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O debate sobre a (co)adopção de crianças por duas pessoas do mesmo sexo envolve, quase sempre, a importante questão da capacidade de duas pessoas do mesmo sexo amarem e criarem, em ambiente de carinho e protecção, uma criança. Implica, quase sempre, juízos sobre o desenvolvimento psicológico do adoptado. Acaba por ser, muitas vezes, um debate sobre a própria homossexualidade e os direitos LGBT. Estas perspectivas, para mim, são um erro. Não tenho, a este respeito, pese embora a diversidade de estudos, qualquer dúvida em admitir que uma criança pode ser feliz sendo criada por dois homens ou por duas mulheres. E aceito, sem necessidade de prova, que existam, hoje e aqui, crianças, felizes, criadas por duas pessoas do mesmo sexo. E acharia uma violência que o Estado pudesse, por causa da orientação sexual de quem as cria, tirar essas crianças do ambiente em que vivem. Mas a inversa, concedamos, é também verdadeira. Quero com isto dizer que felicidade tem pouco que ver com a orientação sexual de quem nos cria.
Parece-me também da mais elementar prudência lembrar que não cabe ao legislador impor a felicidade ou sequer velar por ela. Tanto assim que, no intrincado instituto do casamento, em quase 200 artigos do Código Civil, a felicidade não desempenha qualquer papel. Não terão as pessoas direito à felicidade? Claro que sim. Mas esse direito, passe a aparente contradição, não interessa ao direito. Importará a outras ordens normativas, mas não à ordem jurídica.
Dito isto, importa perceber o sentido e o alcance da adopção. A adopção, juridicamente, visa o estabelecimento de vínculos, diria perpétuos, para não dizer irrevogáveis, entre adoptante e adoptado, materialmente idênticos aos da filiação, extinguindo, consequentemente, os decorrentes das relações familiares ditas "naturais". Percebe-se a gravidade, no sentido de importância capital, deste instituto. Tudo tem de ser muito bem pesado, ponderado com especial critério. Esta necessária prudência nada tem que ver com a orientação sexual do adoptante, note-se.
O que está então em causa no projecto de lei em apreciação no Parlamento é, grosso modo, possibilitar, em última análise, a adopção de crianças por pessoas do mesmo sexo. Ou seja, se este projecto for aprovado, "o cônjuge ou unido de facto co-adoptante é considerado, para todos os efeitos legais, como pai ou mãe da criança". Se este projecto passar, uma criança poderá passar a ter dois pais ou duas mães. Não falo de afectos. Falo de direito.
Rejeito liminarmente a possibilidade de uma lei moldar a natureza ao ponto de ficcionar a existência de dois pais ou de duas mães. Ninguém tem dois pais ou duas mães. Ninguém! Por muito que se dedique amor filial a dois homens ou duas mulheres.
O direito tem de proteger a criança e tem de estar atento a quaisquer situações que sugiram uma menos adequada tutela dos seus interesses. Mas essa protecção tem de ser eficiente. Não basta que seja eficaz. Admito que o problema da co-adopção resolva certos problemas que possam ter sido identificados. Mas criaria outros, muito dispensáveis. Se o legislador identificou um problema, não pode deixar de procurar corrigi-lo. Contudo, exige-se que a correcção seja eficiente, que resolva um desequilíbrio sem criar outros ainda piores.
Neste debate, já vi de tudo, de parte a parte. E já percebi que, para além de se tentar resolver situações que podem deixar desprotegidas crianças, o que realmente interessa aos promotores desta iniciativa legislativa é deixarem mais uma marca, simbólica, de pretenso progresso civilizacional na sociedade portuguesa.
Tenho esperança que o legislador perceba que as crianças não podem ser joguetes ao serviço desta agenda. Tenho esperança que o legislador, em homenagem aos superiores interesses da criança, resolva os problemas que tenha detectado, abstendo-se de querer fazer da natureza o que ela manifestamente não é. Tudo tem limites. Até a acção legislativa.
Nuno Pombo, "As razões do meu não" in jornal Público de 20 de Junho
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