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Não está perto do fim nem parece tê-lo a discussão sobre arte contemporânea, nomeadamente o que será que separa um artista de um palerma em busca de protagonismo. Mas, por vezes, coincidem notícias que tornam difícil, mesmo a um ignorante como eu, abster-se de tocar o assunto.

 A primeira notícia veio dos Estados Unidos, e regista que um pintor qualquer resolveu retratar Cristo como ele acha que deve ser o filho de um carpinteiro, um membro da classe trabalhadora: bronzeado, de camisas sem mangas, com tatuagens e dedicando-se ocasionalmente ao pugilismo. Parece que houve algum escândalo, e o New York Times há-de ter defendido o senhor em nome da liberdade artística, pressupondo sempre que é disso que se trata.

A segunda notícia vem-nos aqui da nossa terrinha, mais propriamente de Aveiro. Em Aveiro, depois de acolhida pela vereadora da cultura local, uma senhora das Caldas, Umbelina de sua graça, expôs no mercado um caralho. O caralho da Umbelina não é como o da foto. É verde liso e esmaltado, em grés, e tem a altura de uma pessoa, descontando o sopé que são os colhões. Vem em peças e depois monta-se.

As vendedeiras do mercado e os clientes não gostaram. E mesmo quando a putativa artista explicou que o seu caralho se inspirava na loiça das Caldas, responderam galhardamente que a artista putativa levasse, então, o caralho para donde o trouxe. Foi tal a pressão, que a vereadora da cultura desistiu, mandando desmontar o caralho, depois de explicar - assim situando o nível da coisa - que tinha valido a pena porque causou grande «debate psicológico» e despertou «as consciências». E o caralho lá foi para a casa do caralho, que é o estúdio da Umbelina nas Caldas.

Ora eu, que, repito, sou um ignorante e , como tal, incapaz de avaliar estas intervenções, registo todos esses clamores sobre a coragem dos artistas, os abalos de consciências e as obras de ruptura com as quais o mundo pula e avança. E gostava mesmo que putativos artistas perseverassem no risco, fossem mais longe na coragem, abalassem mais certezas e desencadeassem sobre si debates muito mais que «psicológicos». Gostava que a Umbelina retratasse, sei lá, Maomé com um cordel no rabo que, puxado, o faria exibir o que a louça das Caldas tradicionalmente exibe. Gostava que o americano, seguindo a sua especial inclinação, retratasse o profeta, sei lá, de colete de couro sobre o tronco nu e entoando YMCA reboladamente. 


10 comentários

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De José Manuel a 02.10.2011 às 09:16

Se actualmente os falos do Bordalo Pinheiro são considerados Arte, porque é que os da Umbelina não haveriam de o ser?

Quanto ao retrato de Cristo a verdade é que a forma como foi sendo representado foi variando ao longo dos séculos, de acordo com o contexto e a visão de cada época e cultura. Ou seja, cada época representou-O como se tivesse vivido nesse tempo específico. Como é que o séc. XXI imagina um Cristo da nossa época?
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De Acho eu a 02.10.2011 às 10:00

Deixando para lá Maomé, até porque a primeira notícia é dos EUA, foi pelo menos curioso que não ocorresse a quem noticiou esse caso de Aveiro indagar se houve dinheiros públicos envolvidos. Mas, tratando-se de um mercado municipal e tendo aparecido metida com o tal falo uma vereadora da «cóltura», o mais certo é ter havido.
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De JSP a 02.10.2011 às 17:37

Brilhante !
 E muito bem explicado o reles charlatanismo, provocador e medularmente cobarde, que tanto tem contribuído para a decadência dita "ocidental".
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De Herr Flick a 02.10.2011 às 19:12

e para além de sermos um povo do outro mundo somos um povo do caralho, falta-nos os tomates mas isso já são favas contadas. Image
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De Luísa Correia a 02.10.2011 às 20:46

O que já me ri, José!
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De Irene Pereira a 02.10.2011 às 22:04


Adorei, pelo conteúdo, que subscrevo. A minha ignorância tem dificuldade em compreender alguma pseudoarte que para aí sobrevive, às vezes à conta do erário público. Depois adorei a forma como escreveu. este episódio fez-me lembrar um, aqui há uns anos, duma sanita partida num museu americano, se a memória  não me falha, que era uma reputadíssima obra de arte que a empregada d elimpeza, vendo aquele monte de cacos varreu para o lixo.
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De Não podemos admirar-nos com nada a 03.10.2011 às 09:52

Não há muito, um "artista" radicalmente idiota fechou-se numa gaiola cheia de galinhas, durante 3 dias. Mas sob o efeito de sedativos, coisa que permite a qualquer um estar descansadinho até no Afeganistão. Foi na Bienal de Cerveira.
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De Samuel de Paiva Pires a 03.10.2011 às 11:42

Caríssimo José, este é sem dúvida um dos melhores posts que li nos últimos tempos Image
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De Nuno Castelo-Branco a 04.10.2011 às 10:11

Enfim, há uns tempos a Casa de Serralves "mostrou" uma exposição fotográfica cuja temática era o "olho do cu", alguns deles sujos, com "borlotas". Sugestivo, imagino as familórias que querem intelectualizar a filharada ao domingo. Deve ter sido giro.
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De Osório a 27.10.2011 às 20:26

Hilariante!

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