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Muitos já não se lembram, outros nunca souberam, mas António Alçada Baptista foi no seu tempo um dos colunistas de maior sucesso na imprensa portuguesa. As suas crónicas, em jornais como o Diário Popular, eram lidas e citadas com imenso interesse. Havia nele uma genuína abertura às mais diversas áreas do saber e desprendia-se um toque cosmopolita dos seus escritos, suavemente confessionais, que lhe permitia estabelecer profundos elos de cumplicidade com as mais diversas camadas de leitores. Alçada, um beirão da Covilhã transplantado para Lisboa, gostava de estabelecer pontes - entre pessoas, entre ideologias, entre crenças, entre continentes. Tendo por base a fé cristã, o personalismo de Mounier, os valores da lusofonia e sobretudo o culto da amizade.
Habituei-me desde muito novo a conviver com a prosa ágil de Alçada e a admirar-lhe o talento de pintor de quadros humanos em letra de imprensa. Gostava também de um certo tom humilde da sua escrita, longe das certezas categóricas dos pregoeiros de ilusões. Era um homem que gostava de reflectir sobre a política, a cultura, o quotidiano. Não se importava de exprimir dúvidas e inquietações num país onde demasiada gente cultiva o espírito de trincheira. E era sobretudo um homem de cultura, num sentido muito lato, que não se limitava a perscrutrar o mundo, mas se envolvia nele e procurava torná-lo um pouco melhor. Por isso fundou uma revista como O Tempo e o Modo e uma editora fulcral como foi a Moraes. Aí saíram os seus livros mais importantes: Conversas com Marcello Caetano (muito incompreendido à época), O Tempo nas Palavras e sobretudo a fulgurante Peregrinação Interior, em dois volumes, um dos melhores roteiros intelectuais que a sua geração legou à posteridade.
Mais tarde viria a cultivar a ficção - faceta literária que nele nunca me interessou - e o texto memorialista, mostrando-se exímio na arte de contar histórias com personagens de carne e osso. Logo ele, que parecia conhecer toda a gente e não ter um só inimigo.
Vi-o pela última vez há cerca de dois anos, já muito alquebrado, à porta de sua casa, na zona de São Bento. Lembro-me de ter pensado, logo aí, que ficaria para sempre adiado o projecto de lhe fazer uma longa entrevista em que discorresse sobre o tempo em que viveu e o lugar que lhe coube em sorte. Ficou-me de lição: estes projectos nunca devem ser adiados. Alçada Baptista acaba de morrer, aos 81 anos. Em jeito de homenagem, vou regressar às páginas da Pegerinação Interior, essa obra hoje tão esquecida que me ajudou a incutir o gosto de pensar.
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