Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Morreu um sábio

por Maria Teixeira Alves, em 26.08.13

António Borges era um sábio, mas para que o seu brilhantismo fosse reconhecido teve de ter uma carreira internacional:o Insead - Institut Européen de l"Administration des Affaires escolhe-o para se sentar na cadeira de dean (reitor), o posto mais alto que um português desempenhou numa academia de gestão mundial. Cinco anos antes, já na qualidade de responsável pelos MBA da instituição de Fontainebleau, a revista Fortune elege-o para capa. Ao economista atribui-se o mérito de ter colocado a pequena escola de negócios francesa ao lado de Harvard e de Columbia. No FMI foi braço-direito de Dominique Strauss-Kahn e saiu do Fundo Monetário Internacional por discordar de Christine Lagarde. Antes disso António Borges esteve na Goldman Sachs (essa instituição que hoje a esquerda vê como uma emanação directa do inferno), onde durante anos foi um dos vice-presidentes. Lembro-me que nessa altura em Portugal se desvalorizava este cargo de António Borges, com o argumento de que seria apenas mais um entre mil com a mesma função no banco norte-americano. Assim como me lembro de em Portugal não se gostar de António Borges. Um país pouco dado à meritocracia sempre desvalorizou António Borges, sobretudo por causa de um traço da sua personalidade (com que, confesso, me identifico, será que é um traço comum a quem nasce em Novembro?): a frontalidade contra o politicamente correcto sem medo de retaliações. "É muito difícil ganhar uma discussão com Borges, mesmo quando temos razão. É inteligentíssimo, inteiramente seguro de si" (Diogo Lucena).


António Borges era um defensor da meritocracia: «A ideia central do capitalismo é a ideia do mérito, quem tem mais qualidade é quem deve singrar», disse numa entrevista ao Negócios.


Os nossos comentadores não gostavam de António Borges, e isso é visível nos vários editoriais sobre a morte do economista. Atravessa em quase todos eles uma necessidade de justificar e expurgar a culpa das violentas críticas, as crónicas de escárnio e maldizer, com que presentearam em vida António Borges. Como diria Agustina, essa omnisciente escritora, "o Homem precisa da culpa para criar". 

 

A única crónica sobre António Borges que não procura redenção é talvez a de Nicolau Santos, a mais limpa de sentimentos de culpa. (No entanto há um erro na referência ao voo que o economista perdeu, num avião que acabou por cair. Isso aconteceu em 1996 e não em 2009, foi no voo da TWA de NY para Paris e António Borges não perdeu o avião, a secretária desmarcou/adiou o voo à última da hora). Refira-se que Nicolau Santos (com quem eu não concordo nada) está nos antípodas de António Borges, mas isso não transformou a sua crónica sobre a morte do economista numa lápide.

 

Voltemos ao que importa, António Borges era um economista liberal (portanto de Direita o que não ajuda ao reconhecimento público em Portugal) que ajudou o nosso país a entrar no euro e que defendia a necessidade de uma reforma do Estado para diminuir o peso deste na economia. As declarações abertas sobre temas fracturantes, taxa social única (TSU), RTP, descida dos salários para combater o desemprego, mercados, desencadearam reacções epidérmicas nas redes sociais.

 

Mas enquanto em Portugal, onde reina o síndrome da hostilidade contra os outros, António Borges era demonizado, lá fora era reconhecido. O ex-primeiro-ministro italiano Mario Monti entregou-lhe, há quatro anos, a liderança do conselho consultivo da Universidade Bocconi de Milão, onde foi reitor.

"No nosso País, estamos muitíssimo abaixo daquilo que é o nosso potencial", queixava-se António Borges. Era, apesar dos entraves que encontrou em Portugal, um optimista em relação ao povo português. Eu acho que esta sua ideia não passava de optimismo porque a primeira grande fatalidade de se ser inteligente é ter nascido em Portugal, o túmulo em vida de todas as ideias. Os portugueses são, na maioria, os 'malvados invejosos' (pouco pensantes) que não toleram o sucesso, sobretudo o financeiro, dos outros. Os portugueses são experts em terrorismo através da palavra e a chegada das redes sociais tornou-se o paraíso desse terrorismo.

Por via disso os portugueses (de todos os meios, classes e ideologias) também não toleram o mérito, porque os obriga a reconhecer o valor dos outros, o que é uma facada no orgulho; os obriga a perder direitos para outros que os merecem, o que é inaceitável; os obriga a aceitar que estão errados, o que é fatal; e acima de tudo os obriga a assistir ao enriquecimento do vizinho com prémios e ordenados que ofende quem não os pode auferir. Por isso as ideias de Borges foram ofuscadas pelas notícias do seu ordenado.

 

António Borges não pactuava com o que não concordava, como compete aos sábios. A frontalidade não era a sua característica mais marcante como toda a gente diz por aí, essa era apenas uma vicissitude de ser inteligentíssimo.


Morreu um sábio, incendiou-se uma biblioteca.

 

P.S. É irónico que António Borges tenha escapado por milagre a uma queda de um avião em 1996, três anos depois de ter assumido a liderança do Insead (que acabou por revelar-se a sua função mais importante - uma vez que transformou o Insead num viveiro de gestores de topo mundial e pôs a universidade francesa ao nível das grandes universidades de prestigio internacional -) mas tenha acabado por ser vencido pela doença aos 63 anos. Estaria predestinado para aquela função? Ou terá sido a luta inglória que travou na vida pública pelas suas ideias que o tornou biologicamente vulnerável?


8 comentários

Sem imagem de perfil

De Floriano Mongo a 26.08.2013 às 12:54

 

 Apesar dos problemas, Portugal era um brilho no olhar de António Borges. Muitos tentaram dobrá-lo. Nenhum conseguiu. Enfrentou sectores nada esclarecidos, com a serenidade dos que têm razão. Cultivava a dúvida sistemática, cartesiana, dos sábios, não o excesso de certeza dos estúpidos. A dúvida que iluminava e fortalecia as suas convicções.

 

 

Nunca cessaram os berreiros e rosnados de populistas demagogos doutorados em falência, promovidos a padroeiros da nação. Manteve-se optimista mesmo quando contemplava a face mais sombria de Portugal.

 

 

A imagem de António Borges não teria sobrevivido ao cerco dos intolerantes se não fosse blindada pela bravura com que - mesmo tão doente - soube defender os valores que sempre balizaram a sua caminhada. Continuará a existir entre nós. Essa, sem dúvida, uma bela forma de eternidade.


Sem imagem de perfil

De Anónimo a 26.08.2013 às 13:05

Abomino aqueles que nesta hora têm sido incapazes de respeitar a partida do Dr. António Borges. Mas abomino quase ao mesmo nível aqueles que na mesma hora escrevem textos desprovidos de qualquer senso. É típico de Portugal este exagero bacoco. O Dr.AB tem uma carreira e um CV que falam por si. Mas não façam delepor favor uma pessoa sensível para com o próximo, capaz de gerar consensos e de por isso ser útil. Fanáticos de secretária e cartilha há-os em vários quadrantes. Não admiro mais uns que outros. Fui aluno dele e pouco tenho a dizer de positivo. Que descanse em paz e com imenso respeito meu. E que possamos fazer de Portugal um país rico e onde se viva melhor. Ai estarei de acordo com ele certamente.
Sem imagem de perfil

De xico a 26.08.2013 às 16:29

Morreu um homem. A família e os amigos sentem-lhe a perda.
Se era sábio ou não, desconheço. O que lhe ouvi e li foram coisas do senso comum. Se isso o fez o maior economista de Portugal, então estamos mesmo mal.
Encómios desta natureza, com predestinações à mistura, aviões que não caíram, são até, certamente, confrangedores para aqueles que o conheceram.
É caso para dizer: morreu um homem. Haja decoro, Maria Teixeira Alves
Sem imagem de perfil

De Jose Domingos a 26.08.2013 às 16:56

Em Portugal, não existe a meritocracia, é tudo nivelado por baixo, basta ver a escola pública. Quem sai da bovinidade nacional, é queimado. A "elite" nacional, trata bem destas questões, é assim desde o 25a. Os povos pindéricos e labregos, tem destas coisas.
Sem imagem de perfil

De O Falso Rei das Pampas a 26.08.2013 às 17:01

Não percebo o vosso interesse em continuar a tecer encómios  a pessoa que tem tão pouco que se lhe possa gabar.
Enterrem-no.
Sem imagem de perfil

De Pedro Almeida a 26.08.2013 às 21:38

Só um sábio se tinha lembrado daquela história da TSU.
Só um sábio acha que a solução para o desemprego em Portugal é baixar os salários quando já são (de muito longe) os mais baixos da Europa Ocidental.
Sem imagem de perfil

De Anónimo Veneziano a 26.08.2013 às 21:53

Falei apenas uma vez com o Borges e só sei dizer que era uma pessoa pessoalmente correcta e intelectualmente interessante (concorde-se ou não com as suas teorias) quando estava com paciência o interlocutor, o que nem sempre sucedia. O que não percebo é porque é que tantas pessoas se incomodam com ele, que nem sequer exercia funções políticas. Como sucede com tanta gente, as suas ideias (que nem eram originais) eram aclamadas por muitos e odiadas por outros tantos. Nada que não seja frequente ao longo da História. Que fique em paz.
Sem imagem de perfil

De M.Almeida a 27.08.2013 às 18:05

Há algo que me intriga: até ao momento, passadas quase 48h após o falecimento do Prof. António Borges, ainda não vimos uma reacção do lider ou representante da direcção do 2º partido da coligação do governo, governo do qual António Borges foi colaborador durante estes últimos 2 anos (apesar da sua doença).
Aliás não só esta posição é de estranhar, como, num País que se acha com maturidade democrática, os representantes dos partidos da oposição deveriam ter uma palavra a dizer no momento em que faleceu uma pessoa com os méritos que conheciamos a António Borges e que representou e muito bem o nome de Portugal lá fora. Como referiu MRS, de António Borges teve influência não só em Portugal mas também, nos EUA, na Ásia e na Europa. De facto é lamentável vermos o comportamento da classe política em geral quando se perdeu uma pessoa com o valor que tinha António Borges. Pois é, António Borges quando falava dizia o que pensava e não andava a vender demagogia dos pobres , dos pensionistas, dos desempregados. Não tinha a habitual conversa socialista aque tantos políticos nos têm habituado. Tinha a noção dos graves problemas herdados de anos e anos de governação em que se cometeram verdadeiras loucuras, mas dizia sem medo, aquilo que ele achava melhor para o País, mesmo que depois fosse insultado de tudo. Nunca se calou por causa das polémicas diárias a que a nossa comunicação social juntamente com a oposição nos tem habituado principalmente nestes últimos 2 anos.

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Carlos Sousa

    Como diz o velho ditado " quem sabe faz quem não s...

  • maria

    Discordo da taxação de heranças. Muitos tiveram vi...

  • Antonio Maria Lamas

    "genealidade"Corretor a quanto obrigas

  • Anónimo

    Susana Peralta é mais uma perita em economia que s...

  • Anónimo

    Quais "sociais democratas "?


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2025
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2024
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2023
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2022
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2021
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2020
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2019
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2018
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2017
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2016
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2015
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2014
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2013
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2012
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2011
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2010
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2009
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2008
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2007
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D
    248. 2006
    249. J
    250. F
    251. M
    252. A
    253. M
    254. J
    255. J
    256. A
    257. S
    258. O
    259. N
    260. D