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A liberalização do cultivo e venda de cannabis, não sendo um "assunto tolo", emerge curiosamente nas notícias em Agosto, reconhecido mês de leviandades e imprudências. Certo me parece que a dinâmica adolescentocrática dominante é imparável, e que mais tarde ou mais cedo teremos os tais “clubes sociais” do Bloco de Esquerda para fruição dumas boas “pedradas” em “quantidades controladas”.
Nos anos setenta também simpatizei com a ideia. Orgulhava-me até da autoria dum belo graffity sobre o assunto na Avenida Infante Santo. Já então pessoa de convicções, deixei de ir às aulas para me passear pelas margens, crente de que o Mundo se moveria pela força dos meus desejos e expectativas. A coisa não podia acabar bem.
Não foi tarde de mais que entendi que assim como uma família até consegue suportar um “excêntrico” no seu seio, demasiados excêntricos arruínam uma família. Suspeito que o mesmo suceda com uma cidade ou com uma civilização. Progressivamente vim-me apercebendo como é mais fácil desregular do que ordenar, como dá menos trabalho condescender do que educar, como é mais acessível contestar do que decidir. E de como nesta tão antiga e desesperada busca da felicidade, em determinados momentos, algo parece indicar-nos a urgência de se retroceder por necessários equilíbrios e contrapesos.
Os movimentos culturais dos anos cinquenta e sessenta no Ocidente fizeram algum sentido ao por em causa poderes e instituições demasiadamente rigidas e tendencialmente hipócritas. Mas acontece que com a água suja do banho foi-se o bebé pela janela abaixo. A ganância dos mercados e o voto a qualquer preço, a abolição da culpa e a ilusão do facilitismo baniram a Autoridade para um refúgio envergonhado. Mas acontece que amo demasiadamente a liberdade, para concordar que em seu nome ela própria seja hipotecada a quem quer que seja.
É nesta perspectiva que me parece que a liberalização da venda e cultivo da cannabis é mais um passo para a desregulação social. Que, por capricho de uns poucos serve para fragilizar os mais fracos, convidando-os a acomodarem-se na sua ilusão de prazer em guetos higiénicos que criem emprego (directo e indirecto) e paguem impostos. A favor da normalização da anomalia (Alienação) e extinção das expectativas sociais (pressão) pelo mérito e pela excelência.
Na história da humanidade, quase sempre a perversão pareceu-nos prevalecer sobre a virtude. Para além de tal ser uma ilusão, imperdoável mesmo será desistirmos de assumir a nossa posição na contenda.
Por fim, se falarmos da marijuana sem este contexto edificador, assustando-se com o seu potencial destrutivo da alteração da consciência, porque não combatemos também o fenómeno do álcool, que em noites de 5ª e 6ª feira enchem guetos como o bairro alto com cenas degradantes de pancadaria, vómitos, desmaios e roubos?
Eu respondo. Porque na verdade do ser humano existe sempre um potencial destrutivo associado a um potencial edificador e na nossa sociedade já está prevista a essa convivência.
Essa possível destruição temporária da personalidade individual por uma experiência violenta não deve ser regulada por nenhum tipo de lei ou estado. É um processo inevitável de construção e destruição de nós próprios.
Não é disso que vamos à procura quando fazemos sexo? De dissolver as barreiras da nossa personalidade? Não nos transfiguramos também?
E isso sempre foi combustível para a outra metade da história: construir, edificar, projectar, trabalhar.
Não devemos ter medo e esquivar-nos durante toda a vida dos estados destrutivos da nossa mente. Antes devemos encará-los e procurar conhecê-los em profundidade para aprender a lidar com eles.
Não há nada de virtuoso nem de excelente num homem que não quer conhecer mais do que a ilusão que tem de si mesmo.
Não sou dou Bloco de Esquerda e até lhe dou de barato que o que esteja a mover a questão da liberalização da cannabis seja o lucro capitalista e a cobiça de votos. Mas por uma questão de princípio lhe digo: a proibição de tal substância é um erro histórico de perspectiva.
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