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As Emoções Básicas (Crónica) VI

por Luís Naves, em 08.07.07

A Europa

(Aviso: quem não tiver pachorra para 800 palavras, siga para um blogue ao lado)
Duas semanas passadas sobre um acordo importante e a uma semana decorrida de presidência portuguesa da UE, muito se tem escrito sobre Europa. Os textos que li eram sobretudo de dois tipos: de um lado, estavam os defensores do futuro tratado europeu e críticos do referendo; do outro, os críticos do tratado e defensores do referendo.
Há evidentemente muitas matizes nos argumentos, mas o primeiro grupo acha que são muito substanciais as alterações ao Tratado Constitucional (TC, para quem não se recorda, texto chumbado pelos franceses e holandeses), o que justifica não haver a consulta popular que tinha sido prometida para o falecido documento; o segundo grupo lembra que o povo deve ser consultado por uma questão de democracia, afirma que não existe debate e lamenta o conluio dos chefes de governo numa decisão não-democrática.
Este é um tema muito difícil de abordar, na medida em que as duas teses ocuparam todo o espaço de reflexão. O ruído é tão intenso, que parece impossível explicar que ambos os lados da barricada imaginária têm razão e, paradoxalmente, estão desprovidos dela.
O ponto que não vi referido em lado algum (não tendo lido tudo, peço antecipadamente desculpa a algum autor que o tenha afirmado) é algo de muito simples: não há nenhum chefe de Governo que não deseje o novo tratado. Nem sequer os gémeos polacos, ao contrário do mito que se tenta impingir. Os líderes eleitos são todos pró-tratado.
Há um aspecto pouco compreendido sobre a União Europeia que convém reter: o conselho europeu é, de longe, o órgão mais importante da UE.
Se fizermos o exercício de comparar o sistema europeu ao americano, verificamos isso mesmo. O tribunal de justiça tem muito menos influência do que o supremo, com decisões importantes de cinco em cinco anos; nos EUA, o órgão mais relevante é a presidência, que não existe na Europa; o chefe de Estado forma um Governo, que é infinitamente mais poderoso do que o seu quase equivalente europeu, a comissão, que no fundo é uma entidade ao serviço do conselho e do Parlamento; a câmara baixa do congresso americano tem um poder vastamente superior ao do Parlamento europeu; mas as coisas invertem-se na câmara alta: o senado é menos influente no sistema do que o seu equivalente europeu, o conselho. Basta uma visita a um conselho para perceber isto: na política europeia, aquela é a entidade decisiva.
Ora, não há um único primeiro-ministro que não queira o novo tratado. Isto já era assim há dois anos, quando os chefes de governo eram quase todos diferentes; houve eleições, mudaram os responsáveis, mas a política é a mesma. Há dois anos, quando foi aprovado o TC, um terço do conselho europeu era diferente do actual. A senhora Merkel tinha acabado de chegar. Quem assinou por Portugal foi Santana Lopes, mas quem lançou a negociação, do lado português, foi o governo de Durão Barroso. E, no entanto, o novo tratado será praticamente igual ao que foi chumbado pelos franceses.
[Não consigo evitar um tema que me faz urticária, quando ouço os críticos do novo tratado dizer que esta é uma questão democrática e que "os povos rejeitaram" o tratado. Alguém me explica por que razão os franceses têm de decidir pelos portugueses e, aliás, por todos os outros?]
Esta crónica vai longa e estará certamente a provocar nos leitores alguma perplexidade. Sempre fui contra o referendo, por saber que ninguém iria discutir o tratado. Acho que a palhaçada da democracia, o seu simulacro, é algo de perigoso, que abre caminho ao populismo.
Na realidade, a decisão de Bruxelas, há duas semanas, não é anti-democrática, mas resulta de uma negociação que dura há cinco anos, com dois anos de suspensão. Estão envolvidos 27 países e, talvez, mais de 40 primeiros-ministros. Não me atrevo a calcular o número de partidos que participaram.
À presidência portuguesa cabe concluir o novo tratado reformador. Há políticos que exigem referendar esse tratado de Lisboa, embora não expliquem o que faríamos se a resposta fosse não. Levantam os braços, enrolam os olhos, como se a questão fosse espúria, e depois atiram um "logo se vê, o importante é dar voz aos povos", como se os povos não se tivessem pronunciado.
Li muitos comentários, sobretudo em blogues, onde surge o vago argumento anti-europeu, no fundo, o instinto essencial da nossa elite, que sempre teve aversão à Europa. No género, estão-nos a enganar, isto é uma choldra; mas mais subtil, onde se insinua que podia ser uma boa oportunidade para dizermos não a esta certa Europa dirigida por directório dos poderosos e onde os "povos" nunca têm a palavra, pois o poder vem de cima para baixo, e etc.
Apetece dizer que isto ainda vai acabar mal. Um dos lados tenta afirmar o indefensável, de que TR não é a continuidade de TC; o outro lado parece não compreender que o destino de Portugal está intimamente ligado ao futuro dessa estranha entidade chamada União Europeia, onde tudo é negociação e acordo. É complicado, sim. Mas não há volta a dar. Teremos isso ou o regresso ao passado.



10 comentários

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De Luis Naves a 08.07.2007 às 23:24

agradeço todos estes comentários. O de a. teixeira suscita um reparo: a analogia entre UE e EUA era apenas sobre a estrutura de poder. Não fui além disso. O que se compara, no post, é o poder relativo dos diversos órgãos. Se considerarmos o conselho europeu a câmara alta do parlamento (o que alguns teóricos afirmam ser uma analogia válida), então é o senado mais poderoso do mundo (em termos relativos, em comparação com os outros órgãos). Os Estados Unidos são um país, a UE no máximo será uma organização que permite um certo grau de integração entre países. A minha comparação era apenas sobre os poderes relativos, não os absolutos, para poder explicar que o Conselho é quem determina as decisões, enquanto nos EUA, é sobretudo o presidente, embora este não possa ignorar o congresso.
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De Custódia C.C. a 08.07.2007 às 23:10

Enquanto os Portugueses não entenderem a força real de um referendo, este nunca vai funcionar por cá. Também sou da opinião de que o TR já não é a grande novidade, mas sim um TC devidamente limado e com menos "buracos" ...
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De Zé Ninguém a 08.07.2007 às 20:55

Um comentário de 400 palavras é excessivo para a blogosfera…
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De A.Teixeira a 08.07.2007 às 20:17

Deixe-me começar por felicitá-lo pela sua colaboração aqui no Corta-Fitas e por dar o devido realce ao seu preâmbulo, avisando os incautos da extensão do seu poste: 800 palavras! Depois de ver na RTP1 a final de um concurso do Programa Nacional de Leitura para jovens, onde o critério de selecção assentava essencialmente na rapidez com que os concorrentes carregavam no botão diante deles, não é animador…

E desculpe por não o acompanhar na analogia entre a União Europeia e os Estados Unidos. Uma eventual secessão da Califórnia (ou do Texas ou da Florida) seria um acontecimento de impacto incomparavelmente superior ao de uma eventual saída da Polónia (ou da Itália ou do Reino Unido) da União. Os Estados Unidos são um estado federal, a União é uma coisa que parece que ainda não se percebeu muito bem o que é, a não ser que vale a pena aprofundar… Tenho procurado estar atento aos porquês desse aprofundamento e, lamento, não me convencem, não compartilho do seu fatalismo de que é este o único caminho, não há volta a dar a não ser o regresso ao passado, como se estivéssemos no meio do estampido de uma enorme manada.

Também creio que a gramática do debate político ora instalado ao nível europeu obriga a que todos os dirigentes nacionais tenham que mostrar ser, nem que seja por princípio, favoráveis a todas as medidas mais integracionistas, mesmo que o não sejam. Suspeito que será por isso que tem, como diz, 27 primeiros-ministros “empenhados” na aprovação do Tratado. A comparação não será a mais feliz, mas todas as eminências do Partido Republicano deviam estar por detrás de George W. Bush em 2003 quando ele decidiu invadir o Iraque, independentemente das reservas que tivessem…

Finalmente, concordo consigo que há quem intervenha neste debate com uma simplicidade infantil, de um lado e de outro. E, por esta vez, deixe-me também fazê-lo. Creio que é de Tolstoi a frase que “toda a ideia importante é simples”. E a Europa é uma ideia importante. E é por ser importante que tem de ser defendida e não pode ser apresentada apenas como uma fatalidade irrecusável, porque suspeito que, quando solicitada a sua opinião, os votos de uma apreciável minoria de europeu (e o meu com eles) é igual ao fim do “Cântico Negro”: sei que não vou por aí…

Um comentário de 400 palavras também será muito provavelmente excessivo para a blogosfera…
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De Zé Ninguém a 08.07.2007 às 20:08

:)
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De L. Rodrigues a 08.07.2007 às 20:08

O que já estava errado e continua a estar é a tese de que um não ao tratado é um não à Europa.
Muitas das vozes dissonantes a respeito do TC eram de europeistas convictos, que viam naquele documento excessivas expressões do neoliberalismo...
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De Cristina Ribeiro a 08.07.2007 às 18:48

Quanto a mim,o grande problema que aqui se levanta é o dos portugueses,em geral,não estarem minimamente interessados em saber sequer o que está em causa-num eventual referendo,tenho a certeza que as pessoas iriam votar SIM ou NÃO seguindo cegamente o que o "seu"partido mandasse.
Uma outra questão,para mim muito relevante,é que o futuro tratado não terá já a carga,que o projecto anterior tinha,de "constituição",limitando-se a ser a reforma dos tratados anteriores,"rotineiro",pelo que já não penso esse referendo fundamental.
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De Luis Naves a 08.07.2007 às 18:13

obrigado pelo comentário, direct current. Zé ninguém está proibido de se queixar de que não há debate
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De Zé Ninguém a 08.07.2007 às 15:47

Não tenho pachorra para 800 palavras!
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De Direct Current a 08.07.2007 às 15:41

Não acho que haja motivos para preocupação, já que o governo português - e os anteriores por continuidade - têm tido um percurso que leva inexoravelmente a uma Europa com maior força política.

Também nunca ouvi ninguém dos outros partidos contestarem as ajudas financeiras da U.E. . Penso que o Tratado Reformador vai ser um meio-Tratado Constitucional. Não acho que haja muita polémica à volta deste assunto, está tudo de férias.

Venho cá ocasionalmente para "lavar os olhos". É um bom blog e parece-me ser escrito de uma maneira bastante profissional.

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