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Primeiro este selo apareceu nas redes sociais divulgado pela mão da esquerda chic para salientar o mau gosto do logótipo das Jornadas Mundiais da Juventude, sem quererem saber que não se trata dum logótipo, mas de um selo emitido pelos correios da Cidade do Vaticano – o logótipo, de que não gosto particularmente por ser pouco versátil aparece no canto superior esquerdo. Além disso estou em crer que o boneco é desenhado por alguém que estará longe de conhecer o Modernismo do Estado Novo e Cottinelli Telmo em particular. Quanto à técnica usada na ilustração, andará próxima do estilo da linha clara que reinou na banda desenhada da Europa do pós-guerra, nomeadamente a franco-belga. Mas a crítica mais disparatada que circula nas redes foi a classificação do boneco como “fascizóide”. Pode-se gostar ou não gostar do resultado que para mim só peca por ser demasiado óbvio – não gosto particularmente da saliência da bandeira verde-rubra, cá por coisas. Mas classificar o desenho de fascizóide (O Papa Francisco em pose no lugar do Infante D. Henrique guiando um conjunto diverso de jovens às JMJ em Lisboa) desautoriza qualquer crítica. Eu percebo o jeito que dá às vidas indolentes e aburguesadas alimentar fantasmas, mas já era tempo de certa malta da minha geração comprar umas sessões de psicanálise para “matar de vez o pai”. É que com a idade a coisa (preconceitos e obsessões) piora. Quanto à opinião do Bispo D. Carlos Azevedo, o que nos vale é que o bom ou mau gosto não são matéria doutrinária ou dogma de fé na Igreja.
"Presume-se pois que, quando o Estado proibir finalmente as raspadinhas ou as tornar menos ubíquas, se vai levantar um coro virtuoso de protesto".
Na base desta frase, interpreto eu, está a ideia de que o Estado proibir uma coisa má é, intrinsecamente, um passo na direcção certa.
Vale a pena discutir o que se pode saber sobre esse pressuposto, e o exemplo das raspadinhas serve, como qualquer outro.
Em primeiro lugar, as raspadinhas são uma prerrogativa do Estado, uma sofisticação das rifas que sempre houve em qualquer lado.
Portanto o Estado proibir as raspadinhas não é nenhuma novidade: elas já são proibidas, o Estado é que desenhou, para si (é o Estado que explora o jogo e é o dono da Santa Casa da Misericórdia), uma excepção.
Tirando este pormenor, a questão que se põe é a de saber se sendo as raspadinhas uma chaga social que atinge sobretudo as classes sociais de menor rendimento, com efeitos sociais negativos para os próprios, embora com efeitos sociais positivos para os que beneficiam dos apoios da Santa Casa da Misericórdia, a proibição é a melhor solução para se obter o resultado que se pretende: defender as pessoas delas próprias.
Esta solução, proibir o que se considera errado - cobiçar a mulher do próximo, por exemplo - ou o que se considera perigoso para o bem estar de alguém - o consumo de drogas duras viciantes, por exemplo -, é uma solução com milhares de anos de aplicação e, por isso, existe abundante evidência sobre os efeitos sociais dessas proibições.
Quando a proibição corresponde a uma sentimento social generalizado - não matarás - ela não resolve o problema, na medida em que continua a haver assassinatos, mas dá origem a um conjunto de medidas que pretendem defender terceiros dos efeitos negativos dos assassinatos.
A proibição, nessas circunstâncias, é apenas uma condição administrativa que permite ao Estado aplicar o monopólio da violência legal contra os que executam actos proibidos.
Incluindo o estabelecimento de polícias, para prevenir assassinatos ou encontrar os suspeitos, sistemas judiciais que permitam avaliar em que medida a violação do interdito tem maior ou menor justificação ou gravidade, nuns países, proibição de uso de armas, noutros países, liberalização do uso de armas, as duas coisas com o mesmo objectivo de evitar inocentes sejam assassinados, campanhas mais ou menos formais, incluindo sistemas escolares que transmitam valores que condenem os assassinatos, mas que ensinem também atitudes de prudência para evitar acidentes de que resulte a morte de terceiros, etc..
E o Estado pode também desenvolver muitos outros mecanismos não coercivos, ou limitadamente coercivos, de apoio às vítimas de si próprias, quer trabalhando os fundamentos sociais que levam as pessoas a acreditar que ganhar o euromilhões é a única forma de se libertarem do fardo de pobreza que carregam, quer trabalhando os mecanismos de saúde mental que se relacionam com as inúmeras formas possíveis de adição e dependência.
O que manifestamente não resolve nada é a proibição do jogo, por si só, como mostram centenas de anos de jogo clandestino.
No dia em que o Estado resolver deixar de aplicar a si próprio a excepção da proibição do jogo, encontrando meios financeiros alternativos para financiar as suas acções sociais, eu não protestarei.
No dia em que o Estado resolver liberalizar o jogo, ao mesmo tempo que o regulamenta e reforça os mecanismos não coercivos, ou limitadamente coercivos, para apoiar as vítimas das adições, dependência ou vício, eu não protestarei.
Mas no dia em que o Estado, a pretexto de defender as pessoas que têm dificuldade em gerir as suas opções, resolver proibir as raspadinhas, pensando que ficou o assunto resolvido, nesse dia protestarei.
Sem virtude nenhuma, não é uma questão moral, para mim, é uma questão de eficácia das medidas para lidar com problemas complexos.
Onde tenho uma posição moral é em achar que o livre-arbítrio inclui a liberdade para me prejudicar a mim próprio, sem que isso dê ao Estado o direito a impedir-me de me prejudicar, na medida em que isso não prejudicar terceiros.
«Ruído» - críticas ou clamor de protesto de quaisquer setores não socialistas em reacção a repetidas demonstrações socialistas de incompetência, ignorância, inadequação, má gestão e decisões ruinosas (para os contribuintes, não para os socialistas - sobre decisões ruinosas para os socialistas ver fassismo, neoliberalismo, populismo).
Não deve ser só para mim, que Tiago Oliveira repete a ideia ontem na RTP3 (numa excelente entrevista aí pelas dez e meia da noite). E hoje de manhã na SIC Notícias, pelas 8 e 40 da manhã, quando a jornalista contristada fala do grande número de fogos em Portugal entre Janeiro e Abril, Tiago Oliveira não está com rodeios e diz taxativamente: foi óptimo, e se em vez de dois mil fogos fossem quatro mil, era óptimo na mesma.
Chegou agora às livrarias, em Português, Piroceno, de Stephen Pyne, cuja leitura recomendo, mesmo antes de eu ter lido (conheço o livro, não o li, mas já li vários comentários sobre ele e ouvi a apresentação que dele fez o próprio Stephen Pyne).
Uma das grandes virtudes de Stephen Pyne é falar do fogo a partir de uma perspectiva das humanidades, como ele próprio disse, apresenta metáforas em vez de modelos matemático e resultados de laboratório, o que, digo eu, lhe permite chegar ao público não especializado na matéria.
E agora entro no jornalismo.
Para além de fogachos informativos - Stephen Pyne, Tiago Oliveira, José Miguel Cardoso Pereira, Paulo Fernandes, Carlos Câmara, Nuno Guiomar, António Salgueiro se o convencerem a falar para as televisões, o que é raro, e mais meia dúzia, se tanto - o essencial da forma como o jornalismo trata o fogo é bem ilustrado pelo facto de andarem há dois dias à volta do magno problema (acham eles, eu acho óptimo, é dinheiro que se poupa) de faltarem não sei quantos meios aéreos para chegar ao número previsto para este ano.
E falarem do drama dos dois mil fogos nos primeiros quatro meses no ano, ou o problema do fogo de Primavera da serra da Estrela (que a repórter no local já sabia ser fogo posto porque o presidente de câmara disse que era), ou a mão criminosa, ou os eucaliptos, enfim, o que quiserem.
Bastava levarem a sério a ideia de que deveriam estar a olhar para a economia global, e deixarem de justificar tudo com o clima global para o resultado global do trabalho de jornalismo sobre fogos fosse muito melhor.
O fogo tem uma parceria de promoção mútua connosco há milhares de anos, mas alguém traiu a confiança que fundamentava essa relação e, aparentemente, não foi o fogo.
O problema é que restabelecer confiança é muito mais difícil que destrui-la e ainda vai levar muitos anos a estabilizar as consequências do divórcio litigioso que provocámos.
"A sustentabilidade do sistema de saúde depende, por demais, da promoção da saúde e prevenção da doença. ... Devemos assumir, como outros países já fizeram, uma meta de tabagismo zero. As propostas de medidas são boas, mas ainda terão de ir mais longe ... Mais do que proibir a venda em máquinas que, obviamente, não deverão estar disponíveis em determinados locais, será bom considerar que a venda de tabaco, em locais autorizados, só se faça através de máquinas automáticas com controlo de idade por documento como o cartão de cidadão e com limitação do número de maços passíveis de aquisição por dia (1 a 2). Infelizmente ... a educação para a saúde tem funcionado para incentivar os adultos a deixar de fumar e não tem sido capaz de conter a entrada no vício de novos fumadores jovens. ... Não podemos criticar a falta de resposta dos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, não apoiar as medidas de combate ao tabaco e álcool. Ainda nos falta avançar no combate ao álcool com a proibição de consumo na via pública (como se fez durante a pandemia) ... Haja coragem e força para lutar pelo que é cientificamente certo e socialmente justo. ... Neste caso, de defesa de uma garantia constitucional, não é relevante saber quando muda o Governo, nem discutir se a questão é de esquerda ou de direita. É de todos e é para avançar já! Sem hipocrisias."
Gosto de ler as opiniões de Fernando Leal da Costa quando são sobre saúde e sistemas de saúde.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, as opiniões acima não são sobre saúde ou sustentabilidade de sistemas de saúde, são opiniões morais e de orientação moral, nada mais que isso.
A ideia central é a de que a sustentabilidade do sistema de saúde depende das escolhas de vida de cada pessoa e, consequentemente, é legítimo ao Estado (se quisermos ser mais moderados, à sociedade) a imposição de medidas coercivas de limitação da liberdade dos indivíduos para garantir um bem maior: o direito à saúde de terceiros, que se materializa pela sustentabilidade dos sistemas de saúde.
Num passe de mágica, os sistemas de saúde deixam de servir para apoiar as pessoas, tal como elas são e escolhem viver, são as pessoas que têm de ser obrigadas a comportar-se de acordo com os limites de sustentabilidade dos sistemas de saúde.
Sobre isso, tenho algumas novidades a dar, apesar de serem novidades com milhares de anos.
Os interditos existem desde que existe gente, os sistemas de repressão sobre quem viola esses interditos também, as razões - o que é científico e socialmente justo - também, mas desde sempre as pessoas violaram esses interditos, mesmo quando lhes estavam associadas penas tão graves como a pena de morte.
"Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória."
Não, esta citação já não é de Fernando Leal da Costa, é de Jorge de Sena, que sabia o que era a "a fome irrespondível que lhes roía as entranhas", um pormenor que Fernando Leal da Costa resolve rapidamente com um "É de todos e é para avançar já! Sem hipocrisias".
Não, meu caro, não é de todos, é de cada um e é a cada um que compete decidir o que quer fazer da sua vida.
O limite não é o que é científico e socialmente justo, o limite é "a fome irrespondível" do outro, nada mais que isso.
Não entro sequer na discussão sobre o que há de científico em ter praias livres de fumo, nem o que há de socialmente justo em obrigar os velhotes das aldeias a inventar soluções para ter acesso a tabaco quando a tabacaria mais próxima está a dez quilómetros de distância (eu sei, eu sei, vão nascer tabacarias como cogumelos pelo país, não sei o que distingue uma tabacaria de um café, mas de certeza que haverá um cantinho do café que rapidamente, com um tabique qualquer, passa a tabacaria, todos sabemos disso e todos sabemos que na verdade este tipo de medidas maximalistas são essencialmente sinalizações de virtude, a que a inventividade das pessoas comuns se encarregará de dar uma resposta que sirva as pessoas comuns), o que me interessa é mesmo o essencial: com que direito moral o Estado ou a sociedade se arroga o direito a impôr, coercivamente, uma visão moral a terceiros cujas escolhas só afectam o próprio?
Escusam de vir com a conversa da sobrecarga dos serviços de saúde: a antecipação da morte aumenta muito a sustentabilidade dos sistemas de segurança social.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao Céu e disse: «Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho Te glorifique, e, pelo poder que Lhe deste sobre toda a criatura, Ele dê a vida eterna a todos os que Lhe confiaste. É esta a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo. Eu glorifiquei-Te sobre a terra, consumando a obra que Me encarregaste de realizar. E agora, Pai, glorifica-Me junto de Ti mesmo com aquela glória que tinha em Ti, antes que houvesse mundo. Manifestei o teu nome aos homens que do mundo Me deste. Eram teus e Tu mos deste e eles guardam a tua palavra. Agora sabem que tudo quanto Me deste vem de Ti, porque lhes comuniquei as palavras que Me confiaste e eles receberam-nas: reconheceram verdadeiramente que saí de Ti e acreditaram que Me enviaste. É por eles que Eu rogo; não pelo mundo, mas por aqueles que Me deste, porque são teus. Tudo o que é meu é teu e tudo o que é teu é meu; e neles sou glorificado. Eu já não estou no mundo, mas eles estão no mundo, enquanto Eu vou para Ti».
Palavra da salvação.
Não há muito tempo, foi publicado o livro vermelho dos mamíferos de Portugal Continental.
Há muitos anos que lido com este e outros assuntos conexos, nomeadamente censos e atlas de biodiversidade - que deveriam alimentar as revisões periódicas dos estatutos de ameaça das espécies - ao ponto de ser um dos principais responsáveis pela criação de um Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados no regime jurídico de conservação da natureza.
Por um dos principais responsáveis quero dizer que fui um dos principais redactores desse diploma jurídico e nas discussões sobre essa matéria, Pedro Gama, jurista que é outro dos pais das propostas desse diploma, sugeriu a figura do cadastro para resolver uma série de problemas de registo e protecção legal de valores naturais, sem dependência de decisões comunitárias, tendo nós os dois desenvolvido a solução base que foi proposta (há alterações da versão final publicada em relação ao proposto, como é natural, propõe quem tem de propor, decide quem tem de decidir).
Devo dizer que a acumulação de frustrações relacionadas com estes assuntos só não me esmaga porque eu não sou muito de ficar esmagado por coisas dessas.
Quando saiu agora mais este livro vermelho, fui ver e, como eu já esperaria, fui ficando cada vez mais incomodado, não por ver o que me parecem erros, isso acho normal, mas porque os erros são sempre os mesmos, não aprendemos porque não avaliamos nem discutimos resultados.
Comecei a escrever um texto de opinião, mas como o queria bem fundamentado, o texto foi crescendo até às sete ou oito páginas.
Com isso na mão, fui ter com o Observador, perguntando se não queriam publicar o que tinha escrito, como ensaio.
Confesso que esperaria uma resposta simpática a mandar-me dar uma curva: um texto longo, sobre o um assunto que deve interessar a menos de 50 pessoas, que voluntariamente se afasta do dramatismo e das previsões catastróficas, sem apostrofar ninguém e responsabilizar os interesses pelo apocalipse ambiental e a extinção das espécies, até a mim me parecia um texto impublicável.
Enganei-me, o Observador publicou-o ontem, e tiro o chapéu à decisão.
Só tenho dúvidas das razões para ser um texto reservado a assinantes: que diabo, são tão poucos os interessados nele, que se ainda assim se restringe a leitura aos que, ao mesmo tempo, assinam o jornal, torna-se difícil que alguém o leia.
Paciência, é um comentário lateral, o que queria fazer ressaltar é mesmo a decisão de um jornal publicar uma coisa destas.
Obrigado.
Já devo ter feito algum post com este título, que eu gosto do Cesário Verde e várias vezes me tem sido útil o que escreveu: "Nós vamos para lá; somos provincianos,/ Desde o calor de maio aos frios de novembro!".
Vem isto a propósito do meu post anterior em que louvava o efeito civilizador da repressão.
Sem surpresa, aparecem as caixas de jornais dos países civilizados, como se os cestos dos peditórios das missas não circulassem em Portugal sem ser preciso um polícia para impedir as pessoas de ficarem com o dinheiro.
Lá vem a educação e a cultura dos povos, mesmo que se reconheça que fora do contexto em que esses povos são educados e civilizados existem milhares de exemplares de civilizados que se mostram trogloditas e trogloditas que se comportam como civilizados, quando transportados para os contextos sociais dos civilizados.
Porfírio Silva (sim, o do PS, que conheço pessoalmente, de quem gosto, o que não me impede de reconhecer nele um grande sectário) tem um livro muito interessante chamado "Podemos matar um sinal de trânsito?", que já várias vezes tenho citado.
E cito-o por causa de uma ideia especialmente bem formulada: as normas sociais, ao contrário dos corta-relvas, reforçam-se com o seu uso, e degradam-se com a falta de uso.
As normas, por definição, definem uma fronteira.
Se cruzar essa fronteira for irrelevante, a norma torna-se irrelevante.
A mim parece-me que é a repressão associada a esse cruzar da linha que a torna mais definida, não deixando de achar curioso que se confunda o aumento da repressão com aumento da polícia, quando a repressão é anterior à polícia e a polícia não é condição suficiente de repressão.
Dizer (para usar um exemplo que foi usado a propósito do assunto) que os alunos ingleses não copiam na universidade sem discutir se a sanção para ser apanhado é a mesma que em Portugal (aparentemente, não, em Portugal ser apanhado significa a mesma sanção que não estudar, isto é, ter a prova anulada, e em Inglaterra parece que pode ter efeitos na inscrição em qualquer universidade, diz Eugénia Galvão Teles), ou falar das caixinhas de jornais sem discutir se existem caixinhas de jornais em todo o lado ou só nas zonas mais movimentadas, ou se o custo relativo de uma hora de trabalho em relação ao preço de um jornal é a mesma nos diferente países (o que tem implicações nos custos da fraude e dos mecanismos para a evitar), não serve de muito.
Já discutir a obsessão dos nossos legisladores em querer garantir mecanismos prévios para evitar a fraude, em vez de confiar nas pessoas e ter mecanismos posteriores de sancionamento da fraude, quando ela é detectada, verdadeiramente eficazes, parece-me bem mais útil.
O facto é que reconhecer que nós somos muito mais parecidos com eles nos responsabiliza muito mais pelas nossas escolhas institucionais (como é que um povo que elege duas vezes Sócrates e ainda dá uma maioria absoluta a Costa se ri das votações dos brasileiros ou da eleição de Trump?) que simplesmente dizermos que "o país é um colosso, anda tudo grosso", como ouvi ontem à administrativa que se queixava do funcionamento dos serviços públicos, citando Ivone Silva.
"Ai que prazer, não cumprir um dever", etc..
Os povos apenas se podem lamentar daquilo que perderam. A monarquia é o grande paradoxo, função de privilégio, mas também de dever, de opulência, mas também de humildade, de comando, mas sobretudo e essencialmente de serviço. E a propósito sempre recordo as palavras de Barrilaro Ruas quando referia que o rei é "cativo" da história, um prisioneiro do cargo que desempenha. Conduzido por forças que nem ele nem ninguém controla é escolhido pelo acaso que é a virtude da natureza. O rei vem apenas para encarnar a história e por isso encarna todas as instituições.
Se o ofício parece invejável tal seria erróneo pensar. Todos os momentos de lazer, privilégio e descontracção são observados pelo pesado fardo da responsabilidade. Não há um segundo de descanso, nem um momento onde possa abandonar as vestes de monarca. Ao contrário do presidente que está a prazo, o monarca fica, porque este não é apenas um cargo, mas um destino. É um poder vitalício que se opõe à tirania, porque esta não conhece limites ao exercício do poder e o monarca está rodeado por todo um conjunto de regras, instituições e obrigações.
Não é um funcionário, mas um guardião das instituições. Não é apenas um Chefe, mas parte de toda a nossa família. Não é apenas uma formalidade decorativa, mas parte da própria Constituição. A monarquia não é democrática, mas é a garante da liberdade e pode muito bem conviver com instituições representativas. O marquês de Lafayette lá diria que o essencial era rodear o trono de instituições republicanas, queria ele dizer que o trono nao podia abdicar desses elementos essenciais que caracterizam os regimes constitucionais. Embora constitucional tenha sido sempre toda a monarquia, porque lei fundamental sempre houve, pese a consequência de as revoluções modernas terem conduzido o formalismo dessa lei por canais ideológicos que muitas vezes comprometem a própria instituição.
Sobretudo, e de um ponto de vista simbólico, o rei é o guardião da liberdade e da independência dos povos. Mas a monarquia é como o cristal, uma obra de arte que é o produto de séculos, irrepetível e inimitável, uma vez perdida dificilmente (ou raras vezes) voltará ou, voltando, assumirá configurações diferentes. Se se sustenta na força das convenções e das tradições aí também reside a sua fragilidade. Independentemente de casos onde a monarquia voltou o certo é que uma vez cortados os vínculos que a uniam ao povo nada voltará a ser como dantes. E ao admirarmos o orgulho e o apoio que momentos de celebração propocionam apenas podemos lamentar aquilo que perdemos.
"Hoje às 17:30 na Avenida de Berna, direcção Praça de Espanha. Um trânsito infernal, mesmo de mota é difícil "furar". Chegado a um cruzamento, paro no sinal vermelho e o cenário é este: duas motas usam a ciclovia (vazia, por sinal) para passarem à frente dos carros. Do lado oposto vem um trotineta que passou um vermelho e atravessa o cruzamento na minha direcção (em sentido contrário) e depois das motas passarem, entra para a ciclovia (também em sentido contrário) e daí salta para o passeio. Uma senhora de bicicleta que transporta uma criança de 2/3 anos na cadeirinha, aparece não sei de onde, mas coloca-se à frente de todos e atravessa o cruzamento ignorando o sinal vermelho. Vem um carro da rua à esquerda e o condutor trava para não acertar na ciclista, que por sua vez faz um ar aborrecido. Recua, deixa o carro passar, e segue o seu caminho por entre as obras que ocupam faixa e meia.
Mobilidade suave, pois sim."
Não era o Zaratrusta, era um amigo meu que assim falava.
"É a perversão das estratégias… podem ser incríveis, mas se aplicadas a “trogloditas” não têm como funcionar….
Não é por acaso que tudo funciona melhor nos países nórdicos, em que as pessoas estão habituadas a cumprir as regras…. Os sulistas dão-se mais ao improviso e depois queixam-se das trotinetes, não de quem as utiliza e/ou abandona"
Continuava a não ser o Zaratrusta, era uma amiga do meu amigo que assim falava, em resposta à fala anterior.
Passo a vida a dar este exemplo, e volta a ser útil.
A minha irmã, que teve polio e por isso tem um sentido agudo e prático destas questões, e para além disso teve na vida várias alturas de ligação estreita à Suécia, diz que os lugares de estacionamento para deficientes (se eu quisesse verdadeiramente levar a minha irmã aos arames era ter escrito agora uma das novas modas woke, chamando diversidade funcional à deficiência), nos IKEA da Suécia, estavam sistemática e indevidamente ocupados.
Na Suécia, esse paraíso de civilizados que a minoria não troglodita do Sul inveja?
Sim, na Suécia, e a explicação é simples: sendo os estacionamentos do IKEA espaços privados, a polícia não tem competência para actuar, logo os civilizadíssimos suecos estão-se nas tintas para as regras e fazem o que entendem.
Claro que não são os civilizadíssimos suecos, são os trogloditas suecos que não encontram barreiras repressivas eficientes à sua falta de civilidade.
Basta ver o que acontece em terras de gente civilizada que cumpre regras, quando a repressão é suspensa, como aconteceu em Nova Orleães logo depois do Katrina, ou como foi na cultíssima e civilizada Alemanha que um populista troglodita se impôs mais eficazmente, para perceber que a civilização é um verniz frágil que se quebra à mínima contrariedade.
E que aquilo a que chamamos falta de civismo é, frequentemente, falta de polícia e de repressão.
Não, não é falta de regras, isso é a parte fácil, mudar a legislação, proibir a actividade, seja o que for, essa é a parte fácil.
O que falta é mesmo repressão eficaz.
E isso é independente da preocupação de garantir mecanismos de defesa de cada pessoa contra o abuso da repressão e autoridade, uma questão que permanece, seja a repressão eficaz ou ineficaz.
Sem repressão, é muito difícil ter comunidades civilizadas, por mais que sejam aos pontapés os exemplos de coexistência entre repressão eficaz e falta de civilidade, o que não existe é coexistência de falta de repressão e civilização.
Ou, voltando à conversa inicial e ao que dizia o meu amigo, não existem comunidades eficientes quando se pergunta onde pára a polícia e ninguém sabe responder.
Não conheço José Teixeira de lado nenhum a não ser do Facebook, onde verifiquei que temos proximidades várias, como a de não nos importarmos de ver o Notting Hill vezes sem conta.
E o interesse por Moçambique, também.
O texto de que transcrevo apenas um parágrafo vale todo ele a pena.
Quer pelo que diz, quer pela demonstração de que, aos poucos (e nem falo de revistas como a Crítica XXI), os intelectuais não alinhados com a vontade de salvar o mundo, mesmo que pela força, começam a ter direito de cidade.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim. Em casa de meu Pai há muitas moradas; se assim não fosse, Eu vos teria dito que vou preparar-vos um lugar? Quando Eu for preparar-vos um lugar, virei novamente para vos levar comigo, para que, onde Eu estou, estejais vós também. Para onde Eu vou, conheceis o caminho». Disse-Lhe Tomé: «Senhor, não sabemos para onde vais: como podemos conhecer o caminho?». Respondeu-lhe Jesus: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. Se Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. Mas desde agora já O conheceis e já O vistes». Disse-Lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai e isto nos basta». Respondeu-lhe Jesus: «Há tanto tempo que estou convosco e não Me conheces, Filipe? Quem Me vê, vê o Pai. Como podes tu dizer: ‘Mostra-nos o Pai’? Não acreditas que Eu estou no Pai e o Pai está em Mim? As palavras que Eu vos digo, não as digo por Mim próprio; mas é o Pai, permanecendo em Mim, que faz as obras. Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim; acreditai ao menos pelas minhas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita em Mim fará também as obras que Eu faço e fará obras ainda maiores, porque Eu vou para o Pai».
Palavra da salvação.
No dia 6 de Maio de 1908, D. Manuel II é aclamado Rei de Portugal, aos 18 anos confronta-se com um país em rebuliço, explosivo nos ódios à coroa e à religião. Um Rei que não estava destinado a sê-lo, um rei inesperado. Ainda no luto da morte do pai e do irmão aceitou o pesado cargo que desde Afonso Henriques assegurara a independência e a liberdade da pátria.
Não tinha como recuar. Os desígnios dos povos são sempre misteriosos e a história que encarnam vem devolver as esperanças às pátrias sem rumo. Esperançou uma «Monarquia Nova», marcada pelo avanço do Partido republicano, pelas conturbações e ataques que não auspiciavam o melhor. Estava destinado à tragédia. João Chagas escrevia "«Vossa majestade chega demasiado novo a um mundo demasiado velho», como articulando todas as desvantagens que sobre o rei caiam.
Procurou a reconciliação, mas o ódio crescia; procurou recuperar a confiança na coroa, mas o reinado de D. Carlos acumulara inimizades, mesmo no interior da monarquia. Se D. Carlos fora o rei interventivo e energético e a sua ousadia levara-o à morte, D. Manuel procurou o rumo contrário, não intervindo, reinando, mas não governando, ainda que sempre com grande interesse pelos assuntos do Estado, estudando-os a fundo, discutindo-os com os ministros, os velhos e corruptos ministros dos partidos do rotativismo que o traíram, como tinham traído ao seu pai.
O exílio ajudou-o a descobrir um estudo mais profundo, aliás, a alcançar o estatuto de um erudito bibliófilo. Na Primeira Guerra Mundial prestou auxílios a Portugal, e pediu aos monárquicos que não continuassem com acções revolucionárias contra o Governo, estávamos na época da Monarquia do Norte, das incursões de Paiva Couceiro, quando no poder ocupava o cargo de presidente o almirante monárquico Canto e Castro, um jornalista da época encontrava a ironia, indicando que "Portugal é um país de paradoxos: tem um rei republicano no exílio e um presidente monárquico no poder".
Morreu a 2 de Julho de 1932, o corpo voltou à terra que tanto amava, mas creio que a alma nunca de cá saiu, o mar e a terra portuguesa nunca o abandonaram e foi, até à morte (mesmo quando ilegitimamente deposto) rei de Portugal e como rei legítimo veio a enterrar na "Lusitânia antiga liberdade".
(publicado hoje no Observador)
Chamem-lhe crise ou chamem-lhe guerra, mas agora há um líder. Alguém o segue?
Liderança. Em 22 de abril de 1941, Henry Stimson, o ministro da Guerra americano, um «falcão», leal conselheiro de Roosevelt, mas cansado das suas hesitações perante o domínio nazi na Europa, farto das excessivas cautelas perante a forte corrente isolacionista no país, fez chegar ao Presidente uma crítica sob forma de conselho, um comentário que era uma repreensão e uma pérola. Com inteligência temperada com a elegância de um amigo, disse assim: «Sem liderança de parte dele seria vão esperar que as pessoas tomassem espontaneamente a iniciativa de lhe fazerem saber se o seguiriam ou não caso ele tomasse de facto a liderança».
Líder. Ontem, às 20 horas, o Presidente da República portuguesa falou ao país e, em resumo disse:
- que o comportamento do ministro Galamba é irresponsável, incompetente, e, portanto, indigno de confiança e comprometedor da sua autoridade; e que não basta pedir desculpa, porque não fica tudo na mesma;
- que se governo e chefe de governo não compreendem isto, se acham que nada disto importa nem tem consequências, então há uma divergência profunda com o Chefe de Estado, e é também o governo que é irresponsável, incompetente, e portanto indigno de confiança e falho de autoridade;
- que o Presidente não dissolve a assembleia, porque os portugueses não desejam esse sobressalto, desejam é que o governo governe, para que não aconteça como até agora que os números [leia-se: a propaganda] nunca cheguem sob forma de benefícios à vida das pessoas;
- mas que, quebrada a confiança no governo e no primeiro-ministro, tendo em conta a confirmação dessa diferença «profunda» sobre lealdade, ética e métodos, o Presidente está a partir de agora obrigado a vigiar com mais atenção, e a avaliar, e a intervir constantemente.
Descrevi aqui no Observador, há dias, o filme do meu wishfull thinking: o filme de um Presidente da República traído e frio, eficaz, mas contido, a utilizar a sua inteligência, cultura e contactos superiores para fritar longa deliberada persistente e malevolamente o político «hábil» na manobra, mas medíocre na governação, até que se afaste a bem do progresso, da sanidade e da decência.
Ora o discurso do Presidente, se não é o meu wishfull thinking, é muito, muito parecido.
Audiência. Surpreendentemente, alguns comentadores conotados com a direita não compreenderam e não gostaram. Queriam dissolução, queriam sangue. E, estonteados com a blitzkrieg da sua própria inteligência, ou embalados no ódio de estimação a Marcelo, ou cristalizados na antiga visão do Marcelo das intrigas e dos factos políticos, declararam o «hábil» Costa vitorioso, e deram-lhe pontos. Não pensaram nem por instantes nas vantagens de um Governo próxima e metodicamente escrutinado. Não pensaram nem por instantes no risco de umas eleições intercalares à pressa, subestimaram as armas que o PS tem agora, e nem olharam para os próprios media onde comentam. Se tivessem olhado teriam visto na Sic e na Tvi, no dia a seguir à decisão de Costa de manter Galamba, uma barragem de propaganda socialista verdadeiramente obscena, a pretexto do «Governo mais próximo».
Não compreenderam sobretudo, esses comentadores conotados com a direita – porque nem sequer ouviram, e nem sequer repararam – que Marcelo se apresentou como líder da oposição. Porque é assim que se traduz esta sua afirmação (e Marcelo nem diz, nem muito menos escreve, o que não quer dizer ou escrever): «Como Presidente da República escolhi há mais de sete anos tudo fazer para garantir a estabilidade constitucional. E penso ter conseguido, vindo de um hemisfério político — da direita — conviver esses mais de sete anos com Governos do outro hemisfério político — o da esquerda — sem conflitos institucionais sensíveis».
Pois é, mas como não há «capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade, autoridade», também não há «respeito» nem «confiança» – disse o PR e eles esqueceram-se de ouvir.
Esteira. Há definições de liderança para todos os gostos, e o mesmo para a caracterização dela. Uma coisa é certa: centro-direita e direita deixaram de ter, desde ontem, a possibilidade de desculpar as próprias inacção e apatia, as guerras intestinas de alecrim e manjerona, com o pretexto lamentoso da distância, do desamor, da acrimónia do Presidente (que por vezes foi culpado, é um facto). Pouco me interessa se PSD e IL e CDS se aliam ou não, desde que se entendam, e trabalhem, e proponham programas, e intervenham. Pouco me interessa que PSD, IL e CDS não queiram alianças com o Chega, desde que se lembrem de 399.510 votos. O que me interessa é saber se, depois de declarar guerra à desordem e mau governo socialista, o Presidente olha para trás e não vê ninguém com ele.
É, de facto, como dizia Stimson: agora, é esperar que as pessoas tomem espontaneamente a iniciativa de lhe fazerem saber se o seguem ou não, agora que ele tomou de facto a liderança.
A Coroação de Carlos III que ocorre hoje coincide com o 115.º aniversário da aclamação de D. Manuel II, último rei de Portugal até à data. Foi exactamente neste dia, em 1908, três meses depois do miserável assassinato do Rei Dom Carlos e do Príncipe Real Dom Luís Filipe no Terreiro do Paço, que o jovem rei se dirigiu ao palácio de São Bento para a cerimónia pública que simbolizava a comunhão entre o soberano e o seu povo, que o reconhecia como o primeiro entre iguais. Ao contrário do que acontece noutras monarquias, em Portugal, por tradição iniciada com Dom João IV, os reis deixaram de ser coroados, entregue que foi a coroa do reino de Portugal a Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa em agradecimento pela Restauração da Independência.
A solenidade da aclamação de 6 de Maio de 1908, profusamente fotografada e reportada pela imprensa da época, decorreu no hemiciclo de São Bento, perante os Deputados e Pares do Reino e do executivo liderado pelo Presidente do Conselho de Ministros Francisco Ferreira do Amaral. Dom Manuel jurou observar e fazer observar a constituição política da Nação portuguesa, promessa que cumpriu até à sua morte precoce, já no exílio em Twickenham. Teve um reinado trágico, shakespeariano.
Passados exactamente 115 anos sobre a aclamação do Patriota Desventuroso, hoje é dia de festa no Reino Unido. A coroação de Carlos III, numa cerimónia que extravasa as fronteiras dos seus Reinos e da própria Commonwealth, é um evento de âmbito global ecoará pelo mundo, em directo da Abadia de Westminster, numa Londres engalanada e disposta a viver uma gigantesca comemoração popular. É este o poder de atracção da monarquia britânica, cujo sentido de equilíbrio de um povo tão pragmático quanto zeloso da sua especificidade dignificou, fez permanecer e tornar um elemento harmónico e indispensável ao seu sistema democrático. Este vem resistindo aos mais turbulentos ventos do auto-proclamado progressismo e tem na Coroa um garante da coerência, do equilíbrio e do prestígio das instituições, simultaneamente vetustas e actualizadas, que compõem e asseguram a continuidade de uma das mais antigas democracias parlamentares do planeta. Esta democracia plural é profundamente participada, pujante e ruidosa, alicerçada numa sociedade civil dinâmica, exigente e até contestatária na defesa dos muitos interesses conflituantes, espelhados numa imprensa livre, independente e interpeladora, quantas vezes sensacionalista.
A cerimónia da Coroação, que irá mobilizar e animar o país durante três dias, contará com mais de 2 mil convidados. Entre eles, estarão chefes de Estado de vários países, políticos e representantes de outras monarquias e casas reais europeias, e contará com militares, funcionários públicos, líderes comunitários, filantropos, numerosos artistas e personalidades. O poeta e músico australiano Nick Cave participará na celebração. Segundo o próprio, a sua presença corresponde a um "apego inexplicável" à família real britânica. Este é o mistério das monarquias. Todo o planeta será testemunha deste acontecimento raro e precioso e que viverá na memória de quem o acompanhar.
Enquanto isso, em Portugal vive-se um clima de histeria insalubre que já transborda da bolha mediática para a rua e para as conversas de café: não há cigarros nem pipocas suficientes para acompanhar a deplorável telenovela que cola quase todos às televisões. O Chefe de Estado e o Governo nomeado há pouco mais de um ano encontram-se em conflito aberto, como já aconteceu, tristemente, tantas vezes nas últimas décadas. Bizarra república, a nossa, em que duas das principais instituições do Estado foram arquitectadas para se contraporem e digladiarem em guerrilha política, para regalo circense da turba. Não será essa uma das causas do nosso atraso socioeconómico, pobreza e desleixo?
Num país civilizado, a Câmara dos Deputados (dos Comuns, no Reino Unido) seria o espaço destinado ao confronto e ao conflito democrático, que é natural e desejável entre facções, podendo contar com a mediação duma Câmara Alta. Ah, e nesse país os tribunais funcionariam. Numa democracia avançada, com uma maioria parlamentar eleita há pouco mais de um ano, mesmo perante uma crise grave, o Governo ver-se-ia obrigado a corrigir os seus erros, e, estimulado pelos deputados que constituíssem o seu sustentáculo parlamentar, representantes verdadeiros dos seus eleitores, teria de regenerar-se e de trabalhar – veja-se o caso paradigmático do governo e da maioria conservadoras no Reino Unido: a sequência dos escândalos de Boris Johnson foi seguida da crise com a efémera Liz Truss, até à estabilização com Rishi Sunak.
O maior problema de Portugal é a fragilidade das suas instituições num sistema político de raiz revolucionária, estagnado, afunilado e absolutamente incapaz de se regenerar. Os portugueses, capturados pelo “progressismo” que assassinou os seus reis, destruiu as suas tradições e truncou o ensino da sua História, foram, há gerações, acometidos pelo conhecido Síndrome de Estocolmo (estado psicológico particular em que uma vítima de rapto, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor) e parecem acomodados à mediocridade a que esta apagada e triste República os acorrentou.
Eu não me conformo.
Artigo publicado originalmente no Observador
Enviada a Inglaterra para coordenar a reportagem da coroação Clara de Sousa tem como notícia que debita sorridente a cerimónia que realizarão amanhã os gatos pingados de «not my king»: é junto ao local onde foi decapitado o rei Carlos I, portanto uma «decapitação simbólica». Não disse nenhuma graça sobre Cromwell, de que os ingleses se envergonham e que ela provavelmente não conhece. Entretanto, uma das repórteres coordenadas, falando em frente das Casas do Parlamento, diz que a coroação será na Abadia de Westminster, «aqui atrás de mim», embora seja atrás dela mas um bocado lá para mais longe, depois do Parlamento ou Palácio de Westminster, que era o que ela tinha pelas costas. Por isso, amanhã, para não corrermos o risco de ouvir Clara falar da chuva ou do lixo das ruas no momento mais solene (como fez no enterro de Isabel II, quando o caixão descia lentamente e o gaiteiro se afastava comoventemente) convém ver outro canal televisivo.
(...) "Quais são os regimes mais propensos a golpes de estado e regimes autoritários? São repúblicas, em particular as presidencialistas. Quais foram os regimes mais violentamente repressivos de toda a história, provocando milhões de mortos entre a própria população? Repúblicas como a Alemanha nazi, a União Soviética ou a China comunista.
A história da Grã-Bretanha é um bom exemplo de que fazer equivaler monarquia e opressão, república e liberdade é, no mínimo, simplista. Um trauma central na cultura política britânica são as guerras civis de meados do século XVII, e, como resultado delas, o derrube da monarquia entre 1649-1660. Qual foi o resultado? A tomada do poder por um ditador militar, o general republicano vitorioso, Oliver Cromwell, e a dissolução forçada do parlamento. Por isso, desde 1688, os ingleses consolidaram um regime híbrido como a melhor forma de garantir as liberdades numa monarquia constitucional: “the crown in parliament”. Afinal numa democracia nem todos os órgãos de soberania têm de ser diretamente eleitos pelo povo, veja-se, por exemplo, os juízes, ou até, os presidentes de repúblicas tão relevantes como a Itália ou a Alemanha.
Haverá quem pense que as monarquias podem até ser garantias de continuidade e moderação, mas serão fortes bloqueios ao progresso. No entanto, se olharmos para mais um indicador objetivo, o índice de desenvolvimento humano, no top 10 de países com melhores condições de vida no planeta em 2022, cinco são monarquias, e na lista dos 10 mais atrasados nesse campo, todos são repúblicas. Também aqui não podemos simplificar." (...)
A ler o artigo de Bruno Cardoso Reis na integra aqui
Não fazendo parte do meu panteão, não lhe deixo de reconhecer as qualidades. Quando constatando no cenário devastador que hoje grassa na política internacional, com a impreparação e o amadorismo de quantos governantes, o quase analfabetismo das elites, o vazio nas ideias, torna-se inconsequente não invocar esses lídimos estadistas que vieram encerrar o ciclo dos grandes que imperaram no século XX.
Thatcher foi o anjo e o demónio do conservadorismo inglês. Mais "liberal" do que "conservadora",como acusou Blond; ou promotora de uma verdadeira "revolução cultural" que atacou a velha hierarquia, como descreveu Haseler. Foi a face modernista, dinâmica e liberal do conservadorismo, oposta ao espírito tradicional conservador britânico, decalcado no comunitarismo orgânico tradicionalista.
O Thatcherismo tornou-se simbólico a uma direita mais afeita ao progresso económico (liberal e capitalista), para eles, um alento à razão de ser do Reino e um sinal de optimismo, na crença no progresso e na vitória dos sistemas capitalistas demo-liberais, que encerrou o período da Guerra Fria.
No final de tudo, depois da guerra nas Falklands, também uma reconciliação entre o liberalismo económico, da qual foi arauto, e o sentimento nacional britânico. A paixão vem agremiada com os sentimentos mais revoltantes, pesarosos e inflexíveis, quer na direita tradicional, quer na esquerda. Os primeiros acusando-a de ser a mordaça da tradição e do verdadeiro espírito do partido conservador; os segundos vendo-a como a encarnação do mal, a inimiga das classes trabalhadoras, o verdadeiro Leviatã prestes a dizimar os programas sociais em nome da ideologia.
Foi há 44 anos que se tornou Primeira Ministra.
(publicado hoje no Observador)
É costume dizer-se que «uma imagem vale mil palavras», e esta, do pequeno acto de variedades nos bastidores da Assembleia da República no dia da visita de Lula, é dez vezes mais vocal do que aquela quantidade.
Primeira constatação: o cameraman/realizador é um profissional competente. Tanto que fez da sua câmara uma câmara subjectiva ao arrumá-la atrás de Costa. A câmara conta, portanto, a história do ponto de vista do primeiro-ministro, a terceira figura do Estado, em primeiro plano meio desfocado, mas impositivo, imóvel, ajuizando, acolhendo as explicações deferentes dos outros. A câmara é ele e é ele quem manda.
E que vê a câmara-Costa?
Vê primeiro, ao centro, falando e rindo, não Augusto Santos Silva, não o Presidente da Assembleia da República, não a segunda figura do Estado, mas apenas um homem ansioso que tem sobre tudo o que faz e diz uma ideia inflacionada de subtileza e argúcia, e que, no momento, explica que a fúria e os gritos em que eclodiu para criticar o comportamento da bancada do Chega durante a visita do presidente brasileiro era uma «fúria gélida», ou seja, diz que estava a ser teatral apenas. Assim se explica Silva a quem manda, e explica-se para reforçar -- pensa ele -- as hipóteses que tem -- segundo julga -- de um dia ser Presidente da República -- como sonha. É por Silva se explicar a quem manda que nele se nota já um esfregar serviçal de mãos e um natural esboço de vénia.
A câmara-Costa vê, à direita, não o Presidente da República, não a primeira figura do Estado, mas «os comentadores», como Costa que manda também por vezes lhe chama. E a primeira figura do Estado, que poderia e deveria ter-se contido sem comentar as tristes cenas acabadas de acontecer no plenário (tão confrangedor o protesto do Chega como o esbracejar e gritaria de Silva... e a própria presença de Lula), no entanto, não resiste e comenta. «Eu estava ali ao lado e a ver à minha direita...», começa ele, de olhos postos em quem manda, servindo entretenimento.
A cena é cruel para os protagonistas, mas se o Presidente da República tem, ao menos desta vez e sobre o pequeno filme, o bom senso de nada dizer, já a segunda figura do Estado abespinha-se, e critica, e ameaça com investigações e processos os autores e divulgadores de um filme feito com autorização oficial, feito onde e como é costume, e divulgado como é normal que seja. Compreende-se, porém, a indignação de Silva: na realidade, no filme, é ele o único que aparece verdadeiramente despido.
Já Costa nada tem a opor, ao contrário, já que o filme mostra quem manda.
Perdeu as eleições contra o primeiro-ministro que resgatou o país da bancarrota causada pelos socialistas, mas Costa aliou-se a extremistas para sobreviver e mandar. É certo que não manda como mandam os estadistas, que ambicionam o poder, evidentemente, mas para enobrecer o país, e dar mais riqueza e bem-estar ao povo. Costa não, Costa destruiu a TAP, destruiu o Serviço Nacional de Saúde, destruiu a Educação, destruiu os serviços públicos, acentuou a falência da Justiça, se lhe derem tempo destruirá a habitação, impôs a fraude do virar da página de austeridade enquanto cortava no investimento, cultivava com esmolas uma hoste de dependentes, ocupava o Estado com gente ávida e incompetente, e subia impostos, e empobrecia o país. Que importa? Pouco lhe importa! Costa não quer governar, e despreza o país e o povo. Quer mandar, apenas. A isto se resume a habilidade do «político mais hábil»: ele manda para si, e, de resto, para nada.
As coisas são o que são, e este filme é o que é. O filme que espero que se lhe siga releva do mais puro wishfull thinking: será o filme de um Presidente da República traído e frio, eficaz mas contido, a utilizar a sua inteligência, cultura e contactos superiores para fritar longa deliberada persistente e malevolamente (sim, gostaria que fosse também malevolamente, embora Marcelo, sendo "traquino", não seja mau como Costa) a fritar longa deliberada persistente e malevolamente este homem que manda, este político medíocre e pernicioso, até que seja afastado, ele e todos os seus silvas, a bem do progresso, da sanidade e da decência.
Post scriptum: Hoje, às 20 horas, o Presidente falou ao país. Em resumo disse:
- o comportamento do ministro Galamba é irresponsável, incompetente, e, portanto, indigno de confiança e comprometedor da sua autoridade; e não basta pedir desculpa, porque não fica tudo na mesma;
- se o governo e chefe de governo não compreendem isto, e acham que nada isto importa nem tem consequências, então há uma divergência profunda com o Chefe de Estado, e é também o governo que é irresponsável, incompetente, e portanto indigno de confiança e falho de autoridade
- O Presidente não dissolve a assembleia, porque os portugueses não desejam esse abalo, desejam é que o governo governe, para que não aconteça como até agora que os grandes anúncios nunca cheguem sob forma de benefícios à vida das pessoas;
- mas quebrada a confiança no governo, o Presidente está a partir de agora obrigado a vigiar com mais atenção e a avaliar constantemente a acção governativa.
Ora, se isto não é o tal filme que atribuí a wishfull thinking é, pelo menos, muito, muito, muito parecido.
Li por aí: "Tenho um corço na propriedade. Nem vejo mal nisso, isso até atinge os nossos objectivos, como permacultores que somos, mas confesso que não sei quais os passos seguintes a dar.
Será que ele se sentindo bem, vai trazer o resto da familia?
Não deveria o Estado ou uma ONG apoiar-me mesmo que financeiramente, para suportar os prejuizos?
não o queremos matar nem tão pouco o repudiar, mas confesso que temos receio do nosso coberto arboreo que é ainda muito jovem.
Alguem nos pode ajudar a encontrar uma solução nunca mortal?"
Esta mensagem é muito interessante por ilustrar bem os dilemas da nossa relação com a conservação.
Mesmo os mais radicais amantes da natureza, nem sei se é o caso, podem descobrir que a natureza não é feita de paz e amor, mas de luta pela sobrevivência e crueldade, onde cada um corre com a sua bicicleta.
Na mesma altura em que tinha acabado de ler isto, alguém comentava este relatório, chamando a atenção para o facto de 75% da área ardida na Europa, no ano de 2022, ter ocorrido em "áreas protegidas", um clássico muito usado em Portugal para criticar a gestão das áreas protegidas, como se não fosse normal que as áreas protegidas ardessem muito mais que o resto do país, pelo menos em alguns anos.
O próprio relatório refere "The analysis of the damage fires caused in the Natura 2000 network is of particular concern as they include the habitats of special interest and are home to endangered plant and animal species.", como se o facto de haver habitats e espécies protegidas num sítio automaticamente tornasse essa área sensível à presença do fogo, esquecendo que alguns desses habitats e espécies estão perfeitamente adaptados ao fogo e outros dependem mesmo de perturbações como o fogo para se conservarem.
A ideia de uma natureza ideal na qual deveríamos viver em harmonia com os elementos naturais é uma ideia muito popular mas tem, na sua base, uma ideia completamente errada, a ideia de que natureza nos é sempre favorável.
O simples facto de a nossa espécie, tal como as outras, nós somos é mais eficiente nisso, ter evoluído exactamente procurando condicionar a natureza, cultivando terras, domesticando animais, conduzindo a água, gerindo o fogo, manipulando a fertilidade, criando abrigos cada vez mais complexos, etc., pareceria uma demonstração evidente de como nos é hostil a natureza, independentemente de dependermos dela, em simultâneo.
E, no entanto, apesar da evidência esmagadora, continuamos convencidos de vivíamos num paraíso de que fomos expulsos por má conduta e nos cabe expiar a culpa pelas tropelias que fazemos à natureza.
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"o Chega é formado maioritariamente por elementos ...
-tá? é do xis? tenho problemas com este pc por não...
Um dia destes o PS importa da Alemanha a coligação...
Os pais respondem pela conduta dos filhos menores.
Subjectivamente, podem não querer saber, podem que...