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Para os monárquicos (2)

por Tiago Moreira Ramalho, em 03.01.09

Felizmente houve algumas pessoas a responder ao meu repto e há margem para o debate. Como o João Távora me indicou, fui dar uma espreita ao Centenário da República, li um pouco na diagonal, mas pareceu-me que o texto que justificava a vossa posição era o do João Gomes, já transcrito em parte na caixa de comentários. Pego, portanto, nesse texto para começar.

No primeiro ponto, o João Gomes diz-se monárquico por estar desgostoso com a República, sucintamente, é isto. Diz-nos que em cem anos de República, quarenta foram de ditadura. E que em Monarquia o país é livre. Este argumento, desmontado, é: como a República não está a ser boa, devemos mudar para a Monarquia. O problema é que, até ver, a Monarquia não foi melhor, nem na prática, nem no princípio. Na prática, e pegando exactamente em D. Carlos, há que lembrar a ditadura de Franco – sim, quando o Rei via a coisa mal parada decidia fechar o Parlamento, muito na linha do que diz Ferreira Leite naquela frase do “por na ordem”. Quanto ao princípio, já sobre ele falei, por isso, não vou repetir.
No segundo ponto, o João Gomes toca num ponto sensível e é capaz de ser este o melhor dos seus argumentos. É certo que um Presidente vem, invariavelmente, do aparelho partidário e o Rei é alheio a tudo isso. No entanto, não é por haver promiscuidade no sistema que o sistema perde legitimidade. Passo a explicar com um exemplo. Sabemos que há maus padres, padres criminosos até – fará isso com que a religião perca o seu valor? Do mesmo modo que maus padres não tiram valor à religião, maus políticos também não retiram valor algum à República e, por consequência, à Democracia. A solução aqui é corrigir o que está mal e não mudar tudo.
No terceiro argumento, o João Gomes volta à análise prática, quando o que se pretende numa defesa destas é a análise do princípio, creio eu. Mas ainda assim, há que responder. O que o João Gomes defende é que um líder imposto tem mais legitimidade que um líder eleito. Isto é já de si perturbador na minha visão, não me dou muito bem com imposições. Essa legitimidade vem do facto de o Rei ser à nascença Rei do país, ao passo que o Presidente é-o apenas para a parte que nele votou. Isto é profundamente errado. Um Presidente quando é eleito passa a ser Presidente da nação tanto para quem votou nele como para quem não votou. E mesmo que muitos não se revejam no Presidente, verdade se diga, muitos também não se revêem nos seus Reis – é o pecado da opinião. Aliás, a prova que nem todos se revêem nos seus Reis é o próprio Regicídio, que aproveito para dizer que foi um dos maiores crimes da nossa História. Como chefe de Estado, o Presidente tem até mais legitimidade que o Rei dado o facto de ter sido escolhido pelo povo – para haver presidente pelo menos metade da população tem de votar nele, enquanto para haver Rei ninguém precisa de aceitar, nem ele precisa que aceitem.
Depois, tanto o Toupeira como o Costa usam o eterno argumento do estrangeiro. Na Europa há muitas Monarquias e os países funcionam bem, por isso não há problema em Portugal funcionar em Monarquia também. Isto é o mesmo que dizer: “em Itália existe uma máfia super organizada e o país faz parte do G8, por isso, não vejo mal em haver uma máfia organizada também em Portugal”, ou “na América, durante o tempo da escravatura, assistiu-se a um forte crescimento económico, por isso, não vejo mal em haver escravatura de novo”. Ou seja, assume-se a Monarquia como eticamente aceitável como princípio e a partir daí é que se retiram as conclusões. A questão é que a Monarquia pode não ser, e não acho que seja, eticamente aceitável, logo, são os outros países que estão mal ao ter sistema monárquico, apesar de serem estáveis e tudo mais.
Espero novas respostas, que não faltam monárquicos na nossa blogosfera e o debate parece-me ser francamente interessante.


23 comentários

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De Costa a 04.01.2009 às 12:29

Só hoje pude aqui voltar. Quanto à questão das "Cortes" e da casta não representante do povo que as constituirá, suponho que mesmo limitando-nos à nossa história, se poderá verificar que essa afirmação não será inteiramente justa. Atendendo desde logo ao que, época a época, terá sido a noção generalizadamente aceite de uma tal representação.

E exactamente dentro dessa noção ajustada ao tempo vivido - e pegando no que escrevi no meu anterior comentário -, creio que antever uma monarquia contemporânea cujas Cortes sejam outra coisa que não um Parlamento eleito democraticamente em moldes, permita-se o simplismo, "ocidentais", é aceitar algo que todos tomaremos como aberrante. anacrónico, pelo menos.

Ora um Parlamento assim eleito será, tomando por boa a opção pela democracia representativa, um efectivo representante do povo (imperfeito, sujeito a perversões, mas ainda assim, creio, em teoria pelo menos, a opção mais válida) e não, mesmo que por tradição adoptasse essa designação, um exemplo de Cortes de casta, afastadas e desprezando o povo. Não vale a pena procurar exemplos longínquos: temos o caso espanhol, já aqui ao lado.

E um tal parlamento pode perfeitamente estar dotado dos poderes de destituição do monarca. Essa é, diria, uma questão de direito constitucional e sua aplicação, independente da questão de sistema monárquico ou republicano.

Apercebo-me, lendo o seu terceiro "post" sobre o tema, que desejavelmente afasta o caso específico da coroa britânica. Por ser um caso singular de sucesso e em seu entender ser mais útil discutir aqui princípios e conceitos gerais. Pelo mesmo critério afasta em boa medida - mesmo reconhecendo-as substancialmente - a invocação das falhas da república portuguesa, como eventual argumento para co-legitimar uma experiência monárquica. É um limite que coloca com toda a legitimidade, enquanto iniciador desta discussão.

Eu, nem remotamente um especialista no assunto (mas sim, como já notei, alguém que não afasta liminarmente nem república nem monarquia; embora me confesse desapontado com a república que temos), serei um razoável anglófilo - grave falta para muito boa gente, bem sei, mas tanto pior... Teria por isso a ousadia de lhe sugerir um livrito que tenho em mãos (England: An Elegy). Mas estando esse caso particular afastado da discussão, será melhor, talvez, não o fazer.

De maneira que vou continuar a seguir, interessado, o debate.

Cumprimentos,
Costa
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De Tiago Moreira Ramalho a 04.01.2009 às 15:12

Eu afasto o exemplo de sucesso da Inglaterra como Monarquia como também afasto o exemplo de sucesso dos EUA, do Luxemburgo, da França ou de Itália como Repúblicas. Afasto esses exemplos, pois o que quero discutir são os dois Regimes e não as particularidades de cada estado - discussão que não seria produtiva, porque ler relatórios também eu sei.
Sendo eu um amante confesso da palavra impressa, vou ver se encontro esse livro, até porque não quero ter "palas" e ver só um lado da questão.

Cumprimentos

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