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Justiça

por Tiago Moreira Ramalho, em 29.06.09

A propósito da condenação de 150 anos aplicada a Bernard Madoff, de 71, dou por mim a pensar se será justo. Provavelmente encher-me-ão a caixa de comentários com palavrões e as neoliberalices costumeiras, mas aqui não se trata disso. Aqui tanto falo de Madoff como de qualquer outro, apenas o timming me leva a usar o nome.

Suponho, e claro que não sou jurista, mas penso que isso não importa para o caso, que o propósito da justiça não é o de permitir uma vingança coberta pela lei. O propósito da justiça é outro: é o de tentar repor os danos causados e castigar o prevaricador de forma a que, em primeiro lugar, o indivíduo não repita o comportamento e, em segundo lugar, se dissuada outros de o imitar. Penso que só assim será feita justiça, se estes três pontos forem respeitados.

No caso das pessoas que são condenadas a 150 anos, por exemplo, há um dos pontos que não é respeitado: o da não repetição do comportamento. Ou melhor, o comportamento não é repetido, mas não é uma verdadeira reabilitação do criminoso. Não se deposita confiança na possibilidade de quem errou uma vez possa não errar da segunda. E isto, parecendo algo perfeitamente banal, é muito grave. Foi por não permitir a segunda oportunidade e a reabilitação subsequente que a pena de morte foi vista como errada e foi abolida por esse mundo fora, tendo Portugal sido pioneiro. Pergunto-me se há diferenças efectivas entre condenar alguém à morte ou condenar alguém a viver 150 anos numa prisão. O colectivo permite-se condenar alguém a morrer, literal ou metaforicamente, apenas porque se acha no direito de dar a essa pessoa um atestado de imutabilidade. É errado e as pessoas que estavam hoje a gritar à porta do tribunal, bem como as outras que gritam noutros tribunais, noutros países, a propósito de outros casos, deveriam, por um segundo que fosse, pensar: e se fosse eu, acharia justo não ter uma nova chance?



6 comentários

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De Daniel João Santos a 29.06.2009 às 21:20

Nova chance...

Como o senhor em questão tem setenta anos, para ter uma nova chance deveria ir para casa com pena suspensa.

A própria defesa pedia apenas 12 anos, sairia com 82.

Tudo dito.
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De Tiago Moreira Ramalho a 29.06.2009 às 21:22

Isto é uma generalização. Peguei no Madoff por ser um caso recente. Claro que no caso de alguém da idade dele é complicado...
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De Manuel Leão a 30.06.2009 às 10:49

Tiago Moreira Ramalho:

Uma segunda oportunidade num caso destes ou parecido, só pode lembrar ao Tiago ou aos próprios. Você tem a noção de quantos milhões de pessoas no mundo estão a passar mal por causa desse senhor? Não tem!
Aliás, o seu problema, em casos como estes, é o afastamento que revela da realidade. Da dureza da vida, do que é a luta pela sobrevivência de grande parte de quem fica sem emprego, etc

Escrever sobre estes casos exige que se interiorize primeiro a magnitude dos efeitos que estas barbaridades têm na vida de tanta gente. Quem sofre os efeitos são pessoas não são estatísticas. São pessoas como você e como eu, todas diferentes, todas irrepetíveis, todas com um nome, todas ou quase todas com filhos,etc
Outra oportunidade, valha-o Deus porque eu não lhe posso valer!
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De CS a 29.06.2009 às 22:39

Para que o terceiro ponto seja respeitado, o elemento dissuasor tem de funcionar. Neste caso, a quantidade de pessoas e entidades lesadas são imensas e o facto de a pena ser 150 anos é meramente simbólico, pois o efeito prático, para o acusado, seria o mesmo se apanhasse 25 anos.
O que aqui se destaca é exactamente o elemento dissuasor.
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De João André a 30.06.2009 às 10:56

«Foi por não permitir a segunda oportunidade e a reabilitação subsequente que a pena de morte foi vista como errada e foi abolida por esse mundo fora, tendo Portugal sido pioneiro. Pergunto-me se há diferenças efectivas entre condenar alguém à morte ou condenar alguém a viver 150 anos numa prisão»

Neste caso coloquemos a questão dos 150 anos como equivalente a prisão perpétua, caso contrário entramos na questão do cúmulo jurídico (não existente nos EUA e existente em Portugal, alguém me corrija se eu estiver enganado).

A primeira questão é, na minha opinião, falsa. Eu vejo a abolição da pena de morte como uma questão moral, mais do que prática. Perguntas se há diferença entre viver em prisão perpétua ou ser condenado à morte. Há, certamente. Muita gente preferiria ser condenada à morte do que ficar enjaulada. Outros irão pelo contrário. Como a lei não pode perguntar ao condenado qual seria o pior, estabelece um critério.

Em termos de reabilitação, contudo, não existe essa diferença. Alguém que seja condenado a prisão perpétua (ou a penas de prisão suficiente para que tal seje equivalente) e não tenha possibilidade de liberdade condicional (pormenor importante na questão da reabilitação) tem poucas mais hipóteses de reabilitação que um condenado à morte. Mas tem algumas, pelo menos pessoais. Pode escrever um livro, dar aulas na sua prisão, fazer trabalhos oficinais, etc. Depende muito das prisões, dos países, etc, mas há, em alguns casos, teoricamente, tal possibilidade, mesmo que o condenado nunca saia da prisão.

Quanto à questão da reabilitação, esta é importante, de facto, mas tem sempre de ser equilibrada com as questões do castigo e da dissuasão. Curiosamente, e focando-me nesta última, as penas mais elevadas não são garante de dissuasão. Haverá estudos que confirmam isso (por altura do Ano Novo eram referidos num número especial da Economist). A pena de morte, portanto, não consegue dissuadir os criminosos de praticar actos que sejam passíveis de a activar. Isto porque tais actos são também dos mais proveitosos (de diversas maneiras, não apenas financeiramente) e portanto valem o risco.

O que há a pensar é a questão da reabilitação. Só que, perante uma promessa de reabilitação o criminoso pode pensar nessa hipótese como um bilhete para uma liberdade que surja mais cedo e que lhe permita repetir os actos. Há portanto que levar em conta se o criminoso será reabilitável.

E é por isso que não podemos desligar isto do caso Madoff. Estamos perante um homem que já era rico, ou seja, não necessitava deste crime para se beneficiar. Por outro lado, a idade garante que o tempo de reabilitação seria semelhante ao da sua esperança de vida. Por outro lado ainda, "burro velho não aprende línguas", pelo que é provável que um criminoso mais velho seja menos sensível a uma reabilitação. Por fim há a questão da contribuição que um criminoso reabilitado possa dar à sociedade e aí vemos tal possibilidade por parte de um criminoso velho como baixa.

Uma mudança que se poderia introduzir no sistema penal para contribuir para a reabilitação seria a limpeza do registo criminal se, depois de cumprida a pena e após um período pós-pena igual (por exemplo) ao da pena, o ex-criminoso em causa se mantivesse honesto. Desta forma deixaria de ser vist pela sociedade como criminoso e passaria a ter mais incentivos para ser honesto.

Mas a pergunta que fazes Tiago é pertinente. E para mim tanto me faz que Madoff tenha roubado milhares de milhões ou apenas umas dezenas de dólares. Um criminoso é um criminoso. Por outro lado, e em tom muito pessoal, as suas vítimas poderão suportar uma perda de uns 5 milhões de dólares (por exemplo) melhor que a maior parte de nós poderia suportar uma perda de umas centenas. Mas isso não os torna menos vítimas, é um facto, é apenas um apontamento pessoal e, digamos, esquerdista ;)).
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De Nuno Castelo-Branco a 01.07.2009 às 00:48

Estes 150 anos são meramente simbólicos. Mas o que pensas então, quanto à acção nefasta de gente como o senhor Soros que arruinou dúzias de milhões de pessoas no sudeste asiático, com as suas vigarices especulativas? Destruiu as moedas da Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas, etc. Tudo por ganância. E isto pode levar-nos até muito longe. A pro´pósito do que se está a passar na Pérsia e recuando uns 32 anos, sabe-se há muito que o regime do Xá estava condenado pelos EUA. Senão, vejamos:
1. Independência política face aos EUA e boas relações com o vizinho do norte, a URSS.

2. A exigência americana do Irão ter de vender o seu petróleo ao desbarato, numa relação desigual e bilateral com os americanos.

3. O ataque surge precisamente na imprensa americana, com as devidas consequências de índole económica.

Embora tudo isto aparentemente nada tenha que ver com "casos Madoff", na prática este tipo de aventureiros acabam por arrastar países inteiros para o abismo. Soros anda à solta. Porque será?

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