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O bom português quando usa uma palavra estrangeira sente-se moderno, cosmopolita e dono duma grande ciência. Por isso desconfio dum secreto orgulho vivido quando soube que José Sócrates tinha feito valer uma Golden Share para lixar os espanhóis e o negócio aos accionistas da PT. Certamente essa medida não teria obtido o mesmo sucesso se tivesse sido através duma reles “participação decisiva” ou coisa parecida. Golden Share tem outro sainete. É tal e qual um Test drive, que afinal trata-se duma inigualável experiência de condução exclusiva de quem se prepara para se enterrar uma pipa de massa a comprar um automóvel.
A grande invasão dos anglicismos começou de mansinho no tempo dos meus pais com os filmes de Cowboys e com o After Shave, até chegar dominadora e despótica aos dias de hoje com o Outlet, o Underground e o casamento gay. Subitamente toda a gente se refere a downloads, feedback e barbecue, e gaba-se de ter um Account que lhe cobra as taxas na conta bancária. E se lhe derem conversa ouvirão termos como pricing e banking. Para mim este delírio começou quando eu era pequeno com a Baby sitter, o mais das vezes uma parente mais velha que nos fechava às escuras no quarto às dez da noite. Daí até ao Check in, Check out ou Cheesburguer foi um saltinho. Tudo por culpa do marketing que no tempo do meu avô era simples propaganda, uma palavra tão bonita que já ninguém quer usar. E vieram os personal trainer, os deadlines e os franchisings. Claro que subiram as taxas de divórcios e o consumo de Donuts, para desgraça das bolas de Berlim. De caminho pessoal obteve um Upgrade nas fórmulas de percepção da realidade com o conceituado Feeling que obteve bastante sucesso substituindo o nosso tradicional dedo que adivinha: hoje qualquer Tuga que se preze pode decidir baseado num bom Feeling.
Nos últimos anos, sem dúvida foi o Car jacking que trouxe um toque extra de modernidade ao linguajar indígena, tal como acontecera nos anos noventa com os Interfaces, os Shoppings e o Jogging, um singular desporto que consiste em correr a arfar pelas ruas ou caminhos. Agora não sabemos viver sem a Internet, os Mass media, os Overbookings e os Pace makers. Hoje em dia até os pescadores são vitimas de Phishing, e para nos livrarmos duma Newsletter no email é uma carga de trabalhos; uma miúda gira é uma Top model e é provável que até use um pearcing. É o mundo virado ao contrário, um triste destino de colonizados para o qual não há Golden Share que nos safe.
Fui ao freezer, abri uma coca diet; e saí cantarolando um jingle, enquanto ligava meu disc player para ouvir uma música new age.
Precisava de um relax. Meu check up indicava stress. Dei um time e fui ler um bestseller no living do meu flat. Desci ao playground; depois fui fazer o meu cooper. Na rua, vi novos outdoors e revi os velhos amigos do footing. Um deles comunicou-me a aquisição de uma nova maison, com quatro suites e até convidou-me para o open house. Marcamos, inclusive, um happy hour. Tomaríamos um drink, um scotch, de preferência on the rocks. O barman, muito chic, parecia um lord inglês. Perguntou-me se eu conhecia o novo point society da cidade: o TimeSquare, ali no Gilberto Salomão, que fica perto do Gaf, o La Basque e o Baby Beef, com serviço a la carte e self service. Preferi ir ao Mc Donald’s, para um lunch: um hamburger com milk shake. Dali, fui ao shopping center, onde vi lojas bem brasileiras, a começar pelas Lojas Americanas, seguidas por Cat Shoes, Company, Le Postiche, Lady, Lord, Le Mask, M. Officer, Truc’s, Dimpus, Bob’s, Ellus, Arby’s, Levi’s, Masson, Mainline, Buckman, Smuggler, Brummel, La Lente, Body for Sure, Mister Cat, Hugo Boss, Zoomp, Sport Center, Free Corner e Brooksfield. Sem muito money, comprei pouco: uma sweater para mim e um berloque para a minha esposa. Voltei para casa ou, aliás, para o flat, pensando no day after, o que fazer? Dei boa noite ao meu chofer, que, com muito fair play, respondeu-me: Good night.
Excerto (estrangeirismo) Ronaldo C. Lima.
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