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As novas regras do subsídio de desemprego tendentes a pressionar os beneficiários a aceitar QUALQUER oferta de emprego aplicam-se à bióloga a quem proponham um lugar de atendimento na banca do peixe de um supermercado? Ou à economista a quem proponham um posto de vendas numa perfumaria? Ou à jurista a quem proponham uma função de contínua numa repartição notarial? Ou à engenheira informática, a quem proponham um trabalho na condução de eléctricos? Note-se que, para mim, não é questão dos parentes que caem à lama. Nestes tempos de crise, aliás, estamos lá todos. O que queria era compreender se há limites à mobilidade profissional. Melhor dizendo, queria ter dados para poder avaliar os riscos e a rentabilidade, no Portugal vindouro, do investimento em «canudos», por comparação com o mais económico, humilde e adequadamente versátil autodidactismo.
E diz muito bem, caro Xtremis. Mas note que hoje, todo o mundo é incentivado a obter um canudo, sem o qual o entendimento geral é de que já não se vai a lado nenhum. O ensino profissional não existe ou não tem visibilidade. E o acesso ao superior é cada vez mais fácil, porque o «liceu» não faz, realmente, nenhuma triagem, a partir do momento em que a escolaridade é mínima e obrigatória. Quanto à capacidade de absorção do país, o desequilíbrio é total, num, como noutro sentido. Veja como, na questão dos médicos, se exigem médias de 19 para a entrada nas faculdades, e depois se contratam especialistas estrangeiros sem as mesmas exigências curriculares. Os tempos estão terríveis para os nossos jovens (ainda há dias alguém me falava no incrível crescimento do consumo de ansiolíticos nas faixas etárias dos 18, 19, 20 anos). E as perspectivas, no quadro da globalização, não são nada, nada famosas. Só, realmente, saindo daqui.
Concordo consigo, José, que a massificação nivelou a qualidade académico-profissional por baixo. Mas em Portugal (e neste caso, sim, com o especial patrocínio socialista) nivelou as expectativas por cima. Esta contradição, num país pobre como o nosso, sem nada para dar e com pouco para distribuir, tinha de redundar no estado em que estamos, de desnorteamento, de desconfiança e de desespero. Desgraçadamente, a maior pancada, ainda vão levá-la os nossos filhos.
A saída, Tiago, é o estrangeiro, é o retorno à emigração, agora qualificada. Embora, com a degradação geral do nosso ensino, seja bem possível que avancemos para a competição internacional em posição de desvantagem… Outra saída é talvez estimular nos nossos jovens uma mentalidade radicalmente diferente daquela em que fomos educados: não queiram ser empregados; queiram sim trabalhar; e, de preferência, por vossa conta e risco. :-)
Aí está, Maria: baixa-se a qualidade, mas aumentam-se as expectativas. E os desequilíbrios, depois, são o que se vê.
O Luís coloca a questão nos termos certos: «SE a bióloga aceitar». Mas é nesses termos que reside a minha dúvida. Será que a bióloga PODE, realmente, aceitar? Ou será que a bióloga TEM de aceitar?
Note, Luís, que estou ciente de que, nesta conjuntura de retracção do mercado de trabalho, nenhum desempregado pode ter a veleidade de reentrar nele pelo patamar por que saiu. É quase inevitável que se passe «de cavalo para burro». Mas, neste caso, estamos ainda em presença da grande família dos «equídeos». O exercício de funções de vendas numa banca de peixe implica, para uma bióloga, uma mudança de «família», que pode ter efeitos negativos a vários níveis, incluindo o que mais interessa ao país, da produtividade. Uma bióloga, em Portugal, adivinha-se uma mulher mal paga, mas, com toda a probabilidade, inserida na «família» do trabalho docente ou de investigação, com uma forte componente teórica ou intelectual. Uma vendedora de peixe, em Portugal, adivinha-se uma mulher também mal paga – muito mal paga! - e, com toda a probabilidade, inserida na «família» do trabalho comercial no segmento alimentar, com uma forte componente prática ou manual. Nenhum ser humano consegue reunir em si mesmo «vocações» tão díspares. :-)
Tem toda a razão, Maria da Fonte. Há muitos anos que andávamos a viver acima da nossa condição e há muitos anos que muita gente alertava para esse facto. Facto entretanto muito agravado com a globalização, porque é evidente que, num futuro próximo, nem a bióloga, nem a vendedora de peixe portuguesas, mesmo mal pagas, podem concorrer com a bióloga e a vendedora de peixe chinesas. O empobrecimento geral já é uma realidade, mas receio que não tenha descido ainda ao patamar em que poderá estabilizar.
Vejo, meu caro Bem-observado-!, que o destino da minha bióloga passará sempre por uma banca: de peixe, de hortaliça… Não há esperança numa banca de banqueiro? ;-D
Caro Manuel, planificar é, sem dúvida, das actividades de gestão mais essenciais, mas mais difíceis. Joga com a incerteza do futuro, joga com tempos, necessidades e recursos praticamente imprevisíveis agora que o mundo acelerou o seu ritmo de rotação. Mas, no caso específico que discutimos, essa dificuldade é ainda maior porque joga também com a sensível questão das vocações individuais (o «direito» à felicidade?) E depois há ainda a questão territorial, a concentração urbana e o abandono do interior. E depois há ainda a questão migratória, e a crescente entrega de certos tipos de trabalho a emigrantes. E depois há ainda a livre circulação e competição profissional no espaço europeu. E depois, e depois, e depois… :-)
Também duvido de que os actuais governantes – quaisquer governantes, muito provavelmente - sejam capazes de levar a cabo uma tal tarefa com eficácia.
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