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Imposições e hipocrisias

por Tiago Moreira Ramalho, em 20.09.09

O Miguel Madeira escreveu um artigo, recomendado pelo André Azevedo Alves, sobre isto das contradições.

A tese do Miguel Madeira, em traços simples, é que não há contradição quando um socialista compra acções nem tão-pouco quando um liberal frequenta a escola pública.
Concordo numa parte e discordo na outra. Um socialista é, por definição, contra a propriedade privada – mesmo que seja só em alguns sectores. Se o Bloco, por exemplo, defende que a PT e a EDP devem estar fora do controlo dos privados, ter bloquistas a controlar essas empresas é simplesmente aberrante. É que nem se trata de uma lógica de benefício, a deles, é de princípio. A apropriação colectiva destas empresas, para os socialistas, é uma questão de princípio e retirar benefício do facto de estas empresas serem privadas é simplesmente uma hipocrisia.
Já um liberal defende que o governo e a maioria não devem usar a sua força para impor determinados tipos de organização social. É por isso que se opõem a que o Estado imponha a Escola Pública ou a Saúde Pública. No entanto, a um liberal é imposto que pague tanto a escola, como a saúde como tudo o resto que a maioria obriga. Aqui, uma pessoa pagar os impostos e depois pagar novamente no privado seria simplesmente incomportável. Já para não dizer que os preços dos privados são muitas vezes inflacionados pela presença do público (nunca ninguém se perguntou sobre como é possível termos professores melhor pagos que na Finlândia apesar de termos um excesso de 50 000 na oferta?). Neste caso, ao liberal é imposto que pague e o máximo que pode fazer – as mais das vezes, nomeadamente quando não tem recursos financeiros – é aceitar a imposição. Já no caso do socialista que compra acções não há imposição nenhuma. O socialista não é obrigado a comprar acções de modo nenhum por política nenhuma.
Eu sei que isto parece juízo em causa própria, mas julgo sinceramente que há aqui dois planos distintos. Um dos lados não pediu e obrigam-no a ter. O outro condena a posse em público, mas no privado tira dela os benefícios reconhecidos. Num há hipocrisia, no outro há, no máximo, cedência perante uma imposição.


6 comentários

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De Daniel João Santos a 20.09.2009 às 22:28

interessante como este país continua a colocar etiquetas e de seguida definir as pessoas baseado nelas.
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De l.rodrigues a 20.09.2009 às 23:31

"nunca ninguém se perguntou sobre como é possível termos professores melhor pagos que na Finlândia apesar de termos um excesso de 50 000 na oferta?"

Assumindo que isto é factual... Que é que pretende tirar daqui? Que deviamos recrutar os professores mais baratinhos primeiro? Ou será que queremos os melhores? Isto é lá argumento para alguma coisa?

Além disso, o ensino privado é largamente subsidiado pelo estado, ao que sei.
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De O assunto já chateia, mas... a 21.09.2009 às 08:54

Não é a PT, é a Galp.

Mas uma pessoa clamar contra a especulação bolsista, chamar casino à bolsa de valores, querer nacionalizações, se insurgir constantemente quanto a tudo o que é privado, pretender taxar pesadamente as mais-valias, devia levá-la, por mera decência, a não ter nem PPR nem, muito menos, comprar acções.

E só as tem porque sabe que essa sua conversa não terá aplicação prática neste país e na UE.

Quanto à comparação, é tão palerma que nem dá para argumentar. Para se deslocar, um liberal nem devia comprar o passe social, que é subsidiado pelo governo. Abóbora.
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De Miguel Madeira a 21.09.2009 às 09:20

"É que nem se trata de uma lógica de benefício, a deles, é de princípio. "

Não percebo o que o TMR quer dizer com isto - um socialista que defenda que as "empresas estratégicas" (ou os "monopólios naturais", ou o que lhe queiramos chamar) devem ser públicas defende-o porque acha que tal é socialmente benéfico.

Voltando ao exemplo que já dei nalguns sitios: imaginemos que a Joana Amaral Dias acha que o facto da EDP ser privada faz com que os preços da electricidade sejam muito maiores do que seriam do que se a EDP fosse pública (repito que é irrelevante que isso se passe na realidade - o que interessa é o que ela pensa). Ela de qualquer maneira terá que pagar esses preços mais altos, logo porque não poderá tentar recuperar parte do que lhe é "roubado" sendo accionista da empresa?

O que esta discussão me faz parecer é que muitos liberais não compreendem que, para um socialista, a proposição "a propriedade privada dos [todos ou alguns] meios de produção é um roubo" tem valor idêntico a, para um liberal, "os impostos são um roubo". Logo, tal como um liberal pode pensar "já que sou roubado pelo Estado, tenho direito de utilizar os serviços públicos gratuitos - só estou a recuperar parte do me tiram", também um socialista pode pensar "já que sou explorado pelo capitalismo, também tenho direito a ter rendimentos do capital - só estoua recuperar parte do me tiram" - a lógica é exactamente a mesma (face aos pressupostos em que cada um acredita)
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De Miguel Madeira a 21.09.2009 às 10:21

Agora, ao contrário do que muita gente (incluindo o TMR) anda a dizer, até acho os PPR's do Louçã (ou as minhas conta poupança-habitação) mais duvidosos que as acções da AD e da JAD:

- no caso das acções, as "vitimas" da "exploração" da GALP ou da EDP não ficam pior do que ficariam se elas não fossem accionistas - o dinheiro que elas ganham é apenas dinheiro que outros potenciais accionistas deixam de ganhar (ladrão que rouba ladrão...)

- pelo contrário, quando eu tive beneficios fiscais pelos minhas CPH (e se o Louçã tiver tido beneficios fiscais pelos seus PPR, como possivelmente teve) aí o Estado ficou mesmo prejudicado, recebendo menos dinheiro do que receberia se eu não tivesse posto isso na declaração do IRS (logo, isso originou, ou impostos mais altos para quem não tem capacidade financeira para aproveitar os beneficios fiscais, ou então menos receita para aplicar em despesas sociais).
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De Tiago Moreira Ramalho a 26.09.2009 às 16:48

Miguel,

Desculpe só responder agora, mas com tanta coisa acabei por me esquecer desta discussão.

1. No caso das acções, mais que avaliar os efeitos da «exploração», tem de se avaliar a contradição em relação ao que se apregoa. Repare-se: ao mesmo tempo que gritam horrores dos «exploradores», «exploram» também. É óbvio que os efeitos são os mesmos, mas a questão não é essa. A questão é que sendo contra a «exploração», estas senhoras estão a «explorar». Sendo que, e isto é importante, têm outras vias para gerar rendimento (quem sabe, investir numa empresa e criar emprego... que bom!).

2. Já nos casos dos liberais, apesar de aceitar que se pense, à partida, que há uma subversão dos ideais, não concordo totalmente. Imagine o Miguel que viviamos num país tipo Cuba em que tínhamos duas opções: utilizar o que o Estado tem ao nosso dispor ou morrer. É isso que acontece com a comida e tal. Um liberal, por muito certos que considerasse estarem os seus princípios, não podia ser acusado de incoerência. Caramba, estaria a ser coagido a. Teria o que lhe davam ou a morte. Já no primeiro caso, isso não acontece, dado que há outras formas de gerar riqueza. Agora diminuamos o peso do Estado para os 50% que ocupa agora: um liberal, ao utilizar o sistema de saúde e ensino, pode estar numa situação de contradição, caso tenha a opção de nem contribuir nem beneficiar dos sistemas. Isto é, se puderem ficar aparte, têm de ficar. No entanto, isso não acontece. Todos são forçados a pagar os serviços, isto é, o Estado obriga-nos a financiar sistemas que não queremos financiar e deixa-nos, de sobra, uma quantia insuficiente para que possamos ter aquilo que o nosso rendimento permitiria à partida. Há um condicionamento efectivo da acção.

Poderemos comparar os dois cenários caso o primeiro se altere: imagine que o Estado obrigava todos os cidadãos a ter acções de empresas. Aí, JAD e AD estariam a cumprir a lei e os benefícios que retirassem daquilo seriam consequência de uma obrigação. Mesmo assim a comparação não é completamente boa, mas seria preferível.

Cumps.

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