Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]




Cco-adopção em debate

por João Távora, em 21.07.13

O debate sobre a (co)adopção de crianças por duas pessoas do mesmo sexo envolve, quase sempre, a importante questão da capacidade de duas pessoas do mesmo sexo amarem e criarem, em ambiente de carinho e protecção, uma criança. Implica, quase sempre, juízos sobre o desenvolvimento psicológico do adoptado. Acaba por ser, muitas vezes, um debate sobre a própria homossexualidade e os direitos LGBT. Estas perspectivas, para mim, são um erro. Não tenho, a este respeito, pese embora a diversidade de estudos, qualquer dúvida em admitir que uma criança pode ser feliz sendo criada por dois homens ou por duas mulheres. E aceito, sem necessidade de prova, que existam, hoje e aqui, crianças, felizes, criadas por duas pessoas do mesmo sexo. E acharia uma violência que o Estado pudesse, por causa da orientação sexual de quem as cria, tirar essas crianças do ambiente em que vivem. Mas a inversa, concedamos, é também verdadeira. Quero com isto dizer que felicidade tem pouco que ver com a orientação sexual de quem nos cria.

Parece-me também da mais elementar prudência lembrar que não cabe ao legislador impor a felicidade ou sequer velar por ela. Tanto assim que, no intrincado instituto do casamento, em quase 200 artigos do Código Civil, a felicidade não desempenha qualquer papel. Não terão as pessoas direito à felicidade? Claro que sim. Mas esse direito, passe a aparente contradição, não interessa ao direito. Importará a outras ordens normativas, mas não à ordem jurídica.

Dito isto, importa perceber o sentido e o alcance da adopção. A adopção, juridicamente, visa o estabelecimento de vínculos, diria perpétuos, para não dizer irrevogáveis, entre adoptante e adoptado, materialmente idênticos aos da filiação, extinguindo, consequentemente, os decorrentes das relações familiares ditas "naturais". Percebe-se a gravidade, no sentido de importância capital, deste instituto. Tudo tem de ser muito bem pesado, ponderado com especial critério. Esta necessária prudência nada tem que ver com a orientação sexual do adoptante, note-se.

O que está então em causa no projecto de lei em apreciação no Parlamento é, grosso modo, possibilitar, em última análise, a adopção de crianças por pessoas do mesmo sexo. Ou seja, se este projecto for aprovado, "o cônjuge ou unido de facto co-adoptante é considerado, para todos os efeitos legais, como pai ou mãe da criança". Se este projecto passar, uma criança poderá passar a ter dois pais ou duas mães. Não falo de afectos. Falo de direito.

Rejeito liminarmente a possibilidade de uma lei moldar a natureza ao ponto de ficcionar a existência de dois pais ou de duas mães. Ninguém tem dois pais ou duas mães. Ninguém! Por muito que se dedique amor filial a dois homens ou duas mulheres.

O direito tem de proteger a criança e tem de estar atento a quaisquer situações que sugiram uma menos adequada tutela dos seus interesses. Mas essa protecção tem de ser eficiente. Não basta que seja eficaz. Admito que o problema da co-adopção resolva certos problemas que possam ter sido identificados. Mas criaria outros, muito dispensáveis. Se o legislador identificou um problema, não pode deixar de procurar corrigi-lo. Contudo, exige-se que a correcção seja eficiente, que resolva um desequilíbrio sem criar outros ainda piores.

Neste debate, já vi de tudo, de parte a parte. E já percebi que, para além de se tentar resolver situações que podem deixar desprotegidas crianças, o que realmente interessa aos promotores desta iniciativa legislativa é deixarem mais uma marca, simbólica, de pretenso progresso civilizacional na sociedade portuguesa.

Tenho esperança que o legislador perceba que as crianças não podem ser joguetes ao serviço desta agenda. Tenho esperança que o legislador, em homenagem aos superiores interesses da criança, resolva os problemas que tenha detectado, abstendo-se de querer fazer da natureza o que ela manifestamente não é. Tudo tem limites. Até a acção legislativa.


Nuno Pombo, "As razões do meu não" in jornal Público de 20 de Junho



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • balio

    a filiação na civilização ocidental e judaico-cris...

  • balio

    o facto de o Martim Moniz se ter transformado em ...

  • cela.e.sela

    quem não é social fascista será sempre, até ver, c...

  • cela.e.sela

    Mateus 5:33 Bem-aventurados os pobres de espírito,...

  • Anónimo

    Para facilitar compressão convém dar etiquetas par...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2025
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2024
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2023
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2022
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2021
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2020
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2019
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2018
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2017
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2016
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2015
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2014
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2013
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2012
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2011
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2010
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2009
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2008
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2007
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D
    248. 2006
    249. J
    250. F
    251. M
    252. A
    253. M
    254. J
    255. J
    256. A
    257. S
    258. O
    259. N
    260. D