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Arminda e Manuel

por José Luís Nunes Martins, em 12.08.13

 

Numa tarde de muito calor, Manuel resolveu voltar a entrar numa igreja... caminhou ao longo de toda a nave central e sentou-se no primeiro banco... em silêncio interior, como se tivesse a sua alma de joelhos, tentou escutar o que ali havia... quase nada, apenas uma espécie de vazio e o sussurro do que parecia ser uma pequena oração de uma menina que, entretanto, havia chegado e ficado de pé num banco de trás...


Olhou para diante e, esgotado, baixou a cabeça... e sentiu toda a sua vida ali, entre as suas mãos...


Depois de alguns minutos de caos interior e como forma de se ver livre do buraco negro que se lhe abria no peito, disse em voz baixa:

 

- Senhor, sabes quem sou. O que sinto e o que espero no desterro desta minha solidão. Mas, peço-Te, ainda assim, que me escutes... Sinto uma infernal saudade pela mulher que é o amor da minha vida, a Arminda, o Amor na minha vida... conhecemo-nos depois da juventude, aprendemos a amarmo-nos e amámo-nos. Partilhámos risos, sorrisos, lágrimas e dores fundas... decidi, dia a dia, passo a passo, a cada passo, seguir com ela.

 

Hoje, mais do que tudo, sinto falta do seu abraço. De viver e ser feliz, ali, entre os seus braços.

 

Hoje, sinto-a tão morta como no dia em que morreu, nos meus braços... estou perdido e triste... permito-me apenas esta dor absoluta que escondo dos meus próprios olhos... para que não saibam, para que não chorem... mas este espinho que trago cravado na carne chega a fazer-me, tantas vezes, julgar que o amor é uma maldição...

 

Oh Deus, por que estranha razão se diz que é só até que a morte nos separe? Acaso o amor não merece a eternidade? Quem és Tu que, com uma mão, me cedes a mais bonita flor do jardim para depois, com a outra mão, a arrebatares, para sempre, dos meus braços? Serás porventura um Deus ciumento que não quer que alguém, na terra, possa merecer tamanho amor?

 

Sempre imaginei que o inferno é apenas um paraíso sem amor...

 

Amo-a... agora, tanto, como nos dias, e noites, em que o seu cheiro me revelava que paz e felicidade são uma e a mesma coisa no coração de quem ama. E é a memória desse perfume que me resgata do inferno que está à distância de uma tentação.

 

Hoje, já fraco de tanta guerra contra tudo... resolvi vir apelar-Te para que, pesando o meu sofrimento e perdoando a montanha dos meus erros, me dês um sinal de que a minha vida é uma espera com sentido, um intervalo entre 2 eternidades...

 

Resta-me já muito pouca esperança, e os mesmos sonhos, todos os dias, já me doem... à noite busco-a, estendo os meus braços... sempre em vão. Foi a mim mesmo abraçado que descobri, tantas vezes, que o amor obriga o concreto... exige as almas mas também os corpos... pode-se por ele esperar anos, mas não uma eternidade.

 

A Ti, meu Deus, faço um pedido solene: que não permitas que a minha força para carregar esta cruz se acabe... nunca.

 


Benzeu-se e saiu, nunca mais voltou a entrar numa igreja.


Tempos mais tarde, no dia 28 de um mês de outono de um ano qualquer, Manuel morreu abandonado na penumbra de um corredor de hospital.



...



Ainda mal recomposto de uma longa e atribulada viagem, recebeu-o uma menina... a mesma da igreja... Manuel ajoelhou-se diante dela e, olhos nos olhos, escutou a sua voz meiguíssima dizer-lhe:

- Está-me mesmo a apetecer um abraço...

 




(publicado no jornal i - 10 de agosto de 2013)

 

ilustração de Carlos Ribeiro


1 comentário

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De abraços a 13.08.2013 às 14:30

vou so deixar isto aqui:


http://www.independent.co.uk/news/science/religious-people-are-less-intelligent-than-atheists-analysis-of-over-63-scientific-studies-stretching-back-over-decades-concludes-8758046.html?origin=internalSearch

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