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Este é o terceiro texto que escrevi nas condições que descrevo no fim do post.
Os outros dois foram publicados um pelo DN (acompanhado por uma fotografia que contém a cabeça da fotografia que mandei em cima de um fato, camisa e gravata que nunca vi na vida) e outro pelo Público e, segundo sei (não fui eu que tratei do assunto, eu limitei-me a escrever os textos e cedê-los para que a organização da conferência a que dizem respeito fizesse o que entendesse), este seria para ser publicado pelo Observador, o que acho que não aconteceu, pelo que resolvi usá-lo aqui.
Dos três textos este é o que mais directamente é tributário de uma apresentação, muitíssimo boa, de Teresa Andresen, embora o que esteja escrito seja inteiramente da minha responsabilidade e esteja longe de seguir a apresentação feita.
Nunca teria escrito o que escrevi sem a quantidade de informação sobre as raízes alemãs da escola de arquitectura paisagista portuguesa, uma realidade conhecida há muito, mas de maneira nenhuma com a profundidade e extensão que resulta das investigações citadas no texto.
"Francisco Caldeira Cabral (há pelos menos três arquitectos paisagistas com este nome, mas falo do primeiro, o que do nada criou a profissão de arquitecto paisagista em Portugal), foi um homem excepcional, a quem Portugal deve grande parte de uma certa originalidade na abordagem da gestão da paisagem em relação aos outros países mediterrânicos (nem Espanha, nem França, nem Itália, apenas para citar os mais evidentes, têm uma abordagem da gestão da paisagem semelhante à portuguesa, que deu origem a originalidades como a Reserva Ecológica Nacional, entre outras).
E quando escrevo “certa originalidade” é sobretudo porque é original no nosso contexto, mas é essencialmente uma adaptação da poderosíssima escola alemã de arquitectura paisagista que está na origem de quase tudo o que fez, ensinou e escreveu Caldeira Cabral.
Quem se quiser documentar mais solidamente sobre o assunto tem a tese de mestrado de Mariana Abranches Pinto “O legado escrito de Francisco Caldeira Cabral” e as teses de doutoramento de Teresa Camara e Ana Catarina Antunes, respectivamente “Contributos da arquitectura paisagista para o espaço público de Lisboa (1940-1970” e “A influência alemã na génese da arquitectura paisagista em Portugal”.
Todas estas teses partem de uma investigação anterior de Teresa Andresen de que resultaram uma monografia sobre Francisco Caldeira Cabral e uma exposição, com o respectivo catálogo, sobre a primeira geração de arquitectos paisagistas portugueses.
O facto de Caldeira Cabral ter estudado na Alemanha da ascenção do nazismo (1936/ 1939) e ser um conservador profundamente católico, sem qualquer ligação aos movimentos oposicionistas do Estado Novo, talvez contribua para uma injusta menorização do caracter inovador e precursor das ideias que semeou, regou, cuidou, até que ganhassem vida própria fora da sua influência directa.
Talvez haja pouco investigadores disponíveis para escrever, preto no branco, que grande parte das ideias de ordenamento do território dominantes em Portugal têm raízes na Prússia, continuidade na república de Weimar e, depois de modernizadas pelas políticas nazis de gestão do território e do património natural, tenham sido trazidas para Portugal pela mão de Caldeira Cabral.
Quando, em 1961, realço a data, Caldeira Cabral defende que os arquitectos paisagistas “descendem” dos jardineiros e que “devemos ser os jardineiros do jardim mundial, o jardineiro que supervisiona tudo, mas é ainda um jardineiro … devemos ser mais que jardineiros em conhecimento técnico e dar toda a atenção possível à ecologia”, está a sintetizar a sua ideia base da profissão, muito antes destes assuntos serem banais.
Mas está a fazê-lo no seguimento de uma linha de pensamento que se consegue traçar até ao século XVIII nas regiões que hoje são a Alemanha, e de uma prática de gestão de parques, jardins e paisagens, que desenvolve conscientemente esse princípios há dezenas de anos: desde 1823 que a escola real de horticultura, dirigida desde a sua fundação até 1866 por Lenné, segue uma prática, uma investigação e um ensino que culmina nas actuais ideias de respeito pela natureza e valorização das aptidões do território.
Caldeira Cabral não é, evidentemente, um mero produto de uma escola, é um homem profundamente culto, com uma sólida formação em ciências e artes, que descobre, na Alemanha, uma ideia de gestão do território que casa bem com as suas ideias de família, pátria, ordem e beleza.
Frequentemente, e esquecemos isto com demasiada frequência, ideias prudentes de gestão da terra e valorização do território, crescem mais facilmente em ambientes nacionalistas e reaccionários, porque são estes que tendem a dar mais atenção ao chão que também os define.
Mesmo o mais conhecido discípulo de Caldeira Cabral, Ribeiro Telles, embora igualmente conservador e católico, mas com um apreço maior pela ideia de liberdade e, por isso, mais inconformado com a situação política anterior a 1974, não deixa de assentar a sua actuação política em ideias próximas do comunalismo, tendo a terra como valor colectivo central.
Nunca, quer em Caldeira Cabral, quer em Ribeiro Telles, quer em qualquer dos outros discípulos de Caldeira Cabral com forte influência nas ideias base do edifício jurídico de ordenamento do território que temos – como Viana Barreto, Álvaro Dentinho ou Ilídio de Araújo –, essa ideia de respeito pelos ciclos naturais e de uma gestão conservacionista da terra e dos valores naturais é equivalente às modernas ideias de wilderness, ou às ideias mais velhas de protecção integral e de ausência de uso pelo homem.
Há uma continuidade clara entre as preocupações de boa gestão, ordenamento e uso sensato dos recursos naturais bem presentes na escola alemã e os fundamentos das primeiras versões da Reserva Ecológica Nacional e outros instrumentos de ordenamento do território.
Infelizmente, talvez por falta de estudo das fontes dessas ideias, os instrumentos de ordenamento que hoje carregam os mesmos nomes, assentam em ideias antagónicas das originais.
As versões modernas dos diplomas que formatam o edifício jurídico do actual ordenamento do território, em Portugal, não traduzem a ideia de valorização e uso sensato do território.
Talvez fosse tempo de voltar às origens.
Este texto é parte de um conjunto de textos que respondem a um pedido de Cristina Castel-Branco: assistir a uma conferência sobre uma matéria que não corresponde ao que é o núcleo central da minha actividade de aquitecto paisagista e, sobre o que visse e ouvisse, escrever notas que não reflectem o conteúdo da conferência, mas sim o que me chamou a atenção de não especialista em história de arte dos jardins"
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