por João Távora, em 23.03.24
(...) "Tanto o Chega como o Livre medram na sua ambiguidade ideológica, ou, melhor dizendo, no seu relativo vazio ideológico. O Livre e a sua enigmática “esquerda verde nórdica” é um vazio, e Rui Tavares o seu profeta. O Chega, uma amálgama de crendices popularuchas sobre o país e a origem dos respetivos problemas, é o beneficiário liquido de uma reação genuína e virulenta contra certos delírios mais excêntricos da cultura woke, a que o Livre, nos seus exatos antípodas e à falta de melhor, dedica o grosso do seu torrencial paleio. Que a esquerda útil aliene sectores sociais inteiros à conta do wokismo é coisa que não tira o sono ao Livre: é um partido de nicho, nada incomodado por viver dos votos dos departamentos mais exóticos das ciências sociais, desde que os abocanhe quase a todos, logrando três ou quatro deputados para o antifascismo-verde-nórdico-cicloviário.
O Chega, por sua vez, rapa votos nas imediações. Sempre que o Livre nos recorda as perfeições morais inerentes ao acolhimento irrestrito, em Portugal, de todos os deserdados da Terra, Ventura, como um carro-vassoura, limpa eleitores por atacado, da variedade farta dos ditos deserdados.
Monopolista do tema, o Chega fatura com uma realidade escassamente debatida por quem o poderia fazer com equilíbrio, pedagogia e tino, sem atear no processo as brasas da xenofobia, e sem medo dos santos apóstolos que pretendem resgatar a humanidade, transferindo-a para Vila Nova de Milfontes.
A ideologia comunista, já defunta, libertou multidões maltratadas pela vida do seu enquadramento sociopolítico. O lume do ódio de classe continua aceso, mas já não ilumina a luta de classes. Agora arde nos altares do Chega. O Alentejo pós-comunista pode, finalmente, deixar de dizer que ganha quando perde e de chamar à derrota catastrófica “desenvolvimento negativo”. (...)
Sérgio Sousa Pinto no Expresso