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A coligação de perdedores

por henrique pereira dos santos, em 03.03.24

Comecemos por um exemplo pouco provável (embora formalmente inatacável) e depois continuemos por coisas sérias.

Imaginemos que nas eleições do próximo Domingo o PAN elege uma deputada.

Imaginemos que essa deputada é milionária e decide pagar dois milhões de euros a cada deputado que aprovar um governo seu (seu, dela, naturalmente, não do deputado), convencendo 115 deputados a fazer esse negócio (ela própria é a 116ª deputada que faz a maioria).

A constituição impede essa solução?

Provavelmente não.

Significa isso que o PAN tinha ganho as eleições porque tinha conseguido fazer uma coligação que dava apoio um governo do PAN?

Não, evidentemente não.

Foi exactamente o que aconteceu em 2015, com umas pequenas alterações: o negócio não foi feito deputado a deputado, mas entre partidos, o pagamento não foi feito em dinheiro, mas em vantagem política (legítima, evidentemente).

Um partido, o PS, comprou politicamente o BE e o PC que estabeleceram um preço político que entenderam para apoiar o governo do PS.

Isso é o normal numa democracia e convém não confundir o plano formal, que é avaliado pelo Presidente da República e, se fosse o caso, pelo tribunal constitucional, com o plano político que é avaliado pelas pessoas comuns nas eleições seguintes.

No caso de 2015 Passos Coelho ganhou as eleições, teve mais votos e deputados que os projectos políticos concorrentes, muito provavelmente porque houve muita gente que, apesar da intensa barragem de propaganda da generalidade da imprensa, percebeu que o problema das contas do Estado era um problema sério.

O PS também percebeu que não poderia voltar à política que tinha executado antes de 2011, e que podia ser governo com o apoio de terceiros.

Com base nisto, comprou dois partidos a quem prometeu que iria mudar radicalmente a política de austeridade, ao mesmo tempo que mantinha essa política, alterando a forma de a fazer (aprovando orçamentos de Estado fictícios cheios de despesa e investimento público, que imediatamente cativava, e mudando carga fiscal directa para indirecta).

Note-se que vários partidos porem-se de acordo para apoiar um governo é perfeitamente normal.

Nestas eleições toda a gente sabe que a AD e a IL tentam ter condições para um acordo que permita um governo apoiado pelos dois, o que significa que nem a AD, nem a IL irão aplicar integralmente o seu programa, se tiverem de negociar um acordo entre os dois.

O que foi diferente em 2015 é que não só ninguém sabia que poderia haver um acordo entre os partidos que apoiaram a geringonça, o que limita a legitimidade política (mas não a legitimidade formal) do governo, retirando-lhe capacidade para actuar, como, o que é muito mais relevante, os três partidos têm muito pouca sobreposição programática, pelo que a coligação desses três partidos é muitíssimo limitada no que pode fazer e é inerentemente frágil, como se viu (sim, durou toda a legislatura, mas à custa de ninguém fazer nada de útil).

Ao fim de oito anos de degradação do funcionamento do Estado e de estagnação económica, a coligação dos perdedores o que tem a propor é voltar aos primeiros quatro anos em que formalmente se puseram de acordo para apoiar um governo.

O problema é que já ninguém acredita que a direita vai roubar os pobrezinhos, apesar dos favores mediáticos de que goza a coligação dos perdedores.

Não admira, por isso, que todo o esforço seja canalizado para falar de papões, sejam eles reais ou imaginários, e não do programa político que pretendem, em conjunto, executar.


13 comentários

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De Hugo a 03.03.2024 às 19:26

Na mouche. Um abraço.
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De Carlos Sousa a 03.03.2024 às 23:22

Realmente deve ser frustrante a coligação dos perdedores ir à frente nas sondagens. Eu imagino a cara da coligação dos vencedores quando olhar para a derrota no dia 11 de Março. 
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De anónimo a 04.03.2024 às 01:32


Votar em partidos ou em candidatos faria alguma diferença?.

Comprar um saco com 115 deputados seria um negócio. Comprar 115 Srs. Deputados uninominal eleitos, seria mais complicado.... ou não?. Afinal a Pfeizer patrocinou politicamente quase metada da Casa dos Representantes....
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De Anonimo a 04.03.2024 às 08:22

Parece que muita gente esqueceu o Limiano. Isso sim foi comprar votos. Literalmente.
Percebo a sanha, o Chaimite também acha que quando perde a culpa foi dos árbitros. O Glorioso merece vencer e devia vencer por decreto.
Vamos a ver na próxima segunda quem vai ter de arranjar desculpas...
E não wokes, não "quero" que o PS vença nem desejo maioria de esquerda (seja isso o que for), mas consigo ver para lá das redes xuxiais e do comentário tele-bloguista.
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De Anónimo a 04.03.2024 às 11:12

Vou contar o que se passou há uns anos numa turma duma Escola Secundária, no início dum ano lectivo:
Numa aula de dois blocos (90 minutos), entre várias actividades, ia também decorrer a eleição do delegado de turma (correspondente ao antigo "chefe de turma").Na 1ª parte seria a votação, seguida dum pequeno intervalo e por fim, na 2ª parte, seria a contagem dos votos.
  
Tudo decorreu normalmente até ao momento em que se apurou qual o aluno mais votado pela turma. E então aconteceu o inesperado: um grupo de alunos muito "activo", uma espécie de valentões da turma, que tinha combinado entre si votar num determinado colega _que ficou em 2º lugar_ não se conformou com o resultado e resolveu contestar a legitimidade do colega vitorioso  e queriam a repetição ou a anulação da eleição (na altura constou-se que vinham "ensinados"/ instigados), 
Argumento:  
tinham feito uma rápida "sondagem" no intervalo e souberam que uns poucos de indecisos tinham votado em branco e alguns estariam agora arrependidos.  Diziam eles (1)que esses votos em branco mostravam que não escolheram votar no colega eleito  (2)se esses votos brancos fossem somados aos dos que votaram noutros colegas, e se acrescentassem mais os votos no colega que ficou em 2º lugar, o "outro" em 1º, nunca seria eleito (3) conclusão deles: estes votos todos somados "deslegitimavam"  a vitória do colega eleito, pois mostrava que não tinha a maioria da turma com ele.


Como tudo acabou? Pois essa foi a grande questão. É difícil saber  perder mas tudo se torna ainda mais difícil de explicar depois de se saber dum precedente (de uma coligação negativa) que trouxe... estas consequências. 


E uma dessas consequências foi o "ensino" do que é o relativismo moral, perigoso, porque_ é sabido_ torna "variável"  o julgamento de uma dada situação, distorce a Verdade ou anula-a pois a leitura da realidade nunca será feita de boa-fé, mas conforme as conveniências de um dos lados. É uma "aprendizagem" desnecessária por ser muito arriscada em gente tão jovem que está a formar o carácter e a consolidar o que é um conceito moral ou um valor ético. .
Houve alguns traumas pelo meio e souberam o que é viver numa clara cisão dentro da turma, num clima de desunião até ao fim do ano. 
É o que acontece sempre que se ousa alterar a "ordem" estabelecida: entre outras coisas nada benignas, quem abriu a Caixa de Pandora acabou a semear a Discórdia e. em suma... as cisões. 
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De anónimo a 04.03.2024 às 11:23


Exacto, uma coligação dos perdedores a governar!. Os não desejados no poder!. 
Um sistema eleitoral, o actual que permite, formalmente, tal erro. E, prior, gera as consequências.
Afinal a não-eleita esquerda esteve 8 anos no poder. Democracia?. 
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De Anónimo a 04.03.2024 às 15:02

Se o PS apoiasse o governo de Passos em 2015, então poderíamos dizer que o PSD tinha comprado o PS. Afinal de contas se os eleitores do PS quisessem um governo PSD teriam votado PSD.


O raciocínio é exatamente o mesmo, a não ser que a lógica só funcione para um lado.
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De henrique pereira dos santos a 04.03.2024 às 15:56

Tem alguma indicação de que as pessoas que votaram no PS queriam um acordo com o PC e o BE?
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De Anonimo a 04.03.2024 às 17:01

Tanta indicação como alguém que vota PSD queria um acordo com o CDS. E já aconteceu.
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De Hugo a 04.03.2024 às 22:18

Não vale a pena Henrique. Ainda lhe respondeu com o exemplo do PSD e do CDS, não consegue perceber a questão da legitimidade de encontrar solução aos vencer eleições. O antigo normal vá.
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De Anonimo a 05.03.2024 às 11:51

A legitimidade é de quem consegue formar governo. A diferença não foi a geringonça em si, mas o facto de à partida todos inviabilizarem um governo PAF. No velho normal eles formariam governo minoritário,  e provavelmente cairiam cedo. Se calhar era bem melhor para a Direita em termos eleitorais. 
De resto, nenhuma aliança é sancionada nas urnas. Não me recordo de colocar cruz, com nota "aceito coligação com".
Mas realmente  o novo normal resume-se a quem se pode coligar com quem, com o Chega a desempenhar o papel do leproso.
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De Anónimo a 05.03.2024 às 12:26

Não, não tenho. Então sugere que se deveriam ter repetido as eleições?
Porque ou todas as alianças pós eleitorias são legítimos ou nenhuma é.
A não ser que pretenda regras à lá carte como o PSD Açores:
Se for da conveniência deles aliam-se ao Chega, se não for, os outros partidos têm a obrigação de se aliarem a eles.
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De Anonimo a 04.03.2024 às 23:03

Lógica?

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