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É a crise de dívida soberana, uma crise internacional?

por Maria Teixeira Alves, em 14.03.11

De uma vez por todas que o Primeiro Ministro pare de dizer, e de pensar já agora, que a crise de dívida soberana que afecta Portugal é um problema internacional, ao qual o seu Governo é completamente alheio.

 

A crise de dívida soberana é uma crise das Finanças Públicas, só e mais nada.

 

O que é que aconteceu a partir de 2007?

 

No final de 2007 e durante todo o 2008 estoira a chamada crise do subprime nos Estados Unidos, a partir da falência de instituições de crédito norte-americanas ( Fannie Mae e Freddie Mac)  que concediam empréstimos hipotecários de alto risco (em inglês: subprime loan ou subprime mortgage), arrastando vários bancos para uma situação de insolvência e repercutindo fortemente sobre as bolsas de valores de todo o mundo.

 

O que isto do subprime? Ao contrário do que se quer fazer crer, que isto resulta da direita capitalista selvagem, a crise do subprime nasce de uma ideia de esquerda:

 

A ORIGEM DA CRISE DO SUBPRIME

No primeiro mandato de Bill Clinton ( 1993-1997), o governo americano decidiu estimular a compra da casa própria pelas famílias que estavam no grupo inferior da classe média. O governo Clinton, incluindo aí os democratas na Câmara e no Senado, estabeleceu regras e usou sua influência para estimular as agências (Fannie Mae e Freddie Mac) a afrouxar os critérios para a concessão de empréstimos, de modo a ampliar o universo de famílias beneficiadas. A operação foi um sucesso e nos bons momentos os americanos chegaram a comprar 800 mil casas novas por ano. Isto beneficiava ainda de uma politica de baixas taxas de juro prosseguida pelo FED.

 

O subprime eram empréstimos hipotecários, mas também ao consumo,  e eram concedidos, nos Estados Unidos, a clientes sem rendimentos declarados - os chamados clientes ninja (do acrônimo, em inglês, no income, no job, no assets: sem renda, sem emprego, sem património). Essas dívidas só eram honradas, mediante sucessivas vendas das casas de cada vez que um cliente não pagava, o que foi possível enquanto o preço dos imóveis permaneceu em alta. Essa valorização contínua dos imóveis permitia ainda aos mutuários obter novos empréstimos, sempre maiores, para liquidar os anteriores, em atraso - dando o mesmo imóvel como garantia.

 

Mas a recessão nos Estados Unidos começa a espreitar e a desvalorização imobiliária acentua-se. Foi o desaire. Porque entretanto tinha-se criado um mercado gigante de credit default swaps  (uma espécie de seguros de cobertura de risco), tinha-se titularizado as carteiras de créditos e vendido a outros bancos por esse mundo fora. O 'subprime', como era muito arriscado, dava também muita rentabilidade. E por alguma razão que se desconhece, e que hoje, após o estoiro, ainda deixa pasmos muitos analistas, tais títulos obtiveram o aval das agências internacionais de classificação risco.

 

Entre Agosto e Setembro de 2008 começam a falir os grandes bancos (Northern, Lehmans, etc). Começam assim as nacionalizações.

 

Com as ameaças de falência dos grandes bancos surge a Crise Financeira. Nessa altura ninguém conhece a realidade dos balanços dos bancos, logo a banca entra na lista negra. Ninguém empresta a ninguém. Pára o Mercado Monetário Interbancário. Bancos tem de recorrer ao BCE.

 

A situação da banca começa depois a melhorar progressivamente, à medida que são revelados os casos de "buracos" nos balanços, quer sejam eles provocados pela existência de subprime em carteira, quer sejam eles resultado das desvalorizações sucessivas dos títulos em bolsa que os bancos tinham em carteira.

Assim que a sangria é estancada os bancos começam lentamente a conseguir financiarem-se no mercado, até que surge a crise de dívida soberana e os bancos dos países de risco voltam a ver o mercado monetário a virar-lhes as costas.

 

Como surge a Crise de Dívida Soberana?

Com as nacionalizações de bancos, resultado da crise financeira, a União Europeia flexibiliza os tectos máximos permitidos aos países membros, em termos de déficit em percentagem do PIB e dívida pública em percentagem do PIB. Isto porque os Estados foram chamados a ajudar a banca.

 

Aqui reside o problema. A Irlanda derrapou muito as suas finanças públicas, mas no seu caso teve mesmo que ajudar os bancos.

 

A Grécia mentiu e quando se foi ver tinha uma despesa pública muito superior ao declarado.

 

Em Espanha a bolha imobiliária afectou os bancos, as Cajas de Ahorros são verdadeiramente problemáticas.

 

E finalmente Portugal que em 2009 aproveitou a flexibilização das regras de Maastricht para subir estrondosamente o déficit sobre o PIB e a dívida pública. Lembram-se que nos tempos de Maastricht a dívida pública estava condicionada a 60% do PIB, pois a partir de 2009 passou para 80%. Hoje está em 83%. O mais grave é que o único banco que o Estado Português teve que intervencionar ainda não pagou a intervenção, estou a falar do BPN.

 

Em 2009 Sócrates pagou com empréstimos a sua reeleição, ao dar aumentos à Função Pública, gastou o dinheiro em investimentos públicos desnecessários, queria aproveitar o tempo que lhe restava para construir o país dos seus sonhos.

 

Evidentemente que assim que a dívida pública atinge os 80% do PIB, os mercados financeiros desconfiam que esse país não vai conseguir pagar na totalidade a dívida que emite. É por isso os juros da dívida pública dispararam. É isto a crise da dívida soberana. Ou seja, existe quando há crise das finanças públicas. Ou seja, quando um Governo se descuidou com os gastos e se endividou acima das suas possibilidades para financiar um sonho megalómano.

 

Por isso Senhor Primeiro Ministro não vale a pena atribuir a culpa à crise internacional, porque no limite quem se endividou foi Portugal. Quem aumentou a despesa pública, foi o governo português.


7 comentários

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De Juliana a 14.03.2011 às 23:22

Crise para totós :)
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De Rui Crull Tabosa a 14.03.2011 às 23:24

Assim se desmonta a grande mentira com que o PS tenta enrolar os portugueses.
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De Velho da floresta a 15.03.2011 às 00:14

Independentemente da absoluta justiça do seu raciocínio sobre a criminosa incompetência do actual (des)governo, aquilo a que chamamos "mercados", não são mais do que meros especuladores financeiros perfeitamente identificados, aproveitando-se da fragilidade temporária, das várias economias nacionais em crise, de países com capacidade produtiva, para realizarem lucros substanciais em operações que sabem irão ter retorno, mesmo que essas dividas venham a ser renegociadas. Eu considero isso profundamente incorrecto, colocando esse género de negócio no plano da agiotagem e sou absolutamente insuspeito de ser de esquerda, além de que os famosos ratings " de perigo de incumprimento, sabendo-se a origem dos mesmos só acredita neles quem quiser, pois se Portugal está na oitava posição a contar do fim de perigo de incumprimento, alguém poderá sem desprimor para o país, dizer-me qual é a posição do Burkina Fasso nessa lista?
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De Maria Teixeira Alves a 15.03.2011 às 01:49

Os mercados são as tesourarias dos Bancos. Não se esqueçam. A única razão porque a Alemanha e a França não nos deixam cair é porque se deixarmos de pagar parte ou tudo daquilo que emitimos (Estado emitiu) os bancos alemães têm de registar as perdas e muito provavelmente abre-se uma crise na banca europeia. Mais aumentos de capital para quem tem accionistas capazes ou nacionalizações para evitar falências para quem não pode.

Os mercados não são especuladores, são investidores e têm em vista o lucro, olham para os vários prazos e antecipam problemas para tirar partido das conjunturas. Os mercados estão a antever que Portugal vai entrar em default.
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De Anónimo Veneziano a 15.03.2011 às 06:29

Uma boa análise, embora ainda se pudessem acrescentar muitos outros detalhes que lançariam uma luz diferente sobre a questão. Apenas registo que muitas pessoas têm uma ideia estereotipada do "mercado". Imaginam figuras bisonhas (de nariz adunco?), ocultas em antros sombrios, manipulando o numerário para se locupletarem imoralmente à custa dos outros. Ora eu creio que apesar de haver personalidades que possam corresponder a essa caricatura (e porque é que me lembrei do Sr. Soros?) a grande maioria dos fundos que circulam no mercado financeiro pertence a instituições sérias, fundos de pensões, fundos de investimento, contas de estados soberanos, divisas de economias emergentes que dispõem de grande liquidez (China, India, etc.). Ocorreria a algum Governo "nacionalizar" esse mercado? Qual a alternativa?
 
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De Olhe que não a 15.03.2011 às 15:43

Portugal não se endividou no limite, Portugal endividou-se para lá de todos os limites.
 
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De Carlos Rodrigues a 11.07.2011 às 03:09

Parecem estar informados, por isso gostaria de  perguntar: alguem me sabe informar dos valores da divida publica e privada?

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