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Um comentário simpático reza assim: "Gostaria de deixar aqui um testemunho que vivi num dos últimos verões quentes ainda antes do desastre do pinhal de Leiria. Paramos com a minha sogra para apanhar umas pinhas numa estrada secundária absolutamente deserta e ao fim de algum tempo verifico o aparecimento de um fogo na caruma a mais ou menos 15 metros de nós, posso assegurar que não havia ninguém e que nenhum de nós fumava ou tivesse algo que pudesse provocar. Até hoje me interrogo como foi possível. Felizmente estava ali e acabei em poucos minutos por evitar um desastre".
O mais provável é que alguém lá tivesse estado antes e tivesse deixado uma pequena brasa para trás, sem dar por isso (uma ponta de cigarro, uma brincadeira de crianças, um motor desafinado, seja o que for).
Isto acontece permanentemente todos os dias do ano, o território está encharcado de ignições, e sempre estará (eu não conheço nenhuma análise à solidez da actividade bancária que se centre na actividade dos ladrões de bancos, toda a gente sabe que existem, com certeza há um enquadramento legal que permite reprimir essa actividade, mas não há um único banqueiro que organize o seu banco no pressuposto de que o essencial é acabar com os ladrões, porque não há assaltos sem ladrões).
Vou então seguir o conselho de Teresa Andresen e falar de tabaco.
Acho que toda a gente sabe que quando se chega uma chama à ponta de um cigarro, não se forma uma labareda instantânea, pelo contrário, a chama tem energia suficiente para fazer uma brasa na ponta do cigarro, mas a disposição do combustível é demasiado densa para que se passe da brasa à chama, falta oxigénio naquela combustão.
Os grandes apreciadores de charutos guardam os seus charutos em caixas climatizadas com o objectivo de manter a humidade perfeita para que a combustão do charuto seja a que se pretende, tal como os fumadores de cachimbo calcam o tabaco e os enroladores de cigarros se esforçam por garantir que o tabaco fica suficientemente aconchegado, o que é o mesmo que dizer que o cigarro tem alguma densidade, para não queimar excessivamente depressa e com demasiada intensidade.
Em nenhum caso se forma uma chama, e um charuto pode demorar tempos infindos a acabar, tal como uma cachimbada, dependendo da humidade do tabaco, e da oxigenação que é proporcionada pelo facto de chupar o ar numa ponta implicar a entrada de mais oxigénio na outra ponta, onde está em curso a combustão.
Um cigarro esquecido num cinzeiro vai destruindo a capacidade da combustão progredir, apagando-se, excepto se o cinzeiro estiver numa zona ventosa que garanta a oxigenação (em qualquer caso, sem produzir chama porque a estrutura do combustível e a sua humidade não o permitem).
Agora destruamos o cigarro e espalhemos o papel e tabaco num caldeirinho que seja possivel arejar e cheguemos-lhe uma chama. A combustão é bastante mais rápida, mas talvez não chegue para incendiar o monte de tabaco e papel que fizemos, porque a humidade do combustível o impede.
Então sequemos primeiro esse material numa estufa ou num forno.
A partir de certo grau de humidade e arejamento, conseguimos incendiar o cigarro que não se incendeia na sua forma original: a quantidade de combustível é a mesma mas a sua estrutura não (permitindo a oxigenação, como quando não se calca o cachimbo) e a sua humidade não (porque secámos o material).
Explicado isto, falemos agora de microclimatologia.
O vento é ar em deslocação, o ar quente sobe, o ar frio desloca-se para ocupar o espaço criado pela subida de ar quente, e forma-se uma brisa.
Todos nós conhecemos isto porque vamos à praia: a água tem bastante inércia térmica, portanto aquece mais lentamente que a areia da praia, durante o dia, e arrefece mais lentamente, durante a noite.
Portanto, durante o dia há tendência para haver uma brisa no sentido do mar para a praia (geralmente fresca e mais húmida), e durante a noite o sentido é inverso (atenção estou a falar de brisas relativamente fracas, que podem ser facilmente anuladas por ventos mais fortes, não relacionados com factores locais mas com a dinâmica geral da atmosfera).
Nos relevos mais acentuados, o processo é semelhante, do vale para os cabeços: os vales arrefecem menos de noite e aquecem mais durante o dia, portanto formam-se brisas de encosta em direcções opostas durante o dia e durante a noite (o que é acentuado pelas "gotas" de ar frio que se formam nos cabeços, a zona de maior irradiação nocturna, o ar arrefece e vai pingando pela encosta abaixo, como qualquer pessoa experimentada em passar a noite ao relento já sentiu, com certeza, o que se explica pelo facto do ar frio se comportar como um líquido viscoso).
Perdoem-me esta longa explicação, que ajuda a perceber como uma brasa se pode manter horas sem formar chama, progredindo lentamente e, ao mesmo tempo, que há variações nocturnas relevantes nos ventos que podem oxigenar a combustão que está a ocorrer sem chama.
Eu sei que há pessoas que acham que só um estúpido imbecilizado põe em dúvida que todos os fogos nocturnos sejam fogos postos, o que sugiro é que pensem que talvez não tenham toda a informação necessária para ter opiniões tão seguras sobre processos naturais complexos e a sua interacção com sociedades igualmente complexas.
E não é a eleição para um cargo autárquico que consegue, magicamente, transformar o conhecimento de uma pessoa sobre o assunto, é preciso mesmo ir à procura de informação.
A prova inelutável de que estamos a convergir com a Europa é que, pela primeira vez, partilhamos os mesmos problemas. Em vez de nos exasperarmos com a nossa pobreza relativa, já nos apoquentamos com os números da imigração. Estamos praticamente a ficar ingleses. Os ingleses também estão a empobrecer. Se isto não é convergência, o que é convergência?
O mundo ocidental tem que fazer escolhas difíceis, mas descobriu a salvação evadindo-se para uma escolha fácil: a extrema-direita. Só a extrema-direita e a extrema-esquerda oferecem um mundo simplificado em dois tons: o preto e o branco, o mal e o bem, o desejável e o indesejável. Não há que hesitar, não se requerem quaisquer trade-offs. Basta alistarmo-nos na cruzada contra os sarracenos do “sistema”, os quais, como uma hidra sabida, têm várias cabeças. Corta-se uma, nasce outra.
Envelhecidos ou monoparentais, os narcisos sem bebés não querem o influxo demográfico do estrangeiro pós-colonial. Cada um na sua casa, queixamo-nos do contributo negativo do Alojamento Local para a crise da habitação. Em breve decrépitos, queremos que o Estado, através dos filhos dos outros, cuide de nós. Pensões serão de miséria sem crescimento económico. E crescimento económico é difícil de conceber com uma pirâmide demográfica invertida.
Com o eleitorado envelhecido e rancoroso (nós), será cada vez mais difícil travar a pressão para o aumento da despesa corrente e dos impostos. Nenhuma reforma será consentida. A corrida para o fundo será acelerada, com a economia a estiolar. Os jovens que podem fugir fugirão. Os jovens que querem entrar não o conseguirão fazer.
(...)
Talvez os ativistas credenciados nas sociologias patrocinadas pelos impostos cobrados à imunda economia ingressem na vida produtiva, dando do mesmo passo descanso ao padre António Vieira, ao Camões e à língua portuguesa, serva e perpetuadora do patriarcado pós-neocolonial. Quem sabe?
Não se discute nada de jeito. Esmolas maiores ou menores são atiradas dos parapeitos do Estado. São as gémeas. São os eucaliptos. São as comissões de inquérito. É o grande capital. É a falta de capital. Deus nos acuda.
Sérgio Sousa Pinto a ler na integra aqui no Expresso
"Uma vez que o valor que propõe não cobre nem de perto nem de longe os custos para limpar 1 hectare, não acha que se corre o risco com essa proposta de apenas remunerar os hectares que já são atualmente limpos e de não contribuir para a limpeza de novos hectares?"
Esta pergunta que é feita num comentário ao meu post anterior é muito boa e, por isso, resolvi fazer este post.
Em primeiro lugar, deixem-me começar por esclarecer esta frase: "o valor que propõe não cobre nem de perto nem de longe os custos para limpar 1 hectare".
O valor que proponho, 100 euros por hectare, de três em três anos, é uma mera base de trabalho, se não houver interessados em receber este dinheiro é porque o valor é baixo e deve ser aumentado, se houver muitos, é porque o valor é alto e deve diminuir.
Sendo um valor razoavelmente arbitrário, deve ser testado na realidade, ele não é absurdo, parte do princípio de que as operações de gestão devem ser feitas com uma periodicidade de três a cinco anos (depende da produtividade primária) e se é um valor absurdamente baixo em relação ao custo das limpezas moto-manuais (devem andar facilmente pelos 900 a mil euros por hectare), não é um valor excessivamente baixo em relação a outras operações de gestão, deve andar pelo custo de uma operação mecanizada com grade de discos, e não anda longe dos valores de custo do fogo controlado (dependem muito da área a tratar e do contexto).
Como a proposta não pretende que se faça gestão de matos sem objectivos definidos, e como não se pretende criar rendas, parece-me razoável estabelecer este valor.
Vamos então ao fundo da questão: mas isso não vai apenas remunerar quem já faz gestão de combustíveis?
O objectivo primário da proposta é esse, o de remunerar quem já faz gestão de combustíveis. Por mim, para não ter já os anti eucaliptistas aos gritos, podemos excluir do apoio as operações feitas de forma mecanizada em plantações comerciais com mais de cinco hectares. Para não ter os ambientalistas com dois dedos de testa aos gritos (os outros gritam sempre, portanto é irrelevante), podemos excluir do apoio quaisquer operações de degradam a camada superficial do solo.
Admitamos então que a proposta tem como único efeito pagar o serviço de gestão de combustíveis a quem já o faz.
O resultado que se pode esperar não é apenas o do aumento da riqueza de quem faz essas actividades (e isso seria socialmente relevante, estamos a falar de pastores, resineiros, trabalhadores florestais, pequenos empresários, com rendimentos frequentemente baixos), que depois se transmite, pelo menos parcialmente, às suas comunidades (as tais que se queixam de ninguém lhes liga, aquilo a que se chama interior, mesmo que seja em Albergaria a Velha, que está a poucas dezenas de quilómetros do mar).
O que se pode esperar é que, sendo essas actividades mais compensadoras, os agentes económicos existentes expandam as suas actividades e apareçam novos agentes económicos interessados, porque a actividade é mais compensadora.
O que esta proposta pretende é isto, injectar economia na actividade de gestão florestal, com o mínimo de interferência nas opções das pessoas e empresários.
Os impactos, positivos e negativos (os negativos prendem-se essencialmente com a potencial criação de rendas geradoras de ineficiência) dependem da magnitude dos valores que se definam, ou seja, do preço que se defina para o pagamento do serviço de gestão de combustíveis, razão pela qual eu defendo um mecanismo de adaptação permanente que se aproxime de um mercado financiado pelos contribuintes.
Por volta 2030, mais ano, menos ano, o país terá um problema muito sério de fogos, se entretanto não mudar de vida.
A questão central é a acumulação de materiais finos, em quantidade e estrutura favorável à progressão do fogo.
Esquecendo a questão das ignições, que não interessa grandemente (sobre as famosas ignições nocturnas vale a pena transcrever que o Paulo Fernandes escreveu um dia destes: "O grave problema dos incendiários noctívagos - % dos fogos nocturnos causados por incendiarismo imputável = 23% (16% durante o dia) - % da área ardida total correspondente aos fogos com início nocturno (todas as causas) = 9,7% - % da área ardida nocturna total que tem origem em incendiarismo (incluindo inimputável) = 3,8%"), sobra a questão chave que é a acumulação de combustíveis finos.
Antes de começar, duas fotografias recentes (penso que de Rui Ventura), destes fogos em São Macário, onde são visíveis duas parcelas, uma em cada fotografia, que tinham sido tratadas com fogo prescrito, para deixar bem claro que o fogo não é todo igual, nem todo o mesmo efeito.
Uma abordagem acredita que a actividade económica pode garantir a gestão de combustíveis. É uma abordagem que tem a seu favor o exemplo da produção comercial de eucalipto, em que as propriedades das celuloses terão uma prevalência de fogo de cerca de um quarto da média nacional, e a seu desfavor meio milhão de hectares de sucata florestal de eucalipto que arde como o resto.
O que isto indicia é que o limiar de sustentabilidade económica, mesmo na fileira florestal mais adaptada ao regime de fogo existente e ao contexto social e económico prevalecente, é tão baixo que não consegue, sequer, ter metade da sua área gerida com propósito e resultados.
Noutras fileiras a situação é pior (o montado é um sistema agro-silvo-pastoril e, consequentemente, ocupa um lugar particular na discussão da gestão florestal porque não é produzido pela gestão florestal, mas pela produção pecuária e, eventualmente, agrícola), com o pinheiro a garantir áreas muito menos significativas de gestão, nas zonas que lhe são especialmente favoráveis.
Os usos alternativos à produção de pau ou resina, têm alguma expressão local em algumas regiões (como o castanheiro no Nordeste, e o pastoreio em algumas áreas do país), mas estão longe de ter a expressão que seria necessária para que consigamos ganhar controlo sobre o fogo.
Muitas das propostas que têm virtudes, sobre alteração da estrutura de propriedade, fiscalidade e coisas que tais (excluindo aldrabices como a biomassa), mesmo que fossem facilmente aplicáveis, nunca teriam qualquer efeito de diminuição da carga de combustível até ao próximo episódio meteorológico que seja especialmente favorável à progressão do fogo (simplificando, tempo extremamente seco com ventos fortes, durante mais de dois dias).
Um plano de emergência para o fogo, que não deve ser confundido com um plano para acudir às emergências resultantes do último fogo, deveria ter um, e apenas um, objectivo: aumentar a área de gestão de materiais finos.
Tudo o resto até pode ser muito importante (eu não acho, mas é uma mera opinião de um gajo de Alfama), mas não é urgente.
E é aqui que entra a proposta de pagar directamente a gestão, sem complicações, em função de um resultado a atingir: ter menos de 50cm de altura de materiais finos no terreno.
Não paga o corte ou queima de todos os materiais em todos os terrenos?
Não, não paga, nem é esse o objectivo, é apenas reduzir de forma extensiva a carga de combustível, criando pirodiversidade e aumentando as oportunidades de combate, alavancando as actividades que já existem.
Com esta proposta tornamos as actividades que gerem combustíveis mais competitivas - pagando-lhes um serviço de interesse geral, não é nenhum subsídio, é o pagamento de um serviço - e ganhamos controlo sobre o fogo.
O resto é só o resto, no sentido que lhe deu aqui Reinaldo Ferreira: "Mínimo sou, Mas quando ao Nada empresto. A minha elementar realidade, O Nada é só o resto".
Episódios de fogos dramáticos - insisto que desta vez foram só dois ou três dias de condições desfavoráveis e os ventos não estavam muito fortes - geram muita confusão depois, como demonstra Tiago Oliveira na sua tese, num gráfico muito interessante que liga a quantidade de produção legislativa e a ocorrência de anos maus de incêndios.
Com o PS, de maneira geral dominam grandes proclamações de reforma da floresta que acabam por traduzir-se em reforço do combate, proibições várias, medidas estruturais, no papel, e projectos delirantes assentes no dinheiro dos contribuintes, no que diz respeito à gestão da paisagem (até se produzem coisas interessantes, como este relatório em que se empenhou fortemente o meu amigo Pedro Bingre do Amaral. Quem conheça as nossas relações pessoais um bocado agitadas pode pensar que aquele "amigo" é irónico, mas não é, temos fortíssimas divergências, mas o Pedro é, de entre as pessoas que acho que têm uma perspectiva errada do problema, das que produzem informação mais interessante).
Com o PSD vem a conversa autárquica e bombeiral dos incendiários, das ajudas, dos apoios, da necessidade de dar poder aos autarcas para fazer o que está certo (que já têm, mas como custa dinheiro, o que na verdade estão a dizer é que querem que o Estado central lhes entregue dinheiro para se substituírem aos proprietários, em vez de o Estado central pagar directamente aos proprietários o que pretende que seja feito), queiram ou não os proprietários, a conversa dos fundos, de apoiar quem está no terreno, da criação de emprego no interior, e etc.
Independentemente de algumas diferenças há grandes coincidências que se mantêm, em especial a desvalorização do conhecimento científico produzido (a forma como tanto responsável político tem estado a ignorar o trabalho de Cristina Soeiro sobre o perfil do incendiário é extraordinária, mas mais extraordinária é a forma como a generalidade dos jornalistas enfiam a treta pela goela abaixo sem pestanejar e confrontar os responsáveis políticos com a informação objectiva produzida) e o endeusamento do conhecimento de inspiração divina, que de estudo não é, que autarcas e responsáveis de bombeiros têm sobre como gerir o fogo, compreendendo o seu comportamento e a sua ecologia.
Por tudo isto, um dos assuntos que recorrentemente aparece na discussão são as centrais de biomassa (por exemplo, veja-se a última missa dominical do grande especialista de economia rural e fogos, Marques Mendes).
Face à evidência avassaladora de que temos um problema sério de ausência de gestão, ou sub-gestão, dos materiais finos que alimentam o fogo, há duas grandes linhas de pensamento, e uma pequena, pequeníssima comunidade que vai defendendo o pagamento público de um serviço público, directamente aos que o prestam.
As duas linhas de pensamento dominantes, reconhecendo que estamos perante um problema de ausência de criação de valor associada à gestão de matos, querem criar valor para essa actividade, mas sem pôr os contribuintes a pagar essa gestão.
Uns acham que as terras marginais são rentáveis, é só o seu contexto administrativo e de propriedade que impede os amanhãs que cantam, portanto empenham-se em discussões intermináveis sobre fiscalidade e direito sucessório com o objectivo de criar um proprietário novo, o proprietário que ganha dinheiro a gerir mato, uma vez liberto dos constrangimentos que o tolhem.
Outros acham que é preciso valorizar a biomassa, portanto, encontrar-lhes um destino economicamente radioso, os mais sofisticados torram dinheiro num laboratório ali para os lados de Coimbra, para conseguir produzir combustíveis a partir do mato, os mais básicos pedem centrais de biomassa.
Judiciosamente, Paulo Fernandes costuma lembrar que o fogo florestal e a central de biomassa têm dietas diferentes, o que o incêndio quer é combustível fácil e rapidamente inflamável para que a chama seja transmitida a partir de quantidades de energia libertadas relativamente baixas, a central de biomassa quer material denso, com elevado potencial energético, para maximizar a produção de energia aumentando o tempo de residência da chama.
Ou seja, a optimização económica de uma central implica ter materiais grossos o mais perto possível da central, a optimização do incêndio florestal acontece quando existem materiais finos onde Judas perdeu as botas.
Sobre isto, convém ter em atenção que os tais materiais finos que alimentam o fogo florestal, e dificilmente alimentam uma central de biomassa (nos seus tempos áureos, a central de biomassa de Mortágua tinha uns 2% de matos no mix de combustíveis que a alimentavam), são sobretudo ar e água e têm baixo potencial energético, o que significa que os custos de transporte disparam para uma criação de valor em energia muito baixo.
Cortar mato é caro, transportar mato para o transformar em energia é ainda mais caro, razão pela qual as centrais de biomassa que podem ser competitivas não se alimentam de combustíveis finos trazidos do fim do mundo, mas estão associadas à valorização de resíduos de actividades que concentram biomassa a partir de outra actividade que tira partido do produto principal (por exemplo, serrações, fábricas de processamento de madeira, seja para que fim industrial for, etc.).
As únicas centrais de biomassa que podem ter interesse para ganharmos controlo sobre o fogo são centrais que se deslocam ao sítio onde estão esses materiais finos e os consomem sem necessidade de operações caras de corte.
Felizmente existem, têm quatro patas e chamam-se cabras.
Paguemos esse serviço a quem as pastoreia e conseguimos muito mais resultados, de forma muito mais barata.
Estou em que o calado armazém na berma da estrada fechara já. Ou, por qualquer razão, não apresentava sinais de vida, deixando os portões ao serviço dos mais atrevidos. Nada era de realce senão o seu imenso canteiro cheio de cor e originalidade. Quase uma miragem nos pragmáticos povoados do Centro. Por ali, um nada além de alguns utilitários estacionados, o grande Volvo abatido ao efectivo. Sepultado e florescendo assolapadamente.
Não houve como não atentar no jarrão. Adivinhavam-se muitos quilómetros de andamento, uns tantos toques de escultura pós-neo-realista na carroçaria... O resultado, a carcaça de uma viatura produto fino da alta burguesia encobrindo-se na imparável trepadeira de glórias-de-amanhã.
É um sinal. O sinal de que a revolução verde está em marcha encobrindo, batalhando, esverdeando. Como outra revolução qualquer. Se o filme findasse aqui, gozaria de toda a simpatia do caricato. Até talvez fosse inspirador. Mas, creio bem, a película acabará em pneus e estofos podres e metal ferrugento somente disfarçados; ou então numa bonita trepadeira amarfanhada pelo reboque serôdio que veio buscar a sucata.
Isto é, em Portugal, ou melhor, na República Portuguesa, os meios artísticos e a Natureza pisam caminhos díspares. Andam nos extremos, não se conciliam, destroem-se mutuamente, não há quem lhes segure o freio. Um automóvel pode ser um vaso florido ou uma chocadeira de ratazanas. Dependendo tudo sempre do ponto de vista de quem vai a votos contra quem antes os ganhou.
Por mim, os restos mortais do Volvo já agora ficavam, com as devidas cautelas sanitárias e uma certeza: todos os "Bordalos" que nos infestam teriam de rever o seu portfólio.
Um dia destes fui entrevistado durante quase uma hora por Vítor Gonçalves sobre fogos.
Para além de muitos comentários simpáticos (por exemplo, um dos meus irmãos disse-me que o entrevistador era tão bom que eu até parecia inteligente, sensato e sabedor) e palmadinhas nas costas, houve bastantes comentários contestando a entrevista, como é normal numa matéria controversa.
Frequentemente não se contestam os argumentos que usei, e uma hora dá para bastante por onde pegar, eu próprio sou capaz de identificar meia dúzia de erros (alguns lapsos evidentes) e imprecisões, o que se contesta são as falhas de carácter que me fazem dizer o que digo, de que é exemplo este artigo, no Expresso, escrito por uma especialista em fogos que desconheço mas sei que é "residente em Lisboa, 50 anos [esta informação não deve estar actualizada], licenciada em Relações Internacionais pelo ISCSP e pós-graduada em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação pelo ISCTE. Foi professora, jornalista, assessora de imprensa e atualmente exerce funções de representação internacional no setor das telecomunicações (ANACOM)".
Onde eu cito Paulo Fernandes (um dos cinquenta cientistas mais influentes do mundo em ecologia do fogo), José Miguel Cardoso Pereira, Tiago Oliveira, António Salgueiro, Nuno Gracinhas Guiomar e outros, com sólido e incontestado curriculum relacionado com o estudo e a gestão do fogo, Marta Leandro cita Jorge Paiva (que não tem uma linha de investigação científica relacionada com ecologia do fogo), Helena Freitas (que desconheço que alguma vez tenha publicado uma linha de trabalho científico ou técnico sobre fogo, a sua gestão e o seu papel ecológico) e a minha colega Manuela Raposo Magalhães que, essa sim, foi coordenadora de um projecto relacionado com fogo (Scapefire), que se distingue por uma grande originalidade: envolve dezenas de investigadores e técnicos, mas nenhum deles tem qualquer curriculum, trabalho e investigação sobre ecologia do fogo.
Os comentários mais divertidos são os dos "corações muito grandes cheios de fúria e amor" (parafraseando Jorge de Sena), que escrevem inflamadas acusações e teorias de conspiração sobre a simultaneadade das ignições detectadas por satélite, sem fazerem a mínima ideia de que essas ignições são registadas pelo satélite em simultâneo, não porque ocorram ao mesmo tempo, mas porque é a hora que o satélite passa.
Tudo visto e ponderado, as grandes críticas não são ao que eu digo mas, por falha de carácter que me leva a ser um vendido aos interesses, ao facto de eu não alinhar com teorias de conspiração sobre ignições (leiam Cristina Soeiro, caramba) e dizer que muito mais importante que a composição do coberto florestal, é a quantidade e estrutura dos combustíveis finos (argumento que é simplificado, por quem se empenha na demonstração pública das suas virtudes, na afirmação falsa de que eu digo que arde tudo por igual).
Sobre este último assunto, durante esta entrevista, mandaram-me as fotografias abaixo que ilustram o que qualquer pessoa que estude o assunto diz, mais assim ou mais assado.
O que temos então nestas fotografias?
Na primeira, eucaliptal gerido, com pouca afectação de fogo, numa matriz de vegetação autóctone , e provavelmente não autóctone, (incluindo as áreas de vegetação natural mantidas na plantação ao longo das linhas de drenagem natural), sobreiral mediana a severamente afectado na segunda e sobreiral com combustíveis finos completamente incinerados na terceira, mantendo a biomassa de maior diâmetro, todas as fotografias provenientes do mesmo fogo, o fogo de Alferce/ Monchique de 2018.
Resumindo a sequência de imagem, não é por falha de carácter que passo o tempo a contestar ideias românticas sobre o efeito do fogo na vegetação, é porque tenho amigos que sabem muito mais que eu e passam o tempo a mostrar-me que o que eu pensava, e tinha aprendido na escola, não se verifica na realidade.
Seja em coisas mais complexas, como este artigo fundamental do Paulo Fernandes, já com uns valentes aninhos, seja em fotografias que me mandam durante um programa de televisão, para me ajudar a ilustrar as teses que vou repetindo a partir da investigação e criação de conhecimento de quem realmente estuda o assunto.
Dou de barato que eu seja um pulha vendido aos interesses, discutir isso não interessa a ninguém (se nem a mim me interessa, imaginem aos outros), mas não é seguramente a negar infantilmente que a terra anda à volta do Sol, porque é óbvio que qualquer pessoa pode verificar que é o Sol que anda à volta da terra, que se consegue demonstrar que os cálculos de Kepler não têm validade.
Leitura da Epístola de São Tiago
Caríssimos: Onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz. De onde vêm as guerras? De onde procedem os conflitos entre vós? Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros? Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões.
Palavra do Senhor.
Teresa Andresen ligou-me um dia destes a chamar-me a atenção para o facto da forma como eu falo sobre ignições e a sua relação com a gestão do fogo poder beneficiar da utilização de exemplos mais próximos da experiência pessoal da maioria das pessoas que me estarão ouvir, sugerindo que eu falasse antes de cigarros em vez de ervas.
Brevemente farei uso desse conselho inteligente, mas antes gostaria de fazer dois ou três comentários sobre a forma como a minha escola, a escola de arquitectura paisagista portuguesa, se tem relacionado com o fogo e a sua gestão, afastando-se daquilo que era uma prática muito comum na primeira geração de arquitectos paisagistas, a discussão e conversa inter-pares de que é exemplo a inconfidênca com que comecei o post.
Parte do pensamento da minha escola está bloqueado pelo peso do que foi a intervenção social dessa primeira geração de arquitectos paisagistas, em especial por uma reverência a Ribeiro Telles que se compreende - mas a que o própio nunca obedeceria - impedindo a saudável evolução intelectual das bases fundamentais da profissão.
Aos argumentos preferem-se, frequentemente, as citações, lembrando-me sempre da epígrafe da minha tese de licenciatura, dos diários de Camus (ainda fui dar uma vista de olhos na estante onde sei que está esse livro, mas entre livros em segunda fila, fotografias várias e outra quinquilharia, iria perder muito tempo à procura dessa citação) sobre o facto de aos historiadores que se debruçavam sobre realidades concretas se sucederem os professores de história que se debruçam sobre os historiadores, ou qualquer coisa do género.
Uma das mais frequentes citações de Ribeiro Telles nas discussões sobre fogos é esta:
""A limpeza da floresta é um mito.
O que se limpa na floresta, a matéria orgânica?
E o que se faz à matéria orgânica, deita-se fora, queima-se?
Dantes era com essa matéria que se ia mantendo a agricultura em boas condições e melhorando a qualidade dos solos. E, ao mesmo tempo, era mantida a quantidade suficiente na mata para que houvesse uma maior capacidade de retenção da água.
Com a limpeza exaustiva transformámos a mata num espelho e a água corre mais velozmente e menos se retém na mata, portanto mais seco fica o ambiente. A limpeza tem de ser entendida como uma operação agrícola. Mas esta floresta monocultural de resinosas e eucaliptos, limpa ou não limpa, não serve para mais nada senão para arder. Aquela floresta vive para não ter gente."
Haveria vários comentários a fazer sobre a evolução do conhecimento entre a altura em que estas declarações são feitas e o dia de hoje (as declarações são de uma entrevista a Ribeiro Telles na sequência dos fogos de 2003), mas o que me interessa é concentrar-me no que se sabia nessa altura (e nessa altura já Ribeiro Telles lia pouca pouca investigação sobre o assunto, há muitos anos) sobre o papel ecológico do fogo e o que hoje é ponto mais ou menos assente entre quem se dedica a estudar a ecologia do fogo.
É claríssimo que Ribeiro Telles olha para o fogo como um elemento de destruição no ecossistema, "deita-se fora, queima-se?", pergunta a propósito do que fazer à matéria orgânica que se acumula.
Esta concepção do papel ecológico do fogo já estava desactualizada em 2003, mas era ainda matéria de alguma controvérsia de base científica, hoje é uma concepção que se considera totalmente obsoleta (amanhã não sabemos, Egas Moniz, o médido português que ganhou o Nobel da Medicina, ganhou-o pelos avanços numa técnica da medicina cuja aplicação "em grande escala é hoje considerada como um dos episódios mais bárbaros da história da psiquiatria". Já agora, Egas Moniz nunca defendeu essa aplicação em larga escala).
O que hoje é do mais chão consenso é que o fogo é um processo ecológico fundamental de renovação dos sistemas, diferindo da mais amada decomposição orgânica na velocidade e libertação de energia, mas não no essencial: os dois processos consistem na quebra de cadeias químicas complexas que permitem alimentar o solo e as plantas com nutrientes em formas químicas elementares mobilizáveis pelas raízes das plantas.
Queimar e deitar fora não são, de modo algum, a mesma coisa, queimar é renovar o sistema fertilizando o solo, desde que a intensidade da queima seja controlada, sobretudo através da humidade disponível.
Persistir em citar Ribeiro Telles, desistindo de compreender melhor a realidade, para melhor a transformar, não é nenhuma fidelidade ao legado de Ribeiro Telles, é uma forma insidiosa de o trair, porque o legado de Ribeiro Telles é um legado de curiosidade permanente, de vontade de mudança, de aprendizagem sistemática, de compreensão do mundo que permita separar o que é permanente do que é contingente, condição sine qua non para uma gestão sustentável da paisagem e das comunidades que a moldam e transformam.
O respeito pelos "mayores", como diriam os espanhóis, ou os "mais velhos", como diriam os moçambicanos, não consiste em procurar cristalizar o produto do seu trabalho, consiste em respeitar os fundamentos sobre que trabalharam, sem medo do escrutínio permanente da sua validade.
Para grande tristeza minha, a minha escola não se tem distinguido particularmente pela capacidade de inovação, nomeadamente na produção de pensamento sobre o fogo enquanto elemento estruturante da evolução e gestão da paisagem, repetindo acriticamente mantras sobre ordenamento do território, da paisagem, da floresta, sem se dar conta de que onde outros entendiam o ordenamento como "a arte de ordenar o espaço exterior em relação ao homem" (sublinho bem, em relação ao homem, e ao homem concreto, e não com base no amor incomensurável pela humanidade em geral e o mais profundo desprezo por cada pessoa em concreto), hoje é dominante a prática de um ordenamento que é um processo administrativo de imposição coerciva, aos seus gestores, de uma paisagem idealizada por terceiros.
Tudo isto tem uma história. Nos meados do século XIX, fora das áreas de cultivo, Portugal tinha uma paisagem de areais, charnecas e cumeadas nuas, muito adequada para impressionar os estrangeiros pela poeira que era capaz de produzir. Foi essa desolação que o Estado decidiu alcatifar de árvores. Para não demorar, escolheu espécies de crescimento rápido, como o pinheiro e mais tarde o eucalipto. Os primeiros incêndios foram atribuídos à má vontade dos pastores, que não gostaram de ver os serviços florestais vedarem as serras e os baldios para onde levavam os rebanhos. No fim do século XX, a revolução florestal cruzou-se com o êxodo rural: às árvores do Estado, juntou-se o matagal sempre em expansão dos campos abandonados. Num país de Verões quentes e ventosos, com um relevo de acesso difícil, o resultado foi os fogos tornarem-se tão recorrentes no Verão como a gripe no Outono. (...)
A demagogia adora planos tonitruantes – prisões em massa, novas revoluções florestais. Não recomendo que se deixe tudo na mesma. Mas não seria preferível começar por apurar estratégias com o objectivo mais realista de, em caso de incêndio, proteger povoações, garantir vias de comunicação, e salvaguardar o património natural valioso? Para isso, porém, teremos talvez de desaprender a lição do velho Marx, e compenetrar-nos de que convém compreender o mundo antes de tentar transformá-lo.
Rui Ramos no Observador
Uma interessante análise de Eça de Queiroz sobre o pensamento político do seu amigo Ramalho Ortigão. Intelectual céptico e crítico, Ramalho jamais aderiu ao republicanismo, aliás, um sentido convergente ao pensamento de Oliveira Martins e de Antero de Quental. Mesmo Eça, cuja apologia do positivismo dominou nas primeiras obras, evoluiria para uma igual descerença nas revoluções. Nestas linhas, o autor ainda está longe de conhecer a evolução política no século XX, pois que seria importante acrescer o amadurecimento intelectual de Ramalho que testemunha a crise da Primeira República e o nascimento do Integralismo Lusitano que subscreve em "Carta de um Velho a um Novo", em resposta ao jovem amigo João do Amaral, então convertido à monarquia. Igualmente monárquica despontará a geração desencantada com a república como António Sardinha, Homem Cristo Filho e Alfredo Pimenta.
"Em Política, tem-se dito que Ramalho Ortigão é republicano. Nada menos exacto. Ramalho, creio, teme a república, tal qual é tramada nos Clubes amadores de Lisboa e Porto. A república, em verdade, feita primeiro pelos partidos constitucionais dissidentes, e refeita depois pelos partidos jacobinos, que tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo, a tomam como carreira, seria em Portugal uma balbúrdia sanguinolenta. (...) O que Ramalho mais tem odiado e invectivado na política é a retórica: é o que o exaspera no Constitucionalismo: e a prodigiosa caricatura que tem feito da retórica parlamentar, da retórica ministerial, da retórica régia, da retórica burocrática, é que lhe tem dado a fama republicana. Não penso porém que ele fosse hostil ao sistema, se o sistema não tivesse um tão desordenado fluxo labial. Se o sistema trabalhasse praticamente, em lugar de perorar com furor, estou convencido que Ramalho não o importunaria (...). Se Ramalho tem guerreado a retórica conservadora, não tem poupado a retórica democrática, que não é em Portugal menos nociva: é a sua vaga fraseológica idealista, que mantém tanto moço estimável num humanitarismo enevoado e sentimental, em que aspiram a ver toda a Europa livre, sem pauperismo, sem guerra e sem prostituição, sentando-se em banquetes fraternais, presidido pelos génios (...) É ainda a remota influência deste lirismo democrático que faz dizer aos conservadores de cinquenta anos, com o sorriso melancólico de quem fala em amores defuntos: - Ah a República é uma bem formosa quimera!"
(in, Eça de Queiroz, "Notas Contemporâneas" , 'Ramalho Ortigão (Carta a Joaquim de Araújo)', 3º Edição, 1920, Porto, Livraria Chardron de Lelo e Irmão, Lda.)
Há anos, quando escrevia só sobre questões de ambiente, dediquei umas horas largas a discutir ignições e a sua relevância para a política de gestão do fogo (deixem-me insistir mais uma vez, as políticas de combate ao fogo florestal não me interessam muito, o que me interessa é a política de gestão do fogo, um instrumento de modelação da paisagem de primeira grandeza) e, para não me repetir, ponho aqui a pesquisa desse blog para "ignições" e quem tiver interesse que dê por lá uma volta, que eu já me cansei dessa discussão que voltou e entrar em força no debate público sobre fogos.
Se for mesmo obrigado a dizer qualquer coisa, eu diria que é útil haver menos ignições que mais ignições, do ponto de vista operacional, que isso até pode ser trabalhado nos dias de maior risco (os dias de maior risco em Portugal são 12 a 15 dias em que arde 80% da área anual, não vale a pena andar a fazer avisos mais ou menos para os outros 350 dias no ano), mas não é uma questão central no desenho de políticas para a convivência tranquila com o fogo.
Entretanto percebi que o mito das ignições nocturnas, para além de persistente, é muito generalizado (um dia destes um dos meus irmãos, na sequência desta conversa com José Gomes Ferreira, fez um comentário lateral a dizer que nunca tinha percebido isso das ignições nocturnas) e, apesar de na busca para que liguei acima haver posts com discussão de ignições nocturnas, resolvi fazer uma coisa um bocadinho mais estruturada depois de ouvir uma intervenção delirante de Filipe Duarte Santos, na rádio Observador, em que o mito das ignições nocturnas estava muito presente.
A persistência do mito que leva a considerar todas as ignições nocturnas como fogo posto tem uma base sólida de ignorância.
O primeiro ponto é que nocturno, para o sistema de detecção e registo de fogos, é das oito da noite às oito da manhã, portanto, incluindo muito tempo que não cabe na definição comum de noite.
O segundo ponto é que muita gente desconhece que o toque de uma copa numa linha de elctricidade, o choque de uma ave e muitas outras coisas pequeninas como essas, geram faíscas (muitos dias no ano, simplesmente se as condições não forem favoráveis à progressão do fogo, o assunto morre).
O terceiro ponto é a ideia de que não existem actividades humanas durante a noite, como se não houvesse circulação de carros e motas durante muitas horas à noite, nas zonas mais estranhas, apoiando as mais estranhas actividades humanas.
O quarto ponto é que muita gente desconhece o facto de 80% das ignições (incluindo as nocturnas), ocorrem num raio de 2 Km de distância a um aglomerado populacional, portanto, para além de um conjunto vasto, distribuído e especialista em meteorologia de maluquinhos do fogo, temos de concluir que temos muitos maluquinhos do fogo burros porque desencadeiam ignições mesmo ao lado de casa, em vez de as ir fazer onde ninguém as detectasse até ser tarde.
O quinto ponto é que com a repressão ao uso do fogo e a paranóia securitária associada, há mais que suficientes registos, quer de queima de sobrantes, quer de queimadas de pastores, feitas de noite como defesa contra o longo braço repressivo do Estado.
E, sobretudo, há uma incredulidade geral sobre a existência de ignições retardadas, isto é, o que o sistema de detecção e registo de fogos detecta e regista são ocorrências com dimensão suficiente para ser detectadas, não é o momento físico e químico da primeira ignição.
Há muito quem não acredite que uma faísca produzida ao meio dia, e caída sobre combustível disponível mas escasso ou com uma estrutura pouco favorável à progressão, possa estar por ali a pastar lentamente até ao momento em que, progredindo lentamente, provavelmente mais sob a forma de brasas que de chamas, chega a combustível mais favorável ou que as alterações meteorológicas (sobretudo, direcção e intensidade do vento) acelerem o processo de combustão ao ponto de incandescer o material e provocar um fogo suficientemente grande para ser detectável, por exemplo, às três da manhã.
Esta incredulidade é estranha porque o que não faltam são registos de incêndios em edifícios resultantes de fogos mal apagados, mas o facto é que existe.
Há quem estude o assunto e, de memória, o registo mais longo de que tenho ideia, num artigo científico sobre fogos provocados por raios, era o de um incêndio que eclodiu um mês depois do raio que lhe deu origem, sendo evidente que, durante esse intervalo a combustão nunca se extinguiu, mas foi sendo de muito baixa intensidade até encontrar, um mês depois, condições favoráveis à progressão.
De resto, para quem clama pela necessidade de ter estudos que se debrucem sobre as motivações dos incendiários, talvez seja útil saber que esses estudos existem e resumo aqui as conclusões (de memória, via José Miguel Cardoso Pereira) de um desses estudos, feito em Portugal, com base na entrevista por uma psicóloga forense, a mais de 400 condenados por fogo posto.
Dos mais de 400 entrevistados, 2 eram verdadeiros pirómanos, uns 12 eram pessoas que sabiam o que faziam e tinham motivação económica, e dos restantes noventa e muitos por cento, um bocadinho mais de metade eram pessoas com défices cognitivos, problemas de dependências (alcool, drogas), desestruturação social, etc., actuando sob o efeito desses factores externos, e a outra quase metade era conflitualidade social como problemas de águas, de vizinhança e coisas que tais.
Boa sorte com essa coisa de resolverem a gestão do fogo tendo como questão central as ignições, nocturnas ou outras.
Na sentença imorredoira de um benfiquista mais letrado: «Isto é tudo piscicológico!» Logo o Sporting recebe os homens do Lilleput. Preparemo-nos «piscicologicamente», pois!
... passaram 25 minutos e o jogo decorre com a intensidade que Freitas Lobo não se cansa de anunciar, mas há uma certa preocupação na bancada presidencial. Não é por causa do jogo, nem da fase «de estudo» das equipas em que os nossos se mostram seguros. É por causa dos olheiros. São muitos, e quanto mais atentos mais o incómodo cresce «na estrutura»... mas GOOOOOOLO É GOOOOOOLO aos 29 minutos, é GOOOOOLO de Pote, um toque artístico de calcanhar a curto passe venenoso de Gyökeres. Martinez ajeita os ombros e contorce-se discretamente. Alguém atrás de si disse em surdina, alto bastante para que não deixasse de ouvir: «Olha ainda bem que não o usaram na selecção, ainda se cansava a marcar golos destes lá!»
Começa o carrossel no meio campo francês, de onde virá? de onde virá? HilmanImp impera no meio campo e vai servindo seguro o rodopio de matadores. Gyökeres pára a bola, roda, arranca para o lado direito, dribla um, aproxima-se da área, baliza à mercê, mas aaahhhhhh empurrado e trambolhão. As bancadas irrompem num trovão. «True, the guy`s a danger!», comenta o olheiro do United. Varandas ouviu e pensa: «Devia ser 120 milhões». Amorim põe os olhos no chão. Gyökeers corre para a bola, vai ser outro golo certo... é agora.... vaaaaaiiii.... iiiiiiiiiiiiiih falhou. «Mais vale», pensa Varandas. «Eu que não olho para não azarar, e sai-me isto», pensa Amorim.
Correu meia hora da segunda parte, os Lilliputs ameaçaram duas vezes, mas Debast, primeiro, e Israel, depois (UUi!) estava lá. Freitas Lobo já não vê equipas subidas nem descidas, elogia ainda o magnífico jogo sem bola que iludiu os franceses e abriu caminho para o golo de Pote, e está a determinar exactamente que o Sporting está em contenção quando Nuno Santos controla um passe longo e milimétrico de Diomande, avança junto à linha, flecte para dentro, e envia uma bola em arco para a molhada que se juntou na área, e há empurrões legais, e todos de olhos no ar, e reposicionamentos, e nervos e é GOOOOOLO de Pote. GOOOOOOOOOOOOOLO. Golo de pé direito, um tiro à queima-roupa, a bola nem tocou no chão. GOOOOOOOOLOOOOOOO. Sporting dóóóís - Lilliput Zéééééro. Pote dóóóís - Lilliput Zééééro.
«Mas este é que é o tal Jokers?», pergunta o jovem e inexperiente olheiro do Southampton, a quem o homem do City calara há bastante tempo com um comentário sarcástico ao ouvi-lo perguntar se ali é que era a tal «Luz cathedral».
Agora o Lillyput esmorece, e o ataque sportinguista entra naquele frenesim alimentar de quando lhe cheira a goleada. Tiro de Catamo por cima. Trincão em ziguezage, tiro, aahh o guarda-redes estava lá. Gyökeres à barra, Gyökeres à trave («Antes assim», pensa Varandas outra vez). Freitas Lobo discorre sobre jogo com e sem bola, corredores, subidas e descidas, transições de toda a ordem, e demora-se nas costas dos adversários.
«This guy... Trincau...», diz às tantas um dos ingleses. E o espanhol: «Estaba en`el equipo portugués...», e depois, esforçado:«I wóz in da nachonal tim»
«Ah...», continua o inglês, «just got to see a few minutes. Never saw him play»
«Porque no jugó... i didnot plai», remata o espanhol.
O inglês: «I wonder...»
Minuto 85. Nova substituição. Sai Gyökeres. Entra Hauer. Freitas Lobo assegura que «a formação de Alvalade está apenas a controlar, que é compreensível...» Descontos... Minuto 92... «que é compreensível que Amorim quisesse consolar Hauer com a presença numa vitória». Minuto 93. Mas eis que Santos corre pela esquerda, centra para Bragança que toca leve para espaço aberto à direira e é Hauer que vem em corrida desenfreada de trás e é GOOOOOOOOOOLO Que golaço de Hauer! GOOOOOOOOOOOLO um golo dos 35 metros, espectáculo, golo da jornada! GOOOOOOOOOOLO. É GOOOOOOOOLO. É Gooolo. Golo de Hauer. «Como dizíamos, magnífico golo do estreante Hauer», diz Lobo.
«Ora a cláusula deste para quanto há-de passar?», medita Varandas. «Que entrenador!», diz o olheiro do Real. «Got that right», diz um inglês, «What a coach!» Varandas vitrifica. «Where do theses guys get these assault cars?!», exclama o olheiro do Liverpool. Mas um membro da direcção, sentado um pouco acima para ouvir e olhar os olheiros, sente um arrepio ao ouvir o homem do Chelsea, um português emigrado, responder com uma pergunta: «O director desportivo destes gajos quem é?»
Seja como for: SPOOOOOOOOORTING TRRRRRRRRRRÉÉÉÉÉÉS - LILLYPUT ZÁÁÁÁÁÁÁÁÁRUUUUUUUUUU
"Não percebi o tom de aposta. Não percebi porque alguém haveria de duvidar da probabilidade de haver mais incêndios estes dias.", comenta alguém, no Domingo, o facto de eu, na Quarta-feira anterior, ter começado a dizer que a partir da Sexta-feira passada, mas especialmente hoje e amanhã, os noticiários passarem a ser dominados por notícias sobre fogos.
Depois dessa Quarta-feira (em que os comentários iam mais no sentido da esperança de se demonstrar que a previsão falhasse e com isso eu me calasse), já expliquei que uso estas previsões relativamente temporãs, mesmo sendo um risco fazê-las, como forma de validação da minha interpretação do fenómeno do fogo rural em Portugal.
O que faço é contrapor uma tese - a presença de um determinado padrão de fogo depende essencialmente da disponibilidade de combustível e das condições meteorológicas - a todas as outras teses variadas que existem no espaço público e que influenciam a política profundamente errada de gestão do fogo que, transversalmente a todos os partidos, é esmagadoramente dominante.
Os erros fundamentais dessa política assentam em duas ideias, qualquer delas falsa.
1) o padrão de fogo decorre de problemas estruturais como a composição do coberto florestal, a estrutura fundiária, o número de ignições, o ordenamento do território, etc.;
2) a resposta adequada ao contexto rural e de fogo que existe em Portugal é ter um dispositivo que responda rapidamente à detecção através de um ataque inicial ultra-eficaz, justificando sistematicamente o desfasamento entre a realidade e os objectivos pretendidos com a imprevisibilidade de evolução do fogo, com a dificuldade de acessos, com o meteorologia, com o número elevado de ignições, com os reacendimentos (tenho um amigo que defende que qualquer reacendimento de um fogo deveria dar origem a um inquérito para perceber como era possível um incêndio controlado dar origem a um reacendimento), as projecções, as diculdades operacionais dos meios aéreos, os conflitos institucoinais relacionados com o comando e mais cem mil justificações para evitar dizer uma coisa simples: a partir de uma energia libertada de 5000 kW/ m, que corresponde aproximadamente a uma chama de altura de três metros e meio (tudo isto são aproximações), o combate directo à cabeça do incêndio é impossível.
Como com disponibilidade de combustíveis e condições meteorológicas extremas estas condições se atingem rapidamente, até porque a progressão inicial do fogo é muito rápida em condições extremas, e 30% a 40% das ignições são nocturnas, impedindo o uso de meios aéreos no ataque inicial, é claro que essa doutrina vai falhar, mais tarde ou mais cedo.
Não se trata de uma aposta, isto não são jogos de azar, trata-se do uso de circunstâncias que se podem prever e que eu não posso controlar, para demonstrar que seja o dispositivo o que for (pode ser melhor ou pior), ou gerimos combustíveis de forma extensa, o que implica discutir a economia da operação (e não a sua regulamentação), ou estamos à mercê do fogo, como o dia de hoje parece demonstrar (durante o tempo em que escrevia o post, telefonaram-me a falar de autoestradas cortadas por causa dos fogos e ainda agora está a manhã a começar).
A situação apenas não vai descontrolar-se ao ponto de se tornar um problema político relevante porque estas condições durarão um dia ou dois, e não quatro ou cinco.
Num ano em que condições deste tipo se prolonguem por mais de três dias, veremos uma quantidade enorme de pessoas espantadas com o que sucederá, como se não fosse tão previsível como, na Quarta-feira passada saber que hoje e amanhã os noticiários serão dominados por notícias sobre fogos.
As previsões de risco de incêndio para amanhã é excepcional, em especial para Viseu (e também Aveiro), mas também para um conjunto grande de distritos do Norte e Centro.
Já recebi no meu telefone avisos da protecção civil, tenho visto um esforço grande de comunicação por parte da protecção civil no sentido de chamar a atenção para esta situação excepcional, mas a sensação que tenho, por mim e por outras pessoas, é a de que esse esforço é razoavelmente ineficaz.
Pode ser que eu esteja enganado, acredito que quem trata profissionalmente disto sabe bem mais que eu, mas também se pode dar o caso de estar metido numa bolha mental que a impeça de ver coisas que outras pessoas, menos ligadas ao assunto, conseguem ver.
A sensação que tenho é a de que a escala de alertas usada, ou a forma como são comunicados os alertas, por levar a alertas muito cedo para situações que são mais ou menos corriqueiras, provoca um sentimento de entorpecimento nas pessoas comuns que as levam a desligar dos alertas.
Dizer que há um alerta vermelho para amanhã não leva quase ninguém a dar a atenção devida à situação excepcional prevista para amanhã.
Claro que previsões são previsões, há uma grande incerteza, mas a acumulação de dados sobre a situação excepcional prevista para Viseu parece-me suficientemente relevante para que se chame a atenção para essa excepcionalidade (mesmo que, ao mesmo tempo, se reforce a ideia de que previsões são previsões, lembrando, se quiserem o erro das previsões do Ofélia que deram origem a muitas ignições indesejadas, por se ter previsto uma chuva que não veio).
Tudo pesado e revisto, parece-me que nos falta um mecanismo excepcional de identificação e comunicação de situações excepcionais, que nos levem a tomar precauções excepcionais, tanto mais que a ideia de que o que é preciso é que o ataque inicial aos fogos nascentes não falhe é uma ideia que não tem base estatística: nas condições previstas, provavelmente metade das intervenções em ataque inicial vão falhar, pelo que uma em cada duas ignições tem toda a probabilidade de resultar num incêndio de progressão rápida e elevada intensidade.
Por causa da audição a Lucília Gago, li e ouvi muitas opiniões sobre o estilo de gestão do Ministério Público que Lucília Gago tem vindo a aplicar.
Não sei o suficiente do assunto para ter uma opinião minimamente sólida que me permita avaliar o seu desempenho.
Ainda assim, no meio de tantas opiniões e comentários, chamou-me a atenção o que disse Paula Teixeira da Cruz sobre Lucília Gago.
Em especial o que o Observador também destaca: ""Se o perfil de Lucília Gago tivesse sido avaliado ela nunca teria sido nomeada Procuradora-Geral".
A mim, que tenho deste assunto a opinião de um ignorante na matéria, parece-me que Paula Teixeira da Cruz está redondamente enganada, a julgar pela forma como Lucília Gago foi parar a Procuradora-Geral.
O PS, e António Costa, por convicção ou conveniência política, coisa sempre difícil de distinguir em António Costa, não queriam que a Procuradora-Geral fosse Joana Marques Vidal porque o PS, e António Costa, não estão interessados em procuradores gerais que tenham peso próprio e sejam imunes ao poder de facto que se exerce por ínvios caminhos, aquilo em que o PS se especializou e em que António Costa é considerado uma pessoa imbatível.
Joana Marques Vidal tinha de sair, mas não para ser substituída por outra pessoa com características semelhantes, o que se pretendia era exactamente um procurador geral que se encaixasse melhor no regime de bastidores em que Costa e Marcelo são muito competentes.
A impressão que me dá, apesar de agora vermos grande parte da elite do PS (e do jornalismo companheiro) a dizer cobras e lagartos da audição de Lucília Gago, da forma como não responde nem deixa de responder e da forma habitual como se comporta, segundo o modelo dominante nos altos dirigentes da administração pública (são dirigentes, mas nunca responsáveis), é que é exactamente porque se avaliou cuidadosamente o perfil de Lucília Gago que foi nomeada, o PS, Costa e Marcelo queriam exactamente o que se diz que se conseguiu com a nomeação de Lucília Gago.
Lucília Gago não parece ser nenhum erro de casting, Lucília Gago é o que "a casta" (sim, eu sei que este é um termo populista de esquerda e direita para falar da classe política e é mesmo por isso que o usei, pondo umas aspas que sinalizam o facto de não ser esta a opinião que tenho dos políticos, onde há bons e maus, como em todo o lado) verdadeiramente quer a dirigir o Ministério Público: alguém que não complica a forma manhosa como grande parte do regime se vai mantendo sem grandes rupturas e, ao mesmo tempo, "é feita para apanhar", como diria o Chico Buarque.
Leitura da Epístola de São Tiago
Irmãos: De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhes disser: «Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé.
Palavra do Senhor.
O título deste post repete o título de um artigo que escrevi, a pedido do Público, publicado a 18 de Junho de 2017, à tarde, e no dia seguinte, em papel, suponho, que terá sido escrito na manhã do dia 18, isto é, cima dos fogos de Pedrogão, que começam a 17 de Junho.
É, provavelmente, o artigo mais lido que escrevi e o mais influente, isto é, depois de lido, não teve influência nenhuma, como os outros.
Lembrei-me dele por causa desta imagem que me mandaram hoje de manhã.
O Paulo Fernandes da imagem, que conheço e de quem gosto, é presidente da câmara do Fundão, não o Paulo Fernandes que cito aqui inúmeras vezes e que acho que nunca diria uma frase como esta.
Olhemos então para a progressão do fogo (evolui de Leste para o Oeste, ou seja, na imagem, da direita para a esquerda).
Sem surpresa, um charuto direitinho, característico dos fogos comandados por um vento razoavelmente constante que, por sinal, estava previsto há tanto tempo que me permitiu, na Quarta-feira (hoje é Sábado), fazer este post, chamando a atenção para o facto de, provavelmente, nesta Sexta-feira ou durante o fim de semana, mas mais provavelmente entre Segunda e a Quarta da semana que vem, as notícias de fogos voltarem aos jornais e televisões.
A razão pela qual arrisco a minha reputação (eu sei que o risco não é muito, porque a reputação há muitos anos que não é muita) a fazer previsões sobre o futuro nestas matérias?
Porque estou convencido de que é a melhor forma de demonstrar que a visão que tenho do fenómeno do fogo está certa, que podemos parar de discutir as ignições, a composição do coberto florestal (o que inclui a discussão da inexistente relação entre eucaliptos e fogos, para deixar claro que não estou a usar eufemismos), o ordenamento do território, os regimes de propriedade, as transformações da paisagem para nos focarmos no único factor chave (não é que outros não existam, existem, mas não têm a relevância estratégica deste, se eu fosse de gestão diria que é o único KPI relevante) que realmente nos pode aproximar de uma gestão sensata do fogo: a gestão de combustíveis (questão muito mais económica que técnica, já agora).
O que estou a dizer é que, havendo combustíveis, arde sempre que as condições meteorológicas são favoráveis ao fogo.
Insisto em arriscar a minha reputação dizendo que neste Sábado e Domingo as coisas, apesar de tudo, andarão no arde e apaga cuja discussão entretém imenso a protecção civil, mas a partir do fim da manhã de Segunda e durante mais ou menos vinte e quatro horas as coisas andarão no arde mas não apaga, até que a mudança de condições meteorológicas venha trazer alguma calma.
Se nada disto se verificar, então a conversa da imprevisibilidade, dos ventos que mudam, dos acessos difíceis, do teatro de operações para onde se projectam não sei quantos meios aéreos que não conseguem ser tão eficientes como se previa por causa da densidade do fumo que dificulta a visibilidade (a espécie humana é tão fascinante que consegue levar milhares de pessoas a envolver-se na promoção de uma doutrina de combate a fogos que se espanta com o facto de, havendo fogo, ser natural que haja fumo), etc..
Mas se se verificar o que está aqui a dizer um leigo, mais ou menos informado e com a possibilidade de fazer meia dúzia de perguntas a meia dúzia de pessoas que realmente sabem de ecologia e comportamento do fogo, então talvez fosse boa ideia meter a conversa da imprevisibilidade onde melhor vos aprouver.
O Estado português, ou melhor, a sociedade portuguesa desistiu de gerir o fogo, quer com a conversa da imprevisbilidade que nos impede de tomar medidas concretas e continuar a executar e estoirar dinheiro em faixas e faixazinhas disto e daquilo (ide ver quantas faixas o fogo passou tranquilamente no fogo do Seixal e numa mata gerida como a da Apostiça), quer com uma doutrina de combate absurda, cuja responsabilidade não é dos coitados dos bombeiros concretos que andam como baratas tontas à volta de fogos incontroláveis, mas de quem define e aplica uma doutrina que só pode dar asneira.
Por razões que desconheço, e desprezando os resultados verificáveis obtidos pela Afocelca, que tem a única corporação profissional de bombeiros florestais, continuamos convencidos de que manter no mesmo comando, e nos mesmos operacionais, funções de protecção civil e combate a fogos florestais, é uma boa ideia.
O resultado é o que seria de esperar, mas mesmo que não fosse de esperar é o que se verifica, com dados objectivos como os das comunicações do SIRESP, anda quase tudo no alcatrão à espera que o fogo chegue em circunstâncias vantajosas para o fogo e desfavoráveis para os bombeiros.
As prioridades do sistema são claras e racionais: primeiro defender as vidas, depois as casas, depois as infraestruturas e, no fim, pensar em proteger o património florestal, o que tem como resultado que raramente se faz combate florestal a sério, que pressupõe conhecimento sobre o comportamento do fogo, o contexto do fogo, tempo para virar as condições a favor dos bombeiros e, por fim, bombeiros com ferramentas de cabo de pau e botas no chão, a tirar partido das condições favoráveis criadas para gerir o fogo.
Não acredito que seja possível ter bombeiros e comandos preparados para o combate ao fogo florestal sem a separação de funções entre protecção civil e gestão do fogo florestal, e sem profissionalização dos bombeiros florestais (a protecção civil pode ter uma grande componente de voluntariado porque exige grandes mobilizações de meios, em tempos curtos, para circunstâncias imprevisiveis e relativamente raras, o combate florestal, pelo contrário, exige trabalho de formiguinha o ano inteiro, com picos relativamente geríveis em quinze dias no ano que se podem prever com três dias de antecedência, o que torna a profissionalização muito mais eficiente que isto que temos).
Imprevisível? Eu não estou de acordo.
Já viram algum presidente da república (coisa feia) ser eleito careca? Em Portugal, em democracia, nunca foi eleito algum presidente careca: Ramalho Eanes (que derrotou Soares Carneiro à primeira volta), Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcello Rebelo de Sousa tinham cabeleiras fartas. Tudo indica que esse é afinal de contas o atributo determinante para uma carreira política com ambições ao topo em democracia. Lembrei-me disto no outro dia a propósito do tabu de Luís Marques Mendes a respeito duma hipotética candidatura a Belém. Receio que o comentador não tenha hipóteses de almejar ao mais alto cargo da nação, nem de saltos altos. E se não fosse por outras razões, Passos Coelho pode por a viola no saco. A democracia, como a vida, pode ser muito injusta...
Mas vamos ao cerne da questão, a calvície. Trata-se afinal de um assunto sério, que pessoalmente me começou a afectar por volta dos quarenta anos – também eu hoje quando vou às compras poupo dinheiro e não perco muito tempo nas prateleiras dos Shampoos. Misteriosamente a calvície constitui um sério golpe no narcisismo de um homem, mesmo do mais austero, por muito que se repita a mentira de que “elas preferem os carecas”. Fraco consolo, mesmo que fosse verdade. Diz a Wikipédia que o tipo mais comum de calvície masculina é a alopecia androgenética, (AAG) ou “calvície de padrão masculino”. Se os homens tivessem algum sentido de classe (um dia vai-nos fazer falta), se algum dia fossemos capazes de nos juntar por causas ou interesses legítimos de género, revindicaríamos igualdade capilar com as mulheres, cujos casos de calvície são raríssimos.
De pouco nos consola saber que Francis Galton (1822 – 1911), um pioneiro na eugenia, ideologia tão do gosto dos primeiros republicanos portugueses, defendeu a calvície como um sinal de superioridade. Ou de que as cabeças rapadas, antes da recente conotação com um determinado movimento político, simbolizavam a santidade, o desprendimento e de certo modo um repúdio à superficialidade.
O estereótipo do presidente americano em Hollywood expõe-nos o preconceito generalizado: no cinema é sempre um homem alto, bons dentes para sorrir e bom cabelo bem penteado… porque sim. Percebe-se o desespero de Donald Trump incansável na atenção à sua escassa penugem loira, enfrentando as cruéis partidas pregadas pelos golpes do vento inclemente. Como vimos atrás Kamala Harris não padecerá desta contrariedade.
Comprova também esta tese o facto do último presidente americano calvo ter sido Gerald Ford, que substituiu Richard Nixon em 1973, por sinal “interinamente”. Presidentes carecas nos EUA só encontramos antes do advento da televisão, com Dwight Eisenhower (1953–1961). No país irmão, o Brasil, que em tantos aspectos segue as modas americanas, o último presidente careca escolhido foi Hermes da Fonseca em 1910.
Isto não significa que não haja gente poderosa sem cabelo. Exemplos disso são Jeff Bezos da Amazon, Gianni Infantino presidente da FIFA, ou Marc Andreessen co-fundador da Netscape, ou Lloyd C. Blankfein da Goldman Sachs. Mas repare-se que esses distinguem-se dos vulgares carecas como eu, rapando literalmente a cabeça toda para disfarçar as falhas de cabelo. Albert Mannes, um psicólogo social (uma ciência exacta, já se vê) publicou um estudo em 2012 no Social Psychological and Personality Science Journal acredita que, para aqueles que estão a perder cabelo, acelerar o processo natural (rapar a cabeça) concede mais credibilidade, confiança, força pessoal e liderança. Assim se percebe a estratégia de imagem de João Miguel Tavares, do defesa central Pepe ou de Vítor Bento.
Há muito que me deixei de veleidades de contrariar a natureza, mas para os inconformados que não prescindam de ambicionar à liderança da Nação numa república (as monarquias não têm esse problema como se vê pela descontracção do Príncipe Guilherme do Reino Unido, considerado o calvo mais charmoso do mundo) deixo aqui uma boa notícia: o Grupo Insparya, fundado por Cristiano Ronaldo, prepara-se para lançar uma nova panaceia desenvolvida pelo laboratório i3s no Porto, que promete prevenir e resolver o deficit capilar. Mais precioso que o elixir da juventude, só uma solução que evite a alopecia.
O facto é que, por mais instrução que se promova, o mito da força de Sansão residir no cabelo ainda impera na racionalidade dos eleitorados. Não nos resta outra alternativa que aceitar a realidade sem perder a Fé na democracia, e acima de tudo em Deus, que nos livre da algazarra de mais umas eleições presidenciais, a espreitar-nos à esquina do próximo ano.
Imagem do Filme Sansão e Dalila realizdo por Cecil B. DeMille
Fontes: Internet
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