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Quando alguém, em vez de dizer estas parvoíces, resolve olhar para os dados factuais da evolução dos indicadores sociais durante o Estado Novo, constatando a sua evidente melhoria, um dos argumentos mais usados é o "mau fora que esses indicadores não melhorassem com a evolução que ocorreu em todo o mundo".
O argumento tem a sua quota parte de verdade: qualquer que fosse o regime, as tendências sociais mundiais e a evolução tecnológica eram favoráveis à melhoria de indicadores sociais. Por exemplo, a descoberta da penicilina contribui substancialmente para o aumento da esperança média de vida, a generalização da higiene em meio hospitalar (bem como a profissionalização da enfermagem, por exemplo) diminui muito a mortalidade infantil, o aumento da complexidade das ferramentas de produção exige operários mais instruídos, e por aí fora.
A questão está em saber se, quaisquer que fossem as opções políticas, teria sempre de haver uma evolução positiva dos indicadores de educação, saúde e qualidade de vida das pessoas da dimensão que houve durante do Estado Novo. A questão da dimensão, da escala do progresso social durante esse tempo, é uma questão relevante para se procurar avaliar políticas públicas e a sua eficácia.
A melhor maneira de o fazer parece ser comparando a evolução em diferentes geografias, no mesmo tempo, ou comparando a evolução no tempo, na mesma geografia, e qualquer das duas abordagens levanta problemas metodológicos complicados sobre os quais sei tão pouco que não tem nenhuma utilidade eu dizer grande coisa sobre o assunto.
Em qualquer caso, na minha cabeça de leigo, há duas coisas que me parecem óbvias - repito-me, o óbvio é muito subjectivo - que contrariam esta ideia de evolução natural dos indicadores sociais, independente de opções políticas e sociais. Escrevi aqui o "sociais" porque muito do contexto é social, não depende inteiramente dos governos: as famílias mandarem os filhos à escola ou não, só até certo ponto pode ser forçado pelos Estados, por exemplo.
E o exemplo de Portugal na educação é bastante eloquente.
Depois da expulsão dos Jesuítas, uma decisão que reduz a população escolar em mais de 80%, com impactos que não vão ser revertidos durante décadas, Portugal adoptou a escolaridade obrigatória nas primeiras décadas do século XIX mas, cem anos depois, a taxa de escolarização, isto é, a percentagem de crianças em idade escolar que realmente frequenta a escola, andava pelos 20%.
Note-se que os séculos XVIII e XIX são os séculos da revolução industrial, com progressos sociais brutais, incluindo na generalização da educação nos países do espaço geográfico de Portugal e, ainda assim, o reflexo disso em Portugal é marginal.
Mas talvez mais relevante para a demonstração de que a evolução natural dos indicadores sociais pode ser travada pelas opções políticas é a história pós-colonial da Guiné, Angola e Moçambique.
Os indicadores sociais nesses três países, no ano anterior à sua independência, eram maus, mas em clara evolução positiva.
Durante os quase cinquenta anos que já levam de independência, a evolução social mundial foi impressionante.
E, ainda assim, há uma clara regressão em muitos indicadores sociais, pelo menos durante a primeira década da independência, sendo os da educação muito evidentes.
Claro que há razões conhecidas, como o facto da generalidade dos professores e das elites instruídas desses países terem sido expulsas por razões políticas e raciais, cuja prevenção foi esquecida - não estou a sugerir que poderia ter sido diferente, estou a constatar um facto - no processo de descolonização.
O facto é que o argumento do "mau fora" é claramente invalidado pela evolução dos indicadores sociais destes três países nos seus cinquenta anos de independência, nos quais, aliás, foram despejados milhões em ajuda externa, com especial atenção aos sectores sociais.
Curiosamente são as boas intenções o principal factor de aceitação social, não na teoria mas na prática, para esta evolução completamente absurda: todos os problemas desses países podem ser atirados para cima das consequências de quinhentos anos de exploração colonial, isentando os responsáveis pela governação dos últimos cinquenta anos de qualquer responsabilidade pelos resultados negativos das suas opções políticas.
Mais profundamente, isentando a sociedade de responsabilidades na situação que ali se vive, sendo muito raros os milionários (que os há) desses países que têm acção filantrópica relevante que ajude a mitigar o sofrimento das pessoas concretas que acabam vítimas de políticas erradas, estando a filantropia quase exclusivamente assente em organizações religiosas com financiamento externo.
Olhar os factos de frente, procurando ver claro no meio do nevoeiro ideológico, talvez seja uma atitude bem mais subsersiva do que geralmente admitimos.
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