Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Os clássicos também se «abatem»...

por Luísa Correia, em 26.02.10

Periodicamente, retempero-me nos clássicos. E é comum que o faça em segundas e terceiras revisões. Mas com o Camilo não há essa necessidade, pois, graças à extensão da sua obra, tenho sempre novos Camilos a desbravar. Desta vez, motivada pela crescente curiosidade por tudo o que respeita à minha «terra», escolhi o título «Mistérios de Lisboa». E não estremeci perante as suas quase setecentas páginas, nem perante a letra miudinha e o aperto das linhas. Estremecimentos, reservava-mos o conteúdo. A intriga é complexa e enreda uma série de personagens equívocas nas suas opções de vida – todas elas tão prisioneiras de uma fé religiosa e moral ardente, como libertas dela nas suas relações amorosas, invariavelmente extra-conjugais e frutuosas em bastardias. Mas a surpresa é o romantismo exacerbadíssimo que perpassa pela narrativa, em que não encontro, até onde já li – e já passei de metade – senão torrentes de lágrimas, suspiros, agonias, desmaios e toda a panóplia de manifestações paroxísmicas de sofrimento espiritual, febres tísicas e golfadas de sangue, orações convulsas de mãos trémulas e braços erguidos, penitências, cilícios e lances de êxtase, de delírio e de loucura, naquilo que é uma procissão de mártires das paixões e do remorso, que se martirizam pelos caminhos espinhosos do martírio que é a existência terrena. Confesso que, embora conheça alguma obra do Camilo romântico, os Mistérios de Lisboa extremam as características da escola, e não há sequer um laivozinho do seu delicioso sarcasmo (salvo, talvez, no episódio da Anacleta bacalhoeira, quando ainda era velhaca) que alivie o quadro tenebroso de desgraça. É um mistério – meu, não de Lisboa – que mantenha intacto o interesse nesta leitura. Mas mantenho. Não é, certamente, pelo desenlace, que adivinho de consumada tragédia… Ou talvez seja, pensando melhor, pela ânsia de ver, sim, consumada a tragédia. Que é como quem diz, ver «abatidas» tão sofridas e enervantes personagens, de modo que não fique uma para [re]contar a história.


10 comentários

Imagem de perfil

De Luísa Correia a 27.02.2010 às 04:34

As «Memórias do Cárcere» são muito interessantes, C.a., e o «Amor de Perdição», lido vinte anos depois, é a mais agradável das revelações. O Camilo é o autor a que volto sempre nos momentos em que não sei o que hei-de ler ou em que preciso de uma leitura que me anime ou apaixone. Dá-me a sensação de estar a ouvir um velho avô contar-me histórias com um humor que é para mim irresistível e que chega a fazer-me chorar de tanto rir. Ainda não há muito revi as Novelas do Minho e diverti-me imenso. Os Mistérios de Lisboa valem pela sucessão dos mistérios. A trama é intrincadíssima e estamos sempre à espera de descobrir quem será o novo «vulto/mártir» que nos apareceu ao virar da página. Metade deles, entretanto, já entregou a alma ao Criador. Falta dar conta da outra metade. :-)
Imagem de perfil

De c.a. a 27.02.2010 às 05:05

O pouco que já li das «Memórias» (e me levou a comprar o livro) fez-me ter vontade de rever a minha opinião sobre Camilo, uma opinião que tem por base, apenas, nas minhas leituras de estudante. De facto, é pouco. A sua opinião veio incentivar o meu propósito. Li algures que a escrita de Agustina tem uma forte influência de Camilo. Gosto de Agustina (ainda que só consiga lê-la em doses moderadas...). Agora com a sua achega, irei ler Camilo, está decidido! Obrigado, Luísa :-)

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • henrique pereira dos santos

    Ser contra ou a favor do mercado é como ser contra...

  • Anonimo

    Como dizem os gringos, free stuff é coisa de socia...

  • Anónimo

    A dada altura, um bocado lá para trás, pareceu que...

  • Filipe Costa

    E se a familia dele viver toda no Porto e arredore...

  • Silva

    Com idolatrias ou sem idolatrias, a pressão financ...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2025
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2024
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2023
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2022
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2021
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2020
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2019
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2018
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2017
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2016
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2015
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2014
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2013
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2012
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2011
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2010
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2009
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2008
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2007
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D
    248. 2006
    249. J
    250. F
    251. M
    252. A
    253. M
    254. J
    255. J
    256. A
    257. S
    258. O
    259. N
    260. D