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A crise na Igreja - ainda vai piorar antes de melhorar

Uma meditação sobre a Igreja e a Fé Católica em Portugal

por João Távora, em 19.10.22

cruz.jpg

É grande a aflição que sinto a propósito da progressiva e acelerada perda de influência da Igreja Católica no espaço público do Ocidente, particularmente em Portugal que é o meu País. Julgo aliás que a terrível crise que actualmente abala a Igreja portuguesa e envergonha os cristãos, pouco tem que ver com a decadência a que me refiro – a Igreja sempre juntou pecadores, uns heróis outros traidores, e nem Jesus Cristo no seu tempo, com doze apóstolos, escapou a essa fatalidade.  Quando a nossa alma sangra de dor perante a insistente exposição pública, ao vivo e a cores, dos mais obscuros pecados de uns quantos elementos da Igreja, não podemos ceder a tomar a nuvem por Juno, menosprezando o papel dos seus santos e heróis anónimos, no consolo e socorro de gerações, na evangelização de milhões de almas desamparadas na expectativa dum sentido superior para a sua história. Se os outros não querem saber dessa história luminosa, nós os católicos temos por dever de procurar consolo nela. Só com profunda desonestidade intelectual ou má-fé poderemos ignorar os verdadeiros imitadores de Cristo nossos antepassados que ao longo de dois mil anos nos transmitiram a importância redentora desta pertença. Por ironia do destino, o Ocidente “liberal e próspero”, que eu não trocava por nenhuma outra cultura e que ameaça degenerar para uma fórmula autodestrutiva de extremo-individualismo, é obra da revolucionária mensagem de Cristo: o livre arbítrio, a sacralidade da pessoa humana única e irrepetível, e a caridade (ou Amor e o Perdão que são sinónimos).

Ainda nos iremos arrepender de, em pouco mais de 200 anos, termos metódica e progressivamente desbaratado uma Igreja que se confunde com as nossas raízes históricas, e que hoje constitui em Portugal um dos últimos redutos que, com a sua rede capilar territorial, ainda faz frente ao estatismo, o Estado todo-poderoso que engoliu praticamente tudo e toda a gente na sua dependência e controlo. Com todos os seus erros defeitos, a Igreja é a última resistência ao Leviatã. Amantes da liberdade, cuidado com aquilo que desejais.

Como é que este Ocidente “bem-sucedido” prescinde do legado da Fé cristã? Hoje a mensagem não passa à refeição em família, muito menos no TikTok ou no Instagram. A questão fundamental que me aflige, é a de se é possível recolocar a Fé cristã no centro da existência de pessoas “satisfeitas”. Porque sendo testemunhos uns para os outros é mais fácil a conversão em comunidades. É mais fácil resistir. Não preciso olhar mais longe do que para a minha família, nuclear ou alargada, para perceber como hoje em dia a conversão é tarefa duma exigência quase sobre-humana, porque os milagres não acontecem todos os dias.

Como referia Rui Ramos recentemente num dos programas “E o resto é história” da Rádio Observador que semanalmente realiza com João Miguel Tavares a propósito daquilo que seria o “Serviço Nacional de Saúde” antes do prodigioso século XX, antigamente as pessoas, mais que ter um médico ou um hospital (onde os tratamentos eram pouco menos que rústicas e inúteis mezinhas) preocupavam-se com a salvação da alma: a prioridade era a construção duma Igreja, uma capela ou um oratório para suplicar ou dar graças. Os hospitais existiam para acolher os mais desprotegidos e assisti-los no padecimento da doença e da miséria física (a saúde era uma função importante do Estado – como refere Rui Ramos no citado programa, o Hospital de Todos os Santos em 1750 tinha 750 doentes internados e todos os concelhos do país dispunham de “Médicos de partido” municipais para “ministrar socorro clínico aos indigentes”). Mas sendo a morte e da dor tão implacavelmente presente no dia-a-dia, o mais importante era garantir a salvação da alma, a reconciliação com o divino – o perdão, o consolo. Hoje escondemos a morte, mas no século XVIII isso não era possível. É fácil verificá-lo pelos arquivos das paróquias ou de famílias a frequência com que as senhoras (de qualquer condição) morriam a dar à luz, e a impressionante mortalidade infantil, quando era comum numa família de cinco filhos chegarem apenas um ou dois à idade adulta. A esperança média de vida em Portugal, em 1920 – já no século XX - seria de apenas 35,6 anos. A vida das pessoas era uma roleta russa. Tudo isto, a par com uma existência quotidiana mais austera no que refere a distracções, convidava certamente as pessoas a uma procura espiritual e vida religiosa, que as juntasse através das celebrações e rituais, e no fim as reconfortasse através de um sentido superior da existência. Tempos de trevas que impeliam as pessoas a procurar uma luz.

Hoje os tempos são diferentes, melhores evidentemente: a par do progresso da medicina e da ciência, a vida é relativamente previsível e a dor física quase sempre evitável para toda a gente. Ao mesmo tempo o milagre económico no hemisfério norte democratizou o consumo. Está à mão de semear de todos nós, mesmo para aqueles sem grandes recursos, uma infindável panóplia de opções de entretenimento e de satisfações sensoriais. Os sentimentos, como a tristeza, a angústia, ou ansiedades resolvem-se com comprimidos ou num Centro Comercial.

Deste modo com a água do banho deitou-se pela janela também o bebé. A vida espiritual, como a poesia ou a literatura, em vez de se democratizarem como a gastronomia ou higiene do corpo tornaram-se supérfluas inconveniências. As Igrejas estão cada vez mais vazias porque o drama humano se transformou matéria de erudição, capricho duma minoria inquieta e inconformada com o tamanho duma vida que afinal cabe num algoritmo, que não é nada comparado com um grão de estrela do outro lado da galáxia.

Como aqueles que me conhecem sabem bem, sou católico praticante, porque essa procura constitui um alicerce existencial muito importante para a minha liberdade e inteireza como individuo, coisa que nem sempre me aconteceu na vida. Não sou cristão por patriotismo ou militância, sou dos de Cristo por opção, e a minha Fé uma graça que persigo com persistência. E porque esta pertença me salva tantas vezes a cada dia, gostava que os outros ao meu lado ou depois de mim, a conhecessem, a experimentassem. Voltará a acontecer no futuro certamente através duma Igreja diferente da que hoje ameaça sucumbir à perversidade humana, de dentro e de fora dela. Minoritária, será certamente mais sábia, mais resistente, santa e ciente do legado que guarda desde São Pedro.

Entretanto, preparemo-nos para o pior – a malta ainda irá dançar, beber e fumar dentro das nossas igrejas.

Publiicado também aqui no Observador


10 comentários

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De Anónimo a 19.10.2022 às 19:44

"O papel dos seus santos e heróis anónimos".



Não se preocupe com Tik Toks.
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De zazie a 19.10.2022 às 19:53

Tudo certo, excepto o de as igrejas estarem cada vez mais vazias


Não é essa a percepção que tenho. Antes pelo contrário. Noto, em Lisboa, muito mais gente do que há 20 e tal anos
E nas Ilhas nunca deixaram de estar a abarrotar. E aí é mesmo de autóctones. 
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De pitosga a 19.10.2022 às 21:18


Tranquilize-se !!!
Assim nem eu compreendo o que quer transmitir.
A Igreja Católica continua a ser o maior grupo, o mais poderoso e mais o rico do planeta. Porque será?
Porque será que a sinistra a detesta? Porque será que foi sempre um alvo a abater pelo progressismo?
Ser conservador é insistir em cometer os mesmos erros, sendo por isso gente previsível. Ser progressista é querer cometer novos erros, sendo por isso gente imprevisível.


Abraço

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De pitosga a 19.10.2022 às 21:34

Lembre-se de «A quem muito foi dado, muito será exigido; a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá»
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De Anónimo a 20.10.2022 às 09:01

Muito comovente o seu testemunho. Também partilho os seus receios e as mesmas desilusões ao ver este mundo hedonista e cada vez mais materialista. Hoje, praticamente a ninguém interessam as questões do espírito e muito menos as coisas do divino. Assustadora a sua última frase, porque de facto temos de estar preparados para o pior. Diz-se: "Nada se vê que não se tenha já visto". E à velocidade a que isto vai, talvez ainda "vejamos" muitas coisas de pasmar, nos nossos dias. Recordemos o que os jacobinos fizeram no auge do Terror, durante a Revolução, na Catedral de Notre -Dame, quando destruiram e profanaram todos os símbolos religiosos e os substituíram pela "deusa" Razão, colocada em alto pedestal onde lhe rezavam outras "missas" e donde saíam procissões ímpias, heréticas pelas avenidas de Paris, para macaquear a Igreja católica e a ridicularizar gritando blasfémias! Mais tarde a mesma catedral virou armazém onde se guardavam fardos de palha.
  
O "caldinho" está (de novo) preparado, pois os sintomas de decadência moral e de crise espiritual são visíveis, mas poucos se apercebem, porque não têm tempo a perder, ninguém pára para olhar em volta e pensar. Já reparou que quase ninguém reza? (Isso é coisa do passado). Em sua substituição, "faz-se meditação" através do yoga e coisas afim ; encontra-se a paz e o equilíbrio, nos cristais a ajuda espiritual nos "relaxamentos" com óleos e massagens ; a resposta aos problemas e dúvidas existenciais está nos búzios ; procuram-se as forças que faltam, nos aromas e nos incensos ;  supera-se a tristeza e o desânimo "conectando-se" com as "energias" do reiki, e por aí fora... (que a oferta é grande e variada!). Como o João Távora diz, sempre a busca de satisfação sensorial instantânea. Nada tem continuidade, nada é permanente, tudo é efémero e ligeiro: as pessoas dizem "vou a uma sessão de..."
SC
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De entulho a 20.10.2022 às 10:12

não sou crente. a condição humana é um desastre. caso contrário Papa algum se teria preocupado com os 10 Mandamentos.
temos os costas a vender a 'banha da cobra cuspideira' ao dizer 'não estou aqui para enganar ninguém'
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De Anónimo a 20.10.2022 às 10:14

A descristianização do mundo Ocidental está em marcha desde há muito tempo!
Umas vezes as tentativas de «descristianização» tiveram algum sucesso por períodos mais longos, o caso da Rev.Francesa, ou ao tempo do Pombal e noutras nem tanto, como foi na 1ªRepública, com a mesma perseguição à Igreja pelos herdeiros revolucionários. Mas os jacobinos não desarmam e continuam a "importunar" de todas as formas tudo o que lhes cheire a Igreja católica. O ódio à religião Católica é tão notório que todas as acções visam destrui-la ou, no mínimo, tudo fazer para que perca a preponderância e possa enfraquecê-la. Não sejamos inocentes, o estratagema é claro: não será certamente por acaso que em todo o mundo ocidental se incentiva a existência de outras igrejas, sempre bem-vindos, não se põem restrições à construção dos seus  templos religiosos nas grandes capitais ocidentais, e quaisquer credos são acolhidos com toda a tolerância. Não é uma crítica é uma constatação que a mesma "aceitação" não é dispensada aos católicos. Porque será?!  
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De Anónimo a 21.10.2022 às 10:51

Longe dos olhares, poderes desconhecidos e sem rosto há muito que planeiam a destruição do catolicismo e a aniquilação dos valores e dos alicerces culturais e históricos que originaram a chamada cultura ocidental. 
A seita manobra de longe, sob sigilo absoluto e vai orquestrando e fazendo executar amplamente o seu "programa": o culto obsessivo do Hermafroditismo.  
Basta-nos olhar para o Mundo com olhos de «ver» e para as disruptivas agendas globais. Interroguemo-nos: porque acontece tudo sempre em simultâneo, tão concertadamente, tão em perfeita sintonia e em grande escala. (Não, não são teorias da conspiração, nem imaginação delirante: o apelo compulsivo à desconstrução total do género humano e de tudo o que comporta de transformação do mundo). 
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De Octávio dos Santos a 20.10.2022 às 13:40

Várias vezes, infeliz e insolitamente, os maiores danos para a Igreja são cometidos por quem faz parte dela, e, supostamente, deveria agir segundo os seus princípios...


https://www.dailywire.com/news/catholic-college-defends-nun-administrator-who-endorsed-pro-abortion-student-group-while-restricting-pro-life-club (https://www.dailywire.com/news/catholic-college-defends-nun-administrator-who-endorsed-pro-abortion-student-group-while-restricting-pro-life-club)



... Ou então a instituição tem vindo progressivamente a ser infiltrada por degenerados apostados em destruí-la por dentro.
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De Anónimo a 21.10.2022 às 09:23

Não me admiraria nada...

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