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A deselegância da auto-citação

por henrique pereira dos santos, em 26.06.24

Vi que o governo autorizou a compra de aviões para os fogos, repetindo decisões de outros governos.

Assim sendo, repito também o que disse há uns anos sobre o assunto (publicado originalmente no Público, em 2014, com o título "Antes cabras que aviões", não sei se com algumas diferenças em relação ao texto que agora transcrevo porque não posso ler o que escrevi para o Público sem eu pagar para ter acesso a um texto que dei ao Público sem pedir dinheiro nenhum em troca):

"Exmo. senhor ministro da Administração Interna,

Li que tenciona gastar 27 milhões de euros em cada um dos aviões para os fogos.

Tenho uma proposta para lhe fazer: entregue-me os 27 milhões que custa um Canadair e deixe-me geri-los, absolutamente pro bono.

Explico-lhe o que farei com eles. Faço um concurso para projectos que tenham as seguintes características:
1) Terem uma área geográfica definida; 2) Usarem, de forma integrada, fogo, cabras e sapadores para gerirem o mato; 3) As mesmas pessoas responsáveis por gerir o mato serão responsáveis pelo combate nessa área geográfica (usando ferramentas com cabos de pau e pinga-lume, como alguém dizia um dia destes, judiciosamente).

Os projectos poderiam ser de proprietários, associações de proprietários, ONG, associações de bombeiros, qualquer pessoa ou instituição, excluindo o Estado e qualquer associação em que o Estado tivesse mais de 15% do capital.

Da experiência que tenho por gerir um projecto que tem algumas semelhanças com o descrito (financiado, veja lá, com o Fundo EDP de Biodiversidade, porque o Fundo Florestal Permanente é gerido como sabe), eu diria que tipicamente um financiamento de 500 mil euros seria suficiente para financiar cinco anos a gestão de qualquer coisa como 2500 a cerca de 5000 hectares, incluindo um rebanho de 200 cabras e apoio técnico, em especial para o uso do fogo, quer na prevenção, quer no combate.

O seu Canadair financiaria cerca de 50 projectos, ou seja, a gestão e combate em 100 a 200 mil hectares. Não ficaria o problema dos fogos resolvido, isso é certo, mas também não fica com o Canadair.

E repare na diferença. O Canadair é importado, as cabras são de fabrico nacional. O Canadair usa combustíveis fósseis, as cabras são recursos renováveis. O Canadair cria custos de manutenção, as cabras criam cabritos. O Canadair não altera os dados do problema, as cabras estrumam o solo e aumentam a produtividade. E, last but not the least, no fim do seu tempo de vida útil o Canadair dá ainda despesa para o seu desmantelamento e tratamento dos resíduos e as cabras dão chanfanas.

Não falo sequer na diferença de criação de emprego, não falo da presença de gente no território, não falo da diferença no equilíbrio territorial, não falo da transferência de recursos entre o litoral e o interior.

E não falo da sustentabilidade futura: o Canadair não cria riqueza e vai ser preciso de novo gastar mais 27 milhões qualquer dia, as cabras reproduzem-se e criam oportunidades de negócio incríveis, como pode imaginar, por exemplo, pensando na grande distribuição a fazer promoções de cabrito como forma de apoiar o esforço colectivo de gestão do fogo.

Pense nisto, senhor ministro, porque talvez estejamos de acordo num ponto essencial: inteligente, inteligente é sermos capazes de gerir o fogo e não precisar dos melhores meios possíveis para o tentar combater.

Até porque o fogo teima em se rir dos Canadair e outras sofisticações tecnológicas, continuando só a obedecer a quem o combate com os pés no chão, com as mãos em cabos de madeira e com uma cabeça fria que saiba usar o fogo contra o fogo."


17 comentários

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De Silva a 27.06.2024 às 20:02

Henrique Pereira dos Santos


Sempre houve (há vários séculos) uma tendência de saída do interior para o litoral e provavelmente sempre haverá, afinal, é nas cidades que sempre houve e haverá as melhores oportunidades de crescimento pessoal, tanto ao nível económico, social, cultural, etc.
Durante o século XX, além de saírem para o litoral, no início, as pessoas saíam para o Brasil e colónias, depois nos anos 50 para as colónias, nos anos 60 e 70 para França para fugir à guerra colonial e no pós 25 de Abril, para o litoral e quando a crise aperta para o exterior.
O problema é a tendência acelerada da saída do interior, porque simplesmente a subida do salário mínimo todos os anos torna cada vez mais difícil e menos competitiva a obtenção de rendimentos para uma larga população ficando muito poucos por lá.
As cidades principais do interior têm poucos habitantes face ao seu potencial, as vilas são pequenas e muitas aldeias são minúsculas (dá para perceber isso quando os imigrantes reaparecem em Agosto) ou muito simplesmente desapareceram.
Voltando aos incêndios, não há gente suficiente para criar competitivamente ovinos e caprinos (deveriam ser às centenas de milhar de cabeças senão mesmo ultrapassar mais de um milhão de cabeças) para limpar as florestas, haver carne, leite, queijo a preços muito mais baratos que os actuais e mesmo assim rentáveis para os produtores.
Ainda haveria um melhor aproveitamento agro-florestal, produção de estrume e composto, reflorestamento, criação de pequenos negócios familiares que gerariam lucros suficientes para novos negócios mais sofisticados.
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De henrique pereira dos santos a 28.06.2024 às 07:12

A tendência de saída acelerada é dos anos 60, quando não havia salário mínimo, o que invalida toda a sua argumentação
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De Silva a 28.06.2024 às 11:19

Saíram para evitar serem mobilizados para a guerra colonial, não saíram por motivos económicos.
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De henrique pereira dos santos a 28.06.2024 às 11:41

Penso que depois de uma barbaridade deste tamanho, não faz sentido qualquer conversa

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