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António Borges era um sábio, mas para que o seu brilhantismo fosse reconhecido teve de ter uma carreira internacional:o Insead - Institut Européen de l"Administration des Affaires escolhe-o para se sentar na cadeira de dean (reitor), o posto mais alto que um português desempenhou numa academia de gestão mundial. Cinco anos antes, já na qualidade de responsável pelos MBA da instituição de Fontainebleau, a revista Fortune elege-o para capa. Ao economista atribui-se o mérito de ter colocado a pequena escola de negócios francesa ao lado de Harvard e de Columbia. No FMI foi braço-direito de Dominique Strauss-Kahn e saiu do Fundo Monetário Internacional por discordar de Christine Lagarde. Antes disso António Borges esteve na Goldman Sachs (essa instituição que hoje a esquerda vê como uma emanação directa do inferno), onde durante anos foi um dos vice-presidentes. Lembro-me que nessa altura em Portugal se desvalorizava este cargo de António Borges, com o argumento de que seria apenas mais um entre mil com a mesma função no banco norte-americano. Assim como me lembro de em Portugal não se gostar de António Borges. Um país pouco dado à meritocracia sempre desvalorizou António Borges, sobretudo por causa de um traço da sua personalidade (com que, confesso, me identifico, será que é um traço comum a quem nasce em Novembro?): a frontalidade contra o politicamente correcto sem medo de retaliações. "É muito difícil ganhar uma discussão com Borges, mesmo quando temos razão. É inteligentíssimo, inteiramente seguro de si" (Diogo Lucena).
António Borges era um defensor da meritocracia: «A ideia central do capitalismo é a ideia do mérito, quem tem mais qualidade é quem deve singrar», disse numa entrevista ao Negócios.
Os nossos comentadores não gostavam de António Borges, e isso é visível nos vários editoriais sobre a morte do economista. Atravessa em quase todos eles uma necessidade de justificar e expurgar a culpa das violentas críticas, as crónicas de escárnio e maldizer, com que presentearam em vida António Borges. Como diria Agustina, essa omnisciente escritora, "o Homem precisa da culpa para criar".
A única crónica sobre António Borges que não procura redenção é talvez a de Nicolau Santos, a mais limpa de sentimentos de culpa. (No entanto há um erro na referência ao voo que o economista perdeu, num avião que acabou por cair. Isso aconteceu em 1996 e não em 2009, foi no voo da TWA de NY para Paris e António Borges não perdeu o avião, a secretária desmarcou/adiou o voo à última da hora). Refira-se que Nicolau Santos (com quem eu não concordo nada) está nos antípodas de António Borges, mas isso não transformou a sua crónica sobre a morte do economista numa lápide.
Voltemos ao que importa, António Borges era um economista liberal (portanto de Direita o que não ajuda ao reconhecimento público em Portugal) que ajudou o nosso país a entrar no euro e que defendia a necessidade de uma reforma do Estado para diminuir o peso deste na economia. As declarações abertas sobre temas fracturantes, taxa social única (TSU), RTP, descida dos salários para combater o desemprego, mercados, desencadearam reacções epidérmicas nas redes sociais.
Mas enquanto em Portugal, onde reina o síndrome da hostilidade contra os outros, António Borges era demonizado, lá fora era reconhecido. O ex-primeiro-ministro italiano Mario Monti entregou-lhe, há quatro anos, a liderança do conselho consultivo da Universidade Bocconi de Milão, onde foi reitor.
"No nosso País, estamos muitíssimo abaixo daquilo que é o nosso potencial", queixava-se António Borges. Era, apesar dos entraves que encontrou em Portugal, um optimista em relação ao povo português. Eu acho que esta sua ideia não passava de optimismo porque a primeira grande fatalidade de se ser inteligente é ter nascido em Portugal, o túmulo em vida de todas as ideias. Os portugueses são, na maioria, os 'malvados invejosos' (pouco pensantes) que não toleram o sucesso, sobretudo o financeiro, dos outros. Os portugueses são experts em terrorismo através da palavra e a chegada das redes sociais tornou-se o paraíso desse terrorismo.
Por via disso os portugueses (de todos os meios, classes e ideologias) também não toleram o mérito, porque os obriga a reconhecer o valor dos outros, o que é uma facada no orgulho; os obriga a perder direitos para outros que os merecem, o que é inaceitável; os obriga a aceitar que estão errados, o que é fatal; e acima de tudo os obriga a assistir ao enriquecimento do vizinho com prémios e ordenados que ofende quem não os pode auferir. Por isso as ideias de Borges foram ofuscadas pelas notícias do seu ordenado.
António Borges não pactuava com o que não concordava, como compete aos sábios. A frontalidade não era a sua característica mais marcante como toda a gente diz por aí, essa era apenas uma vicissitude de ser inteligentíssimo.
Morreu um sábio, incendiou-se uma biblioteca.
P.S. É irónico que António Borges tenha escapado por milagre a uma queda de um avião em 1996, três anos depois de ter assumido a liderança do Insead (que acabou por revelar-se a sua função mais importante - uma vez que transformou o Insead num viveiro de gestores de topo mundial e pôs a universidade francesa ao nível das grandes universidades de prestigio internacional -) mas tenha acabado por ser vencido pela doença aos 63 anos. Estaria predestinado para aquela função? Ou terá sido a luta inglória que travou na vida pública pelas suas ideias que o tornou biologicamente vulnerável?
Apesar dos problemas, Portugal era um brilho no olhar de António Borges. Muitos tentaram dobrá-lo. Nenhum conseguiu. Enfrentou sectores nada esclarecidos, com a serenidade dos que têm razão. Cultivava a dúvida sistemática, cartesiana, dos sábios, não o excesso de certeza dos estúpidos. A dúvida que iluminava e fortalecia as suas convicções.
Nunca cessaram os berreiros e rosnados de populistas demagogos doutorados em falência, promovidos a padroeiros da nação. Manteve-se optimista mesmo quando contemplava a face mais sombria de Portugal.
A imagem de António Borges não teria sobrevivido ao cerco dos intolerantes se não fosse blindada pela bravura com que - mesmo tão doente - soube defender os valores que sempre balizaram a sua caminhada. Continuará a existir entre nós. Essa, sem dúvida, uma bela forma de eternidade.
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