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A humildade não é uma virtude

por José Luís Nunes Martins, em 24.04.13

A maior parte das nossas opiniões não resulta de anos de análise racional e objetiva, mas de um processo duradouro em que se presta atenção a tudo o que confirma aquilo em que acredita, ao mesmo tempo que se ignora o que contraria ou desafia aquilo que se opõe às nossas crenças.


Gostamos de escutar e ler o que já sabemos. Como se a novidade fosse desconfortável... As notícias com mais sucesso são as que confirmam suspeitas, uma completa novidade colide com todas as resistências das mentes que assim se limitam, preferindo sempre as velhas novidades.

 

O problema desta desafinação da nossa estrutura lógica é que, assim, não se conhece – por não querer conhecer – outras perspectivas, aplica-se o tempo a aprofundar aquilo em que se crê mais do que a pô-lo à prova de forma séria. Talvez seja o risco de perdermos as crenças (onde julgamos residir a identidade) que nos impede de as testar...

 

Por mais estranha que seja uma teoria, quem quer encontrar provas que a sustentem acaba sempre por encontrá-las, de maneira mais ou menos estranha, num caminho cuja lei é ignorar todas as evidências do contrário.

 

Bastará uma ou duas décadas para que alguém, julgando assim o mundo e a si mesmo, se torne tão confiante na sua análise que nada nem ninguém o poderá desconvencer.

 

Quem busca Verdade deve considerar as provas das posições contrárias à sua.

 

Assumimos a responsabilidade dos nossos sucessos mais do que a dos nossos fracassos... aliás, quando falhamos, consideramos quase sempre toda a conjuntura e qualquer pequeno detalhe estranho à nossa vontade é visto como condicionante determinante... se vencemos um qualquer jogo, tal se deve à excelência das nossas capacidades; mas, se o perdermos, então terá sido por uma conjugação alargada de fatores, onde quase nunca entra a hipótese das nossas capacidades serem, ou terem sido, insuficientes.

 

Quase todos nos julgamos acima da média, não será nada estranho que um quarto da população se julgue como fazendo parte do 1% de topo... também, se perguntarmos individualmente a cada membro de um casal qual a percentagem do seu contributo para as tarefas domésticas, a soma das respostas será, muito provavelmente, muito acima dos 100%...

 

O maior problema deste erro comum é que gera e alimenta otimismos malignos... Podem estes orgulhos afastar-nos de depressões, aliviar-nos tensões, permitirem-nos continuar a viver com alguma confiança, mas, na verdade, tudo isso tem um custo, alto, muito alto: o afastamento e a discórdia. A arrogância precipita a queda.

 

A humildade não é uma virtude, não é sequer uma qualidade. A humildade é a verdade.

 

Trata-se da luz com que podemos ver-nos tal como somos e a que ilumina os caminhos para sermos melhores; a verdade com que podemos ver os outros tal como são, reconhecendo-lhes os seus talentos e as suas necessidades específicas.

 

A humildade é a base do amor. Só se ama com a verdade. Aprender aquilo de que o outro precisa, o que o completa, não é algo natural nem espontâneo, envolve o duro trabalho de nos esquecermos de nós, e das nossas teorias, para nos concentrarmos naqueles outros eus que queremos que sejam felizes.

 

As grandes vidas, as grandes obras, são criações dos que arriscam tudo, dos que têm fé para além do que sabem e do que imaginam... Dos que abdicam do conforto dos seus egoísmos. Homens e mulheres que andam pelo céu e, por vezes também, pelos infernos... ousam esquecer-se de si mesmos, abrir-se e perder-se, dar um passo adiante mesmo quando não há chão, vencem-se a si mesmos; e podem como mais ninguém... o impossível.

 

 

 

(publicado no jornal i - 20 de abril de 2013)

 

ilustração de Carlos Ribeiro

 

 

 


1 comentário

Sem imagem de perfil

De Jorge Silva a 25.04.2013 às 00:57

Eu gosto de ler este blog porque discordo de muitas das opiniões que aqui são expressas. Isso é estimulante.

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