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Eu percebo que tenhamos uma Igreja habituada a viver entrincheirada, receosa de propor caminhos, justificada pelos seus inimigos internos e externos. No Ocidente, têm sido décadas de encolhimento perante um poder arrebatador do Grande Leviatan que tudo vem secando à volta, até a fecundidade das suas gentes. Repare-se que nas últimas décadas todas as guerras do catolicismo vêm sendo perdidas: dessacralizou-se o casamento que passou a ser tudo e o seu contrário perante a lei. Assim se enfraqueceu a Família natural construtora do bem-sucedido Ocidente e que era terreno fértil para a evangelização, para a passagem dos valores cristãos. Com o advento do hiperindividualismo, em paralelo com o consequente Inverno Demográfico, legitimou-se o aborto e a morte assistida. A religião foi remetida ao foro privado para não ferir susceptibilidades, o ditame da moralidade, do bem e do mal, também – tudo é relativo, a Verdade, que é o que o cristianismo tem a propor, esconde-se envergonhada.
É este também o retrato da Igreja portuguesa, acossada e amedrontada, que, durante uma semana, neste canto da Europa laica e materialista, se atreverá a ser o foco de todas as atenções. Coube-lhe liderar esta gigantesca operação logística de receber centenas de milhares de Jovens de todo o mundo, a oferecerem-se à conversão. Cabe-lhe, por consequência, difundir uma forte mensagem, não só para todos os milhares de resistentes peregrinos que ainda procuram um sentido de vida maior que o seu umbigo, mas para todos aqueles hesitantes que não se atrevem a passar do Páteo dos Gentios.
Há dias, a propósito de tudo isto e dessa oportunidade de conversão que a Jornada Mundial da Juventude proporciona, num almoço entre amigos, um deles, perguntava qual a mais importante mensagem de Jesus que verdadeiramente interessará aos jovens nestes tempos de acelerada descristianização e niilismo. Como pode a Igreja Católica afirmar-se na ruidosa cidade da abundância do século XXI?
Entre várias propostas lançadas na mesa pelos convivas, da mensagem de Vida Eterna, à revolucionária revelação da Misericórdia (Amai-vos uns aos outros…) eu defendi a da Liberdade. Receio que numa sociedade onde impera o bem-estar e se reclama o prazer como um direito, o anúncio da Vida Eterna não tenha grande sucesso. Já o Novo Mandamento do “Amai-vos como irmãos”, que chegou a ser um traço reconhecido nas primeiras comunidades cristãs (“vede como eles se amam!”), temo que tenha sido banalizado pela confusão gerada à volta do conceito de Amor, hoje tido como algo ligado ao prazer erótico e psicológico, assim difundido pela minha geração nos anos sessenta. Um dia as comunidades recuperarão o seu verdadeiro sentido, o da Compaixão – mas não vai ser no meu tempo.
Ora, quanto a mim, a principal mensagem que o Cristianismo tem para oferecer, que obviamente se interliga com as anteriores, é a da Liberdade, mas com maiúscula. Porque julgo que, num tempo como o actual, com tantas formas de alienação a escravizar as almas crédulas, apoucando-lhes as existências, a Liberdade, no sentido de consciência livre e responsável, é a grande outorga de Jesus Cristo que convém salientar. Se, como afirma Bob Dylan estamos condenados a ser servos (Gotta Serve Somebody - Slow Train Coming, 1979), que sirvamos o Senhor Jesus que nos desimpede os caminhos e principalmente a alma.
Para alcançar essa alforria não é necessário seguir-se à risca o exemplo de São Francisco de Borja, Duque de Gandia, que, perante a profunda dor e desapontamento com a morte da bonita e instruída Rainha Isabel de Portugal (filha de D. Manuel I e mulher de Carlos V de Espanha), que tanto admirava, afirmou: “não mais servirei senhor que pereça”. A partir de então devotou a sua vida por inteiro aos assuntos do seu Deus.
Com Jesus Cristo aprendemos onde colocamos o coração a criar valor, a reconhecer as paixões que nos podem escravizar e diminuir, ou a única que que faz de nós verdadeiros e autónomos filhos de Deus. Que a cada um conhece como único, “Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Portanto, não temais: valeis muito mais do que todos os passarinhos” (Lucas 12:7). Ou ainda, “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. (Mateus 11:29-30).”
É esta descoberta de Liberdade como caminho que me convenço ser a mais importante mensagem a outorgar aos jovens do nosso tempo. A Liberdade de quem, participando no Mundo, não o carrega às costas, nem às suas normas e atracções se deixa subjugar. De beleza, de carreira, de haveres, de amores, de ansiedades, de orgulhos, dos medos, da expectativa dos outros, enfim, de dependências grandes e mesquinhas. É esta Liberdade que está ao alcance de todos e que urge transmitir aos nossos jovens. Irão certamente gostar de saber que o seu Senhor (no sentido medieval do termo) não é deste Mundo, e que isso lhes permite olhar as coisas do Mundo com outros olhos – fazer escolhas de felicidade. Serem protagonistas das suas próprias vidas.
É esse o feito da conversão, construída em comunidade de crentes. Com muita oração – a barulheira mundana dificulta a prática da Oração que com o seu poder a todos eleva, dignifica, aproximando-nos de Deus. É assim que adquirimos um sentido proporcional da importância das coisas do Mundo. Que nos conduz à Liberdade de nele agir. Não de caminhar sobre as águas, nem de voar pelos céus, mas percorrer esta vida de pés bem assentes no chão, com a cabeça erguida e o coração… consolado.
Que a JMJ inspire muitas conversões apaixonadas pela pertença à Igreja de Cristo, são os meus votos.
Publicado originalmente no Observador
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