escorrência de encosta é interceptada pelas linhas de plantação e os nutrientes tenderão a ficar na entrelinha, ao mesmo tempo que a água perde energia para ultrapassar o obstáculo criado em cada linha de plantação.

É por isso que a esmagadora maioria da literatura científica que se debruçou sobre este assunto conclui que muito mais que a árvore que está plantada, são as técnicas de gestão que são relevantes na gestão da fertilidade e da água.

Não estou a dizer que não possa haver diferenças se as árvores que estão plantadas são eucaliptos, pinheiros, carvalhos, ou o que quer que seja, estou a dizer que essas diferenças são de uma magnitude completamente diferente, portanto marginais, e que as diferenças resultantes de ter valas, cômoros, socalcos e outros processo de gestão dos nutrientes e da água, são de uma magnitude muito maior, portanto, mais relevantes.

É muito frequente, em planos e pareceres, impor-se a plantação a covacho com o objectivo de diminuir a erosão e, no momento da plantação, pode admitir-se que o solo fica mais exposto, e possa até haver alguma erosão acrescida enquanto a vegetação não garante uma cobertura mínima do solo.

Só que essa eventual perda (que não estou a discutir se existe e de que dimensão, estou a dar isso de barato) é incomparavelmente menor que o ganho de ter o terreno armado nos trinta a trinta cinco anos subsequentes, com os efeitos que descrevi sobre a gestão dos nutrientes e da água.

Haverá sempre uns mentecaptos que me acusarão de estar defender o eucalipto por ter escrito o que escrevi, mas o que escrevi não é a minha opinião, é o que hoje é o consenso científico e técnico sobre o assunto, tão neutro como dizer que agora está Sol ser a constatação de um facto, e não uma defesa do Sol a soldo dos interesses económicos dos fabricantes de protectores solares.


16 comentários

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De Anónimo a 02.10.2024 às 00:06

Aconselho que sempre que faça referência à ciência cite adequadamente.
Só assim é possível validar o referido. 
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De henrique pereira dos santos a 02.10.2024 às 07:29

Obrigado pelo conselho. No seu caso, que faz referência à ciência, o senhor deveria ter citado o quê para validar o seu conselho?
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De Anónimo a 02.10.2024 às 18:02

O ato de citar dá credibilidade e mostra rigor.  Todos podemos dizer que a ciência diz! Mas isso não basta. Já agora fica-lhe mal a arrogância colega (espelhada na forma como responde).


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De henrique pereira dos santos a 02.10.2024 às 23:06

Num blog, e não na academia, o que garia credibilidade e mostrado rigor era um comentário a dizer que eu digo que a generalidade da investigação diz o mesmo o senhor responder que isso não é verdade porque o artigo tal e tal diz o contrário.
Agora fazer comentários retóricos não tem nenhuma utilidade.
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De Anonimus a 02.10.2024 às 11:08


"que os contribuintes paguem o serviço"


Onde está a iniciativa privada?
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De henrique pereira dos santos a 02.10.2024 às 11:19

Está onde estiver o dinheiro, é por isso que sem pôr dinheiro em cima da mesa, a situação não se altera.
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De Anonimus a 02.10.2024 às 12:06

Então neste caso não se aplica a metáfora do restaurante que naturalmente fecha porque ninguém lá vai comer... ou  a etiqueta do "estatista". Percebido.
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De henrique pereira dos santos a 02.10.2024 às 15:14

A metáfora está certa: o restaurante está fechado, não abre porque não tem clientes, mas o povo da vila quer ter um restaurante aberto.
Para que isso aconteça, o povo da vila tem de quotizar-se para manter o restaurante aberto, não pode esperar que seja o dono do restaurante a arcar com prejuízos porque o povo da vila quer ter um restaurante aberto.
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De Anonimus a 02.10.2024 às 18:58

É o povo da vila que se quotiza (voluntariamente) ou o contribuinte que paga? 
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De henrique pereira dos santos a 02.10.2024 às 23:07

Pensei que sabia o que é uma metáfora.
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De Silva a 02.10.2024 às 13:48

A Montis não é nenhum "perdócio"; nos últimos 3 anos teve resultados positivos e sendo uma associação não está sujeita a imposto, além disso recebe subsídios.
Não encontrei informação sobre os fundadores da Montis, mas regra geral, sei que as associações, fundações e outros similares geralmente têm habitualmente entre os seus fundadores Câmaras Municipais, Institutos, outros organismos públicos, etc., tornando na prática os seus empregados como parte da função pública, embora não são reconhecidos como tal.


Outra das reformas estruturais que defendo é a equiparação do regime fiscal das empresas às outras pessoas colectivas nomeadamente as  associações, fundações e similares.
Dizer que são pessoas colectivas sem fins lucrativos (apesar da lei), simplesmente não é verdade.
A grande maioria das associações e fundações tenderia a desaparecer, sobrevivendo as que "realmente interessam".


"A questão, para mim, é que não conheço nenhuma medida melhor"
Conhece sim; talvez não tenha noção do verdadeiro impacto (a todos os níveis) das reformas estruturais que proponho.
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De henrique pereira dos santos a 02.10.2024 às 15:20

A Montis pode até ter resultados positivos, mas ser sócio da Montis é um perdócio para mim, eu pago as quotas e não recebo nenhum dinheiro de volta.
Está sujeita a impostos e muitos, e não recebe nenhum subsídio, tem estatuto de utilidade pública o que lhe permite alguns benefícios fiscais e consignação do IRS, se alguém o assinalar na sua declaração de IRS (o primeiro ano em que isso aconteceu foi este ano e permitiu a entrada de 4 mil euros).
Aparentemente o seu interesse em se informar não chegou à leitura dos estatutos onde veria que os sócios colectivos nem sequer têm direito de voto.
Não, a Montis não tem câmaras, e organismos públicos como seus sócios (penso que tem ou tinha uma junta de freguesia e era um castigo para receber a quota), muito menos nos seus orgãos sociais e os seus funcionários não prestam contas nem têm qualquer relação com organismos da administração pública.
Quanto ao resto das suas patetices, francamente não me interessam.
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De JPT a 02.10.2024 às 15:37

A minha questão é prática: como é se que faz para assegurar que quem recebe o dinheiro mantém o seu terreno florestal com menos de 50 cm de altura. Quando é que se paga? Como é que se fiscaliza? Como é que se evita que o dinheiro vá para bagaço e raspadinhas, sem que se consiga recuperá-lo. É como a descida do IRC, medida que, em tese, apoio totalmente, mas, que, na prática, dado que os únicos que declaram lucros tributáveis relevantes são a grande distribuição, as empresas de telecomunicações,  as instituições financeiras e os "monopólios naturais", acabará por redundar num bodo a quem menos precisa (a não ser que se acredite na "trickle down economics"). 
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De henrique pereira dos santos a 02.10.2024 às 16:02

Em princípio, respondo amanhã num post porque acho que muita gente faz essas perguntas
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De Anónimo a 02.10.2024 às 16:33


a descida do IRC, que, na prática, dado que os únicos que declaram lucros tributáveis relevantes são a grande distribuição, as empresas de telecomunicações,  as instituições financeiras e os "monopólios naturais", acabará por redundar num bodo a quem menos precisa



Não creio que somente esses tipos de empresas declarem lucros tributáveis, outras grandes empresas (tipo Continental de Lousado, Renault de Cacia, Shamir de Vila do Conde, Embraer de Évora, etc etc etc) provavelmente também declaram.



O objetivo da descida do IRC é precisamente atrair para o país mais empresas desse tipo.
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De JPT a 03.10.2024 às 08:24

Concordo como a medida, como disse e (sobretudo) pela razão que refere. No entanto, não deixa de ser um bodo para duas dezenas de empresas que têm demasiadas ligações ao poder político, demasiadas rendas e demasiadas práticas lesivas da concorrência e dos consumidores.

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