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O caso de Liliana Melo, a mãe que o Estado português quis esterilizar, a mãe a que o Estado português raptou 7 filhos menores, a mãe de 7 filhos menores que o Estado português quis privar de mãe, não é um caso excêntrico, raro ou improvável. É, sim, uma mera manifestação do carácter e métodos do Estado português. É, sim, a mera normalidade para um Estado omnipresente, conformador, abusivo, sufocante, que se habituou a impôr a sua presença onde não é útil nem desejada (como nas empresas públicas deficitárias e nos entraves às empresas privadas), a desconfiar dos cidadãos (a burocracia é isso: criar entraves para taxar soluções; e as exigências de cédulas, cartões, certidões, certificações, requerimentos, licenças e provas não são outra coisa), a tomá-los em geral como aldrabões salvo extenuante e onerosa prova em contrário (é o modus operandi do fisco), a vigiá-los incansavelmente (coisa que as facturas identificadas tanto facilitam), a meter-se na nossa vida privada (decidindo até quanto sal tem o nosso pão).
Liliana Melo é apenas mais uma vítima.
De que a acusa o Estado português através de um seu orgão de soberania, um tribunal?
De que acusa o Estado português a mãe Liliana Melo para lhe raptar 7 filhos e impedir a comunicação entre filhos e mãe?
O Estado português acusa-a de estar desempregada, de ter problemas graves de habitação, de haver vacinas em atraso, de falta de higiene, das faltas das crianças mais novas ao infantário, de carências económicas e desorganização.
Em resumo, o Estado português acusa Liliana Melo de ser desempregada e pobre.
E mais: acusa-a de revoltosa. É que o Estado português mandou que Liliana Melo laqueasse as trompas, se esterilizasse, e ela não se esterilizou. E o Estado português acha que quando manda uma pessoa esterilizar-se ela tem que se esterilizar. E se não esteriliza, fica sem 7 dos 11 filhos. Porque é desobediente, e pobre, e tem filhos a mais, e é porca, desempregada, e vive mal num tugúrio qualquer.
Mas não será, ainda assim, excessivo rasgar os vínculos entre 7 filhos e uma mãe? Não, não é, responde o Estado Português. Mesmo sabendo, como soube, que a relação entre Liliana, o marido e os filhos era boa e próxima, o Estado português defende que «a família biológica» está muito sobrevalorizada (defende, afinal, o mesmo que o Estado de Hitler ou Estaline, que os Estados cujo desejo supremo é controlar).
Os reaccionários que exigem que o Estado português fique como está, os que recusam aos gritos qualquer corte na despesa, funções e dimensão do Estado, querem, ao mesmo tempo, convencer-nos de que casos como o de Liliane de Melo nada têm a ver com esse seu adorado Estado dos gastos insustentáveis e das revoltantes intrusões. Mas têm tudo a ver. São exactamente farinha do mesmo saco.
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