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Tenho uma pequena fotografia minha de 1968, onde eu, em grande plano e de olhos piscos, estou sentado num minúsculo barco de borracha que (lembro-me bem) agilmente remava com as mãos, na praia em Vila Nova de Milfontes. Fazia parte de um conjunto de cinco retratos nossos, os cinco irmãos, e que por muitos anos estiveram expostos na sala da casa dos meus pais. Garanto que estas fotografias, hoje monocromáticas em tons amarelados, um dia tiveram cores bem vivas! Explico isto um pouco aflito às minhas incrédulas crianças: a descoloração foi obra do tempo, talvez por causa da exposição à luz… Como as folhas no Outono, as fotografias antigas perdem a cor. Como acontece com a vida?
Agora lembro-me de íntimas conversas com o meu irmão, em que fantasiávamos sobre a infância e juventude dos nossos pais e avós… como se tivessem vivido e crescido num tristonho mundo a preto e branco, de saias compridas e chapéus na cabeça.
Comentávamos – na nossa doce ilusão – o privilégio de ter nascido numa idade de tanta sabedoria, luz e cor. Esta ilusão provinha da nossa experiência, não só com o cinema mais antigo, mas da visualização dos álbuns fotográficos e reportagens em super-8 existentes em casa dos nossos avós. Estranho mundo aquele, tão formal e monocromático.
Noutra moldura na minha sala, tenho o meu avô homónimo, orgulhosamente acenando de dentro do biplano dos anos 30, com óculos e capacete à Barão Vermelho: sem nunca ter possuído cor (será?!), esta imagem hoje reflecte tanta modernidade quanto aquela minha no rio Mira, tirada no ano da chegada de Armstrong à Lua…
Alarmante é o que se passa com as fotografias digitais tiradas há menos de dois anos e afanosamente impressas em casa. As minhas empenhadas provas de contemporaneidade estão aceleradamente a perder a cor. É do papel? Será dos tinteiros? Ou eu não controlo mais o tempo que passa? Aliás, desconfio que os nossos miúdos consideram-se os únicos donos deste tempo, dos downloads, do iPod, do Harry Potter, do terrorismo muçulmano e do hip hop.
Pela manhã, repito pela milionésima vez os preceitos higiénicos. Ao espelho, passo a lâmina pela espuma branca, num gesto intemporal. E sem querer, reparo que o meu cabelo também está a ficar a “preto e branco”… Quero dizer: mais branco. Como nas fotografias, o original perde todos os dias a cor, sem se dar por isso.
Mas o meu olhar sai de dentro do mesmo ser que há quase trinta anos, no Liceu Pedro Nunes, saltava o muro do Cemitério dos Ingleses para ir buscar uma bola perdida. E, de pasta na mão, pronto para sair, despeço-me do pessoal e uma ponta de vaidade me assalta. O meu barco navega, este é o meu tempo, e o mundo mantém inalterável a sua paleta infinita de cores, mistérios, poesia e paixão. Graças a Deus.
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