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A Ética católica e o Espírito do Capitalismo

por Daniel Santos Sousa, em 17.05.25

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A tese de Weber (no seu "A ética protestante e o Espírito do Capitalismo") encontra um campo amplo de adeptos, visando atacar o atraso dos países de cultura católica, em relação ao avanço técnico, político e económico dos países de cultura protestante. Tese não totalmente original, porque já tinha sido antecedida cerca de trinta anos por Antero de Quental, com o sugestivo título de "Causas da decadência dos povos peninsulares" (mas claro, como é português a relevância é menor). Ambas as teses estão viciadas, mas não cabe aqui discutir isso (1).

 É interessante como mesmo catedráticos e estudantes quase divinizem uma teoria que várias vezes já foi refutada pela historiografia. Talvez porque a tese de Weber pareça elegante a olhos deslumbrados, principalmente a povos como os de cultura católica que sempre desprezaram a sua identidade para preferir imitar o estrangeiro (i.e., os povos protestantes). E não é de admirar que um professor de direito se sinta tentado a preferir o protestantismo ao catolicismo, o próprio direito português é muitas vezes copiado de países protestantes (a Alemanha principalmente).   

O trauma em questão vem a propósito do suposto atraso das nações católicas em relação às nações protestantes, um velho estribilho oitocentista que ganhou raízes profundas nas nossas academias. O argumento é falso e já o demonstrarei. Ofereço a proposta de Hayek que no discurso perante a Academia Sueca citou dois escolásticos ibéricos: Luís de Molina e Juan de Lugo, afirmando que a análise económica austríaca não era uma novidade, já tinha sido formulada nos século XVI e XVII e tinham origem católica e espanhola.  

Exactamente, as ideias do capitalismo emergiram da Europa mediterrânica, herdeira da tradição grega, romana e tomista (3), influência muito mais decisiva do que na tradição dos filósofos escoceses do século XVIII (Adam Smith e David Hume). Um mesmo Hayek cita diversas vezes Luís de Molina, um padre jesuíta espanhol, a propósito da ideia do equilíbrio natural do mercado na formação do «preço natural» ou do «preço justo». 

Aliás, foram dominicanos e jesuítas, professores de moral e teologia em universidades, como a de Salamanca e a de Coimbra, que constituíram os focos mais importantes do pensamento durante o Século de Ouro espanhol, antecedendo Smith e antecipando em séculos a escola Austríaca. E mesmo as teorias do protestante John Locke sobre o consentimento popular e a superioridade popular no governo já tinham encontrado fundamento num escolástico de Salamanca chamado Juan de Mariana, embora também descritas por Suarez, outro grande teólogo (e o fundador do direito internacional moderno).  

Quanto ao capitalismo das nações protestantes, tanto Hugh Trevor Ropper, como Michael Novak (4), tinham já explicado que «a ideia de que o capitalismo industrial de larga escala era ideologicamente impossível antes da Reforma é negada pelo simples facto de que ele já existia.» (ROPPER) Aliás Michael Novak descobre o desenvolvimento do capitalismo em cidades como Antuérpia, Lisboa, Milão, Lucena, refutando assim a tese de Weber da "ética protestante".  

E vem acrescentar ainda Henri Pirenne, uma década depois da publicação do livro de Weber (primeiramente citado), baseando-se em documentação anterior à Reforma, de que "os aspectos essenciais do capitalismo - iniciativa individual, avanços no crédito, lucros comerciais, especulação, etc. - podem ser encontrados a partir do século XII nas cidades-república da Itália - Veneza, Génova e Florença". 

Como explicar então o declínio Peninsular? Consequência lógica dos ciclos históricos de ascensão e decadência dos impérios. Simplesmente, aproveitando as palavras de Rodney Stark, os países protestantes do Norte ocuparam o lugar outrora "ocupado pelos velhos centros capitalistas do Mediterrâneo". Depois, os países mediterrânicos (Portugal e Espanha), falharam em deduzir o sistema económico para o qual tanto contribuíram e perderam o passo do tempo. Tragicamente, também povos que passaram os últimos duzentos anos a copiar instituições contrárias à sua cultura, o que resultou em guerras e revoluções constantes ao longo dos séculos XIX e XX. 

A influência dos pensadores da escolástica de Salamanca teria ainda um novo fôlego com o catalão Jaime Balmes (1810-1848), que além de teólogo foi economista e político católico, o mesmo que elaborou a lei da utilidade marginal vinte e sete anos antes de Carl Menger. 

Sim, é verdade que o capitalismo tem origem religiosa, mas não é protestante, mas católica. 

___

(1) uma desmistificação da tese de Weber: "Max Weber: The Lawyer as Social Thinker" Frank Parkin,Stephen P. Turner,Regis A. Factor (pp.162, 164, 165). 

(2) "The Victory of Reason - How Christianity Led to Freedom, Capitalism and Western Success", Rodney Stark (pp.11-12) 

(3) "As raízes escolásticas da Escola Austríaca e o problema com Adam Smith", Jesús Huerta de Soto

(4) mais uma desmistificação de Weber: "The Spirit of Democratic Capitalism", Michael Novak (pp.276-277)


10 comentários

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De Anónimo a 17.05.2025 às 12:02

Na resenha histórica convém referir a Companhia das Indias Holandesa, primeira sociedade com acções. 
A expulsão dos Jesuítas foi determinante para o nosso atraso, tenha sido por razões políticas e ou religiosas
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De passante a 17.05.2025 às 12:36

passaram os últimos duzentos anos a copiar instituições contrárias à sua cultura


Os merceeiros incharam-se de enciclopédias e da soberba do "racionalismo", e à pala disso tivemos o pedreiro Sebastião C.M. a fechar escolas porque eram religiosas.


Analfabetizou o país mesmo a tempo para a revolução industrial, e tem o maior monumento de Lisboa 



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De lucklucky a 18.05.2025 às 03:24



Quando se vai tão profundo ás origens convém arranjar uma definição para o Capitalismo . Até se pode considerar que existem muitos capitalismos. 


Eu prefiro falar de marcado livre pois é isso que é essencial.
 Inclusive o mercado livre que é uma eleição.
O mercado livre nasce nas margens e não na Igreja ou na Aristocracia que o despreza ou mal convive com ele. Note que incluo o Marxismo na Aristocracia. O Marxismo  é uma reacção Aristocratica á Modernidade Liberal, é um Absolutismo fabricado e tão Totalitário que é quasi caricatura.
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De Anónimo a 18.05.2025 às 14:37

Tretas. Pessoas de todas as religiões sabem ser boas capitalistas. Veja-se os indianos e os chineses, que não são nem católicos nem protestantes mas sabem perfeitamente ser capitalistas.
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De Francisco Almeida a 18.05.2025 às 16:07

Que grande confusão. A tese de Weber falha no primazia histórica da teoria mas acerta na realidade. Ultra simplificadamente, a prática social-religiosa protestante, valorizou a parábola dos talentos, enquanto a católica valorizou a do camelo e do buraco da agulha.
Teoria que não tem correspondência na acção governativa, não produz resultados na vida da sociedade, fica confinada à academia ou nem isso. Há antecedentes conhecidos.
Na Universidade de Salamanca, referida pelo autor, teorizou-se a inflação e previu-se a decadência espanhola como consequência de importação da prata do México. Mas a única universidade com alguma influência na côrte, era a Universidade Complutense, perto de Madrid, onde então se discutia a importante questão de determinar quantos Anjos cabiam na cabeça de um alfinete.
Independentemente de ciclos económicos, os mais longos de 25 e 50 anos, a decadência de Portugal começa com o assassínio de D. João II e a subida ao trono de um príncipe educado na cultura de Castela. D. Manuel I, esbanjou, criou hábitos de fausto e vaidade, desde o pormenor de estrear um vestuário diariamente, à divulgação e profusão da heráldica, à construção dos Jerónimos, á espaventosa embaixada ao Papa, que incluía um rinoceronte. Tudo isso é bem comprovado por D. João II ter feito as navegações com meios da Coroa e da Ordem de Santiago e assim também a viajem de Vasco d Gama - já aprontada por por D. João II e atrasada mais de dois anos por D. Manuel - mas a segunda viagem, a de D. Francisco de Almeida, ter sido já financiada em parte importante por capitalistas alemães, Fugger e Welser, pelas suas feitorias nos Países Baixos e, não esquecer, a promoção e agenciação de judeus portugueses expulsos por D. Manuel I.
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De balio a 19.05.2025 às 12:12


o assassínio de D. João II


Não se sabe por que motivos exatos João II morreu. Que tenha sido assassinado (por envenenamento) não passa de uma hipótese.
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De balio a 19.05.2025 às 12:14


Na Universidade de Salamanca, referida pelo autor, teorizou-se a inflação


Certo. Ora, a inflação não é o capitalismo. Dizer que os universitários católicos de Salamanca criaram ou defenderam o capitalismo somente por terem estudado e previsto a inflação, é um disparate.
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De Francisco Almeida a 19.05.2025 às 17:27

Não disse nada disso. Dei apenas um exemplo de um saber académico que não produziu qualquer resultado na sociedade. Tal qual as teorizações capitalistas de origem católica que o autor do postal bem identifica.
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De Albino manuel a 18.05.2025 às 22:05

É isso! Vamos restaurar a monarquia tradicional, clero, nobreza e povo. O PIB vai saltar de tanto crescimento. 
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De vasco Silveira a 19.05.2025 às 09:55

Caro Senhor
É um enriquecedor prazer ler as suas publicações, sejam de um Leão XIII a acompanhar o turbilhão da passagem de século , seja de religiosos eruditos, cuja evolução (à época) já lhes apontava equilíbrios de mercado e outras "descobertas" posteriores de séculos: Salamanca, e Coimbra, eram de facto referências internacionais de sabedoria.
Fica-me apenas a dúvida sobre a sua formação e curiosidade que tanto conhecimento lhe desperta: económica, espiritual, curiosidade cultural, ... ?


Cumprimentpos e obrigado

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