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A estratégida de empobrecimento

por henrique pereira dos santos, em 29.11.16

Uma das coisas mais estranhas no debate político é a facilidade com que se usam, se espalham, se aceitam e se não escrutinam argumentos evidentemente absurdos.

Há muito que ao ler qualquer coisa aparentemente absurda, ou que me parece mal contada, a minha posição base é partir do princípio de que é realmente absurda, ou que está mal contada.

A ideia de que um governo que depende dos votos tem uma estratégia de empobrecimento é uma ideia intrinsecamente absurda e, evidentemente, estúpida. E no entanto há anos que se ouve isto como argumento político o que me tem custado a perceber.

A morte de Fidel Castro, ou melhor, as notícias e comentários sobre essa morte ajudaram-me a perceber melhor a persistência de estupidezes destas.

A quantidade de pessoas que falam do grande progresso económico e social de Cuba durante o regime castrista (os mais contidos restrigem-se aos progressos sociais) não sentem a menor necessidade de verificar os dados que existem sobre o assunto (ver, por exemplo, um pequeno texto com gráficos expressivos).

Não sei o suficiente sobre a história económica e social de Cuba para avaliar a solidez dos argumentos dos que dizem que houve grandes progressos e dos que dizem o contrário, mas o que tenho lido ultimamente é bem diferente do que sempre ouvi dizer e, tendo em atenção aspectos paralelos que conheço melhor, suspeito de que realmente há por aí mais mitos que realidades que, aparentemente, pouca gente se dispõe a escrutinar.

Há em Portugal dois casos paralelos que vale a pena referir: o mito da reforma da educação feita pelo Marquês de Pombal e o mito do empobrecimento (e o voluntário obscurantismo) provocado pelo salazarismo.

No essencial a reforma do ensino do Marquês de Pombal terá sido feita no papel, na prática reduz-se à expulsão dos Jesuítas e à destruição do sistema de ensino existente, sem que nada de muito relevante tivesse substituído o sistema de ensino que existia. De tal maneira que o número de alunos que havia em Portugal em meados do século XVIII só voltou a ser atingido nos anos 30 do século XX, 170 anos depois, quando a população já tinha duplicado a que existia no século XVIII (para leitura mais completa, ver aqui).

A outra situação que conheço melhor diz respeito ao mito do empobrecimento do país pelo regime salazarista, incluindo a miséria dos seus indicadores sociais. A origem da persistência do mito, para além das motivações políticas, está na situação pouco brilhante, do ponto de vista social e económico, em que o país estava quando acabou o regime, quando se compara com os países mais desenvolvidos do mundo.

Por exemplo, uma taxa de analfabetismo perto de 20% é um péssimo indicador social.

Mas quando se compara com a taxa de analfabetismo no início do regime, por volta dos 60%, a avaliação do resultados do regime político então existente é, forçosamente, diferente. E seria ainda mais evidente se esta taxa fosse avaliada para a população menor de 15 anos, em vez da totalidade da população, uma vez que desde os anos 60 a população em idade escolar tem uma taxa de escolarização muito perto dos 100% (no que diz respeito ao ensino elementar).

Se se olhar para outros indicadores sociais, como a taxa de mortalidade infantil, ou para indicadores económicos (o maior período de crescimento económico e convergência com os países mais ricos nos últimos 200 anos, ver aqui para quem tiver dúvidas) a conclusão é a mesma: é verdade que no fim do salazarismo Portugal era um país pobre e com maus indicadores sociais, mas é igualmente verdade que era incomparavelmente menos miserável do que era no início do regime, tendo inclusivamente havido uma aproximação relativa aos padrões dos países mais desenvolvidos.

Dizer isto, que é estritamente factual, é imediatamente lido por dezenas de pessoas como uma defesa do regime salazarista, tal como se entende que para defender o regime castrista é fundamentel assegurar os seus êxitos económicos e sociais, seja ou não verdade.

A legitimidade dos regimes políticos não se mede pelos seus resultados económicos e sociais, mas sim pelo respeito pela vontade das pessoas comuns e pelo primado da lei, independentemente dos resultados económicos e sociais que se consigam apresentar (penso que não lembraria a ninguém justificar, ou sequer usar o famoso "mas" de cada vez que se referisse um aspeco negativo do regime nazi, com base nos resultados económicos e sociais da Alemanha de então)

É esta ausência de rigor, ou se quisermos, é a substituição da análise dos factos pelo preconceito, questão especialmente grave na imprensa e outros veículos de discussão pública massificada, o que permite que o combate político seja feito com argumentos tão estupidamente absurdos como a existência de estratégias de empobrecimento.

É assim que se abre o caminho ao populismo que sempre caracterizou a extrema-esquerda mas que agora, porque em crescimento do lado direito, parece preocupar muita gente.

Pela parte que me toca, lembro-me sempre da "assinatura" dos mails e afins de um dos meus orientadores de tese, e o primeiro português a receber o prémio Jaime I: ""L'objectif reste le même; détruire le préjugé. Mais pour l'atteindre il faux s'ouvrir a la raison des autres". Claude Lévi-Strauss


32 comentários

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De jo a 29.11.2016 às 12:18

Bem, talvez não se lembre, mas o anterior primeiro ministro chegou a afirmar publicamente que os salários em Portugal estavam altos.
E a procura da competitividade pela contenção dos salários é uma maneira bonita de dizer que empobrecendo os trabalhadores teremos uma economia mais saudável.
Quando se fez a reversão dos cortes de salários da função pública ou o aumento do salário mínimo, levantaram-se vozes contra porque uma economia saudável em Portugal não pode ter salários altos.


Claro que se pode dizer sempre que os que dependem de salários não fazem parte da população que conta, mas ainda assim são a maioria.
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De henrique pereira dos santos a 29.11.2016 às 12:45


Que o custo do trabalho em Portugal é demasiado alto é uma evidência: há 10% de desemprego.
Podemos discutir como diminuímos esses custos (por diminuição de ordenados, por diminuição dos impostos sobre o trabalho, por diminuição dos descontos para a segurança social, pela criação de impostos negativos, como previsto no programa eleitoral do PS, etc.) mas não podemos negar que o custo do trabalho é alto quando existe desemprego.
Nada disto tem alguma relação com estratégias de empobrecimento que evidentemente ninguém tem, mas sim com a necessidade de ajustamento à realidade (no caso, não havia quem emprestasse dinheiro para financiar a economia portuguesa) o que pode resultar em empobrecimento (embora o empobrecimento tenha sido antes, quando se gastou sem ter e para resolver se criou dúvida que alguém teria de pagar no futuro).
Por último: tem algum link que demonstre que o anterior primeiro ministro disse isso? Não estou a dizer que não o tenha dito, mas gosto de verificar os factos.
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De Tiro ao Alvo a 29.11.2016 às 14:35

HPS não ligue ao JO. Ele não merece a menor atenção. Trata-se de um provocador que nem escrever sabe. Responder-lhe é dar-lhe uma importância que ele não tem. Estou convencido que é pago para andar pela NET a chatear quem não é da sua cor. Chatear por chatear, que vá chatear  a mãezinha dele!
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De jo a 29.11.2016 às 16:03

A associação automática entre desemprego e salários altos é forçada. Ninguém lhe garante que se os salários fossem nulos não existiria desemprego, até porque não existiria quem comprasse artigos de grande consumo.
Os salários desceram bastante desde 2008 não me parece que o emprego tenha subido.
O custo do trabalho não depende só dos impostos e dos salários, também depende da produtividade e esta depende da organização das empresas. Tendo os portugueses impostos comparáveis aos da restante zona euro e os salários mais baixos, se calhar estamos a ladrar à árvore errada. Mas o capital, por definição, é sempre virtuoso e não se deve condicionar.
Não encontrei nenhum link, tenho só a minha memória.
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De henrique pereira dos santos a 29.11.2016 às 16:37


Caro JO,
O desemprego é o resultado do desfasamento entre a oferta de trabalho e a procura de trabalho.
Pode ser resolvido de várias maneiras, em especial pelo aumento de procura de trabalho (por aumento da actividade económica ou artificialmente por intervenção do Estado), pela emigração ou pela diminuição do valor do trabalho até um ponto de equilíbrio entre oferta e procura.
É claro que se o salário for igual a zero e mesmo assim houver desemprego, apenas o aumento da procura ou a emigração podem resolver o assunto.
Em Portugal o ajustamento resultante do fim do crédito fácil e consequente retirada de qualquer coisa como 15 mil milhões anuais da economia provocou uma contracção da procura de trabalho (que estava empolada artificialmente pelo crédito fácil, nomeadamente pelo endividamento de um Estado que se entreteve a fazer obras inúteis e a distribuir dinheiro sem garantir o retorno).
Disso resultaram três consequências: a) diminuição de ordenados onde foi possível e necessário; b) diminuição da imigração e aumento da emigração; c) aumento do desemprego.
Tirando a emigração, que é a forma de resolver o assunto sem empobrecimento, os dois outros processos resultam em empobrecimento de muita gente.
Mas isso não corresponde a nenhuma estratégia de empobrecimento, o empobrecimento é um resultado inevitável de um ajustamento igualmente inevitável (se quiser estudar este processo mais em pormenor, mas noutro contexto, pode ir estudar a economia cubana do fim da guerra fria, quando deixou de ser financiada externamente pelos seus aliados).
De resto, ao contrário do que diz, o emprego tem aumentado desde o fim de 2012 (depois de um pico anterior) e bem me parecia que não conseguia demonstrar que o anterior primeiro ministro tinha dito o que lhe atribuiu.
Quanto a esta última parte, os meus agradecimentos pela demonstração prática do que se diz no post: há muita gente que escolhe os mitos em que acredita e jamais deixará que os factos influenciem as suas ideias.
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De Renato a 30.11.2016 às 10:12

Confuso. Continuo a não entender a ligação entre os custos do trabalho e o desemprego. Não tem com certeza a ver com os custos salariais, como é óbvio. Portugal tem os salários mais baixos da união europeia. Conheço muita gente que ganha a tempo inteiro metade do salário mínimo. 

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De henrique pereira dos santos a 01.12.2016 às 09:18

Compreendo que seja confuso, mas sem estudo é sempre difícil. Sugiro que leia com mais atenção, que estude o mínimo sobre o assunto e verá que a confusão deixa de ser tão grande.
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De Renato a 01.12.2016 às 11:34

😊 Acho engraçado o seu paternalismo, Henrique. Eu estava a dizer que o Henrique é  confuso, não que a questão é confusa. Volto a dizer-lhe que os custos do trabalho são os mais baixos da Europa. Tenho gente da família a ganhar cerca de 200 euros por mês, não exatamente adolescentes a ganhar uns trocos para a discoteca.
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De henrique pereira dos santos a 01.12.2016 às 13:10

Mas porque é que não os contrata a pagar 400? O que é que o impede?
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De Renato a 01.12.2016 às 16:31

Eu? Porque não tenho dinheiro para isso. A que propósito vem isso?
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De Fernando S a 01.12.2016 às 16:56

"Portugal tem os salários mais baixos da união europeia."

Nem sequer é verdade : a UE tem 28 paises e a maior parte dos do Leste têm salários médios inferiores.
Mas nem sequer é isto o mais importante.
O mais importante é que Portugal tem efectivamente salários mais baixos do que os dos paises mais desenvolvidos precisamente porque é ... menos desenvolvido !... E não o contrario !...
Ou seja, Portugal tem os salários que a sua produtividade, que é mais baixa do que a dos outros paises desenvolvidos, permite pagar.
Um dos problemas das ultimas décadas (mas não é de modo nenhum o único) é que em muitos sectores de actividade, a começar pelo Estado e a acabar em muitas empresas, principalmente produtoras de bens e serviços não transaccionáveis, os salários foram crescendo a um ritmo maior do que o crescimento da produtividade tornando-se assim insustentáveis.
A crise econonómica e o colapso financeiro também resultaram deste tipo de desequilibrios !   
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De Renato a 02.12.2016 às 09:45

Tretas. Qual é a sua experiência profissional e conhecimento do mercado de trabalho? Comentário em blogues? Há empresas em Portugal com grande produtividade e imensos lucros que pagam a muitos dos seus "colaboradores", em regime de trabalho temporário ou recibo verde, abaixo do salário mínimo. Isto, tanto na grande distribuição, como nos serviços, como na indústria. Num particular sector, uma familiar minha ainda agora foi contratada por uma empresa de assistência domiciliária a idosos e doentes a ganhar dois euros por hora. Sabe quanto a empresa cobra aos clientes? 
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De Fernando S a 02.12.2016 às 23:54

"Tretas" a sua avó !!!
Pelos vistos sua "experiência profissional", seja ela qual for, não evita que diga enormes disparates (por exemplo sobre a real situação financeira de muitas empresas empregadoras) !!
Quanto a "comentários em blogs" ... é confusão minha ou você está precisamente a comentar neste blog ??!!...

O que eu disse é que Portugal não tem em média os salários mais baixos da Europa, que são mais baixos do que noutros paises mais desenvolvidos porque a produtividade é em média mais baixa, que ao longo de vários anos  que precederam a crise de 2011 os salários (e ainda mais os vencimentos dos funcionários) cresceram em média mais rápidamente do que o crescimento da produtividade e que esta é uma das causas do fraco crescimento e dos desequilibrios que levaram à bancarrota financeira e ao colapso da nossa economia.
Nunca neguei que possam existir empregadores e até empresas altamente eficientes e rentáveis que paguem mal ou até mesmo abaixo do salário minimo.
Mas tal não obsta a que a esmagadora maioria pague pelo menos o que a lei exige (o "regime de trabalho temporário ou recibo verde" é legal, não ?!...) e até que muitas paguem bem e até acima do que seria prudente tendo em conta as condições do mercado.
Não é por acaso que Portugal é um dos paises europeus com um maior número de empresas com fraca ou falta de rentabilidade e com um grau de endividamento elevado.  

E sabe porque é que há empregadores que, para além de se sujeitarem ao que a lei impõe, não pagam mais e melhor do que pagam ??...
Você mesmo deu a explicação óbvia respondendo a uma pergunta oportuna feita por outro comentador : "porque não têm dinheiro" para pagar mais e melhor !!!
A alternativa não é pagar ainda mais e melhor agravando ainda mais a situação financeira e a comprometendo assim a continuação da actividade.
A alternativa é o desemprego e uma baixa radical do rendimento !!
Para poderem empregar mais e pagar melhor as nossas empresas precisam de ser primeiro mais produtivas e eficientes !
Não é o contrario !!
Por haver muitos que, como você, não percebem esta evidência, de bom senso e de boa economia, é que o nosso pais tem em média salários mais baixos do que noutros paises desenvolvidos e um desemprego demasiado elevado !
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De Renato a 03.12.2016 às 12:04


Fala, fala, fala e não diz nada. Eu estava a falar-lhe de empresas que pagam mal e têm grandes lucros e produtividade, não das que não têm dinheiro, homem.
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De Fernando S a 04.12.2016 às 00:03

Você fala de excepções, eu falo da generalidade !!
De um modo geral, as empresas mais produtivas e por isso mais rentáveis são aquelas que podem e pagam melhor.
De um modo geral, as empresas que pagam menos são aquelas que não podem fazer mais precisamente porque são menos produtivas e rentáveis.

[Os seus pais não lhe ensinaram o respeito e a boa educação ?!...]
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De Renato a 05.12.2016 às 09:46

Fernando, eu peço desculpa se o ofendi em alguma coisa, mas às vezes a paciência não é muita. Eu estava a tentar explicar-lhe que os custos do trabalho são baixos em Portugal e porquê. As empresas não têm grande problema com os custos do trabalho. Olhe, você pode montar uma empresa e contratar serviços a recibos verdes, que os colaboradores até pagam do seu bolso a segurança social e tudo. Deixe os slogans. Quanto às grandes empresas com grandes lucros e custos baixos de trabalho, só me falta dizer-lhe os nomes. Você parece que não percebe nada. Quanto às pequenas, têm acesso ao mesmo regime de contratação que têm as grandes. 

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De Fernando S a 05.12.2016 às 12:30

Renato,
Tudo bem !... Acontece que em todos os seus comentários de resposta aos meus, incluindo este ultimo, você utilizou uma parte não desprezivel do espaço para dizer que eu "falava mas não dizia nada", "não percebia nada", não tenho "experiência profissional e conhecimento do mercado", digo "tretas" e uso "slogans", etc, etc. A isto chamam-se "ataques ad hominem" : em vez de se argumentar apenas sobre as ideias denigrem-se as qualidades pessoais do interlocutor procurando assim descredibilizar ideias por virem de quem vêm ! Para me "ofender" é preciso mais do que isto !... Mas duvido que você goste que alguém que você não conhece de lado nenhum faça o mesmo consigo. Ninguém gosta. E não é por você dizer coisas desagradáveis sobre o seu interlocutor que passa a "sabichão" e tem forçosamente razão. O que se passa é que temos divergências de fundo sobre esta matéria. Nem o Renato é o único a pensar e a dizer o que diz nem eu sou o único a pensar e a dizer o que digo. De um lado e do outro há muita gente que pensa e diz o mesmo e nem toda é inexperiente, ignorante, interesseira ou está de má fé. Suponho que práticamente ninguém vem aqui comentar com a ilusão de que vai convencer quem não pensa o mesmo (ainda menos com ataques pessoais), vem sobretudo com a intenção de confrontar ideias e argumentos. Sendo assim, o minimo que se pode esperar neste tipo de discussões é que, por maiores que sejam as diferenças de opinião, exista um minimo de respeito pela pessoa do interlocutor e de correcção no trato.

Claro que há sempre empresas, incluindo grandes, modernas e rentáveis, que não pagam tão bem quanto poderiam ou que pagam até mal. Mas isto é a excepção e não a regra. Até porque não é sequer do interêsse da própria empresa. Estou convencido de que a maior parte das pessoas tem a noção de que quanto maior, mais moderna e mais rentável é uma empresa maior é a probabilidade de pagar melhor do que a média, e vice-versa.
Mas mesmo as empresas mais bem sucedidas e mais rentáveis, precisamente para serem e continuarem dinâmicas e competitivas, têm de controrar os seus custos laborais e não se podem dar ao luxo de pagar o seu pessoal acima do que são as contribuições produtivas de uns e de outros.
No caso particular de Portugal, a esmagadora maioria das empresas, as que empregam a maior parte dos trabalhadores e pagam portanto a maior parte dos salários, são micro, pequenas e médias. E muitas destas empresas estão em sectores de actividade de mão-de-obra intensiva e fortemente concorrenciais onde as remunerações de assalariados, colaboradores e de fornecedores, representam uma parcela determinante dos custos totais. São estas empresas que, em boa medida, explicam o facto de Portugal ter um nivel de salários que é em média inferior ao dos paises mais desenvolvidos. A generalidade destas empresas não paga melhor pura e simplesmente porque se o fizessem teriam de reduzir, despedir ou até falir. 
A ideia, que o Renato aqui defende, de que a maioria das grandes empresas portuguesas têm lucros fabulosos, é um mito. Claro que houve alturas, nomeadamente durante a fase mais favorável dos anos 90 e inicios dos anos 2000, em que esses lucros foram mais generalizados e importantes. Mas é preciso ter em conta que esses lucros, para além de serem distribuidos como dividendos aos accionistas, seviram também para as empresas investirem no desenvolvimento da respectiva actividade. Acresce que a situação foi depois piorando, nomeadamente sob o efeito do endividamento, da concorrência externa e das crises internacionais e nacionais, a última das quais a partir de 2011. Não é por acaso que o grau de endividamento, o peso dos custos financeiros e os indices de rentabilidade das empresas portuguesas, embora tenham melhorado ligeiramente desde 2014, são ainda hoje dos piores no conjunto da Europa.
Os niveis salariais não são certamente a única ou sequer a principal razão. Mas, nestas condições, estar a dar prioridade ao aumento de salários, em vez de procurar antes melhorar a eficiência da economia e das empresas, é simplesmente suicidário ! 
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De Renato a 06.12.2016 às 11:40

Fernando, como não sou relativista, para mim não há aqui duas visões deste assunto. Eu tenho muita pena, mas tenho trinta anos de atividade profissional independente, muita rodagem, e se não utilizo a minha experiência não ando aqui a fazer nada, mais vale ficar calado ou debitar generalidades. Tanto se me dá que me considere arrogante, como não. É a vida e cada um aproveita o que tem. O que tem o Fernando para dar? Pagar mal é a excepção nas grandes empresas? Não, não é. Muitos trabalhadores de grandes empresas dão o litro, dão lucro, são produtivos e recebem mal. E os estágios remunerados? E os contratos a prazo de um mês? E o trabalho temporário? Tem ideia da quantidade de trabalhadores que está nestes regimes? Não, não tem. Então, não foram boas invenções e não há que aproveitar? Do mesmo modo, estou farto do choradinho dos pequenos/médios empresários com os salários que pagam. E olhe que lhe fala um pequeno empresário, um dos que teriam vergonha de pagar a m. que muitos pagam. Se um dia o tivesse de fazer, teria pelo menos o pudor de não me vir queixar. Olhe, sabe uma coisa? Prefiro que me digam que mais vale ganhar duzentos euros por mês do que não ter nada, como já ouvi a muitos. Pelo menos, são sinceros.

Fique bem, Fernando. 

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De Fernando S a 07.12.2016 às 00:35

Renato,
 
Você diz que tem uma experiência de trinta anos de actividade profissional. Por acaso eu até tenho quarenta, a maior parte dos quais a trabalhar, a gerir e a administrar empresas privadas de diferentes tamanhos, em diferentes sectores de actividade e em diversas áreas geográficas. Só menciono, a contragosto, este aspecto pessoal, que não deveria ser relevante para este tipo de discussão, porque você tanto insiste nesta tecla que me obriga a fazê-lo. Mas não retiro disto nenhum argumento de autoridade face a quem quer que seja, o Renato incluido, naturalmente. Tal como o Renato, também não sou "relativista" e claro que também estou convencido de que a minha visão é a mais acertada. Mas faço questão em respeitar e em não menosprezar quem tem uma experiência e uma visão diferentes das minhas. Na vida cada um dá o que tem de melhor e a mais não é obrigado !
 
Eu já disse e repeti que evidentemente que não contesto que existam trabalhadores pagos abaixo daquilo que corresponde à respectiva contribuição produtiva. Em grandes, médias e pequenas empresas. Em Portugal como em todos os paises do mundo, incluindo os mais desenvolvidos. Não perdendo nunca de vista que os paises que pagam pior aos trabalhadores são mesmo os comunistas ou mais socialistas.
Mas não concordo de modo nenhum com a sua ideia de que em geral as empresas privadas pagam mal à maior parte dos seus trabalhadores.
Os regimes que refere são modalidades perfeitamente legais e são largamente justificadas na medida em que permitem alguma flexibilidade num mercado de trabalho, o português, que é dos mais rigidos nos paises europeus e desenvolvidos. É mesmo insuficiente mas é melhor do que nada.
De qualquer modo, independentemente da maior ou menor legalidade de diversas modalidades de emprego e remuneração do trabalho existentes e praticadas, é um facto que o nivel médio de salários em Portugal, embora seja mais elevado do que os niveis de pelo menos 3/4 dos paises do planeta, é inferior ao da maior parte dos paises considerados desenvolvidos (nos quais o nosso pais está incluido).
A razão principal para este nivel médio mais baixo não é nem a ilegalidade nem a "exploração" dos trabalhores pelos seus empregadores, empresas, familias e Estado, mas antes a mais baixa produtividade e eficiência relativamente ao que se verifica noutras economias mais desenvolvidas.
 
O Renato diz que é um pequeno empresário e que, se percebi bem, paga melhor do que outros, incluindo grandes empresas. Optimo, acho muito bem e admito até que seja inteligente do ponto de vista do seu interêsse próprio bem compreendido. Se paga melhor é porque pode fazê-lo sem comprometer a rentabilidade e a viabilidade da sua empresa. E pode fazê-lo tendo em conta as possibilidades do seu mercado e a eficiência concorrencial da sua empresa. Oxalá seja assim por muito tempo. Porque, como até o Renato parece admitir, as condições que tem hoje até podem mudar para pior e, nesse caso, com ou sem "vergonha", queixando-se" ou não, fazendo "choradinho" ou não, teria mesmo "de pagar a m. que muitos pagam", quem sabe se ainda menos, ou, bem pior, despedir ou fechar a empresa (ou seja, nem sequer a m. de duzentos euros por mês !...).
 
Saudações cordiais !
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De Renato a 07.12.2016 às 12:02

Fernando, você, com a sua idade proveta, ainda é do tempo dos ajudantes e aprendizes, por favor em casa do patrão, para ganharem experiência? ;)

Eu já tive empregados, já não tenho, que a minha atividade oscila um bocado e não é por causa da “eficiência” ou “produtividade”, mas por outras razões.

Podemos pelo menos assentar que as empresas pagam mal? Acha razoável vir-me com o exemplo dos ¾ do mundo onde se paga pior? Ora, obrigadinho. A gente sabe que em muitos países se paga uma malga de arroz. Não lhe dei o exemplo de uma empresa com muito lucro que paga dois euros à hora a recibo verde? Se isto não é exploração, o que é exploração, diga-me por favor, Fernando. Ignorou por pensar que seria uma excepção?

Eu nunca disse que era ilegal. Eu apenas não percebo como é que tendo as empresas tanta maneiras legais de esfolar um gato, se queixam que o regime laboral é muito rígido, tanta dificuldade em despedir, coitados. Sinceramente, não entendo. Note que os empregados não são menos produtivos por isso. Um tipo com a corda ao pescoço, até trabalha vinte horas por dia, se lhes mandarem.

Com a sua longa experiência, devia saber que muitos patrões preferem acumular lucro a reinvestir, inovando, criando novos produtos e crescendo. É uma questão cultural nossa, que tem a ver com o respeito  e  a valorização do trabalho. Claro que muitas vezes a coisa dá para o torto e depois temos as penhoras que lhes vão buscar a vivenda e o mercedes a casa. Esteja atento aos leilões. É que um dia na china podem ser ainda mais espertos e colocar crianças a trabalhar dez horas por dia…

Como não tenho nenhum espírito corporativo, não tenho dificuldade nenhuma de criticar os meus “colegas” empresários, até porque muitos já me prejudicaram e há muita falta de ética e lealdade no meio empresarial, cá por coisas. Da mesma maneira, como não estamos sozinhos na vida, somos pais, maridos e avôs de pessoas que estão por conta de outrem e estão sempre a surgir ocasiões em que temos de os defender. Só não aceito é argumentos do género “se tem pena deles, empregue-os”.

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De Carlos a 07.12.2016 às 13:58

Renato o que é que quer dizer com esta sua tirada: "Eu já tive empregados, já não tenho, que a minha atividade oscila um bocado e não é por causa da “eficiência” ou “produtividade”, mas por outras razões"? Que outras razões existem que não sejam pouco recomendáveis?

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De Renato a 07.12.2016 às 14:49

Tem a ver com a procura, ou mercado, como achar melhor dito. Nada de misterioso ou extraordinário, não fique preocupado. 

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De Carlos a 07.12.2016 às 20:18

Se bem entendo o Renato hoje não tem empregados porque o mercado não está disponível para lhe fazer compras que compensem os gastos com os colaboradores que essas vendas exigiam, pelo preço que o Renato considera justo.
Sendo assim, os colaboradores que já teve foram atirados pela borda fora, quem sabe se não com enorme redução dos seus rendimentos. O mesmo é dizer que o Renato não é muito diferente dos outros empresários.
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De Renato a 08.12.2016 às 15:25

Um criou a sua própria empresa, com o meu apoio, e o outro é meu filho e está em França a fazer uma especialização em topografia. Não está no meu feitio atirar pessoas "borda fora". O meu amigo, se quer saber mais, diga.
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De Tiro ao Alvo a 05.12.2016 às 13:40

"Eu estava a tentar explicar-lhe que os custos do trabalho são baixos em Portugal e porquê".
"Presunção e água benta, cada um toma a que quer".

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