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Sarkozy e os outros

por Pedro Correia, em 16.11.08

Nicolas Sarkozy, ainda há poucos meses o bombo da festa de uma certa esquerda europeia, que não via nele mais do que um certo "monsieur Bruni", emerge da actual crise como o único estadista europeu digno desse nome. Mobilizou a Europa neste semestre em que Paris esteve à frente dos destinos da União Europeia, deslocando-se de uma capital a outra com uma habilidade de negociador nato, recuperando a velha tradição gaullista de uma França activa na política externa depois da crepuscular presidência Chirac. A ele se devem a recuperação do diálogo entre Moscovo, Bruxelas e Washington (contrariando a passividade de Durão Barroso) na sequência do conflito no Cáucaso e a adopção de directrizes claras para enfrentar o colapso dos mercados financeiros. A ele se deve também a cimeira de ontem do G20 na capital americana, que reuniu países que acumulam 65 por cento da população mundial e 90 por cento do PIB planetário.

Ironia da História: não podia ser maior o contraste entre um apagado George W. Bush no seu último encontro de alto nível na cena internacional, depois de ter visto severamente julgados pelos eleitores norte-americanos os seus oito anos de mandato, em que os EUA perderam influência e prestígio no mundo, e um Sarkozy impante de orgulho, como verdadeiro maestro de um hipotético renascimento europeu. Nem o facto de a zona euro estar em recessão parece preocupar excessivamente o Presidente francês.

E a verdade é que, tirando ele, não se vê mais ninguém que possa inverter a tendência depressiva do continente mais rico do planeta. Não será certamente Zapatero, que andou a mendigar um assento no banquete de Washington, apesar de a Espanha ser a oitava potência económica à escala mundial, ou os Governos da Holanda e da República Checa, que também conseguiram dois lugarzinhos no repasto depois de muito implorarem. Por pouco não aparecia também o nosso Sócrates, a fazer mais uma distribuição do seu computador de bolso a preço de saldo. Se isto aconteceu para ficarem na fotografia ao lado do derrotado Bush, imaginem o que não será com Obama nos meses mais próximos...

Pobre Europa, cheia de complexos de inferioridade. É também isto que me leva a admirar o irrequieto Sarko com a sua aura de miúdo traquina, transbordando energia e autoconfiança numa turma de cábulas que parece parada no tempo e congelada no espaço.

 

ADENDA: No banquete de Washington bebeu-se Shafer Cabernet Sauvignon Hillside Select, um dos dez vinhos mais caros dos EUA, a cerca de 150 dólares por garrafa. Um néctar ideal para molhar a palavra em tempo de crise...

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8 comentários

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De Tiago Moreira Ramalho a 16.11.2008 às 17:29

Gostei especialmente do último parágrafo ahah.

É verdade que esta Velha Europa que em tempos se achou dona do mundo - e, provavelmente, era-o mesmo - se veja agora como uma actriz secundária na cena internacional. Felizmente, ainda vai havendo um Sarko de quando em vez para puxar a turma para cima...

Cumps.

TMR
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De Ana Vidal a 16.11.2008 às 21:30

Também gosto de Sarko, da sua energia e auto-confiança, mas sobretudo da sensação que transmite de que a Europa ainda não é só, afinal de contas, o museu do mundo.
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De l.rodrigues a 16.11.2008 às 23:37

Eu ainda o acho um bocado palerma.
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De Pedro Correia a 16.11.2008 às 23:49

Mas confesse lá, meu caro: agora já um pouco menos.
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De Manuel Leão a 17.11.2008 às 15:52

Pedro Correia:

Isto merece um comentário mais extenso. Porque realmente é um tema importante.

Sarkozy sacode as águas e isso, já em si mesmo, é uma coisa importante. Mas a Sarkosy falta-lhe, ainda, o "savoir-faire". Quando o início da crise rebentou, com estrondo, ele convocou apenas três países da UE, para além do seu. Ora, pior sinal não poderia ter dado. Percebeu-se o óbvio. Percebeu-se que perante um grande problema, a UE nunca é a primeira lembrança que têm. Tal como um naufrago em pânico só se lembra de si ou de quem lhe pode lançar a corda. Os outros, nesse momento, não existem.
Encarar a UE como uma verdadeira união é coisa que ainda ninguém viu em momentos verdadeiramente importantes. Primeiro o interesse de cada um e depois, se houver tempo e recursos, logo pensaremos nos outros.

Por outro lado, seguimos sempre a estratégia dos EUA, mas o espaço económico dos States é um concorrente directo da UE. E os concorrentes raramente cooperam. Actuam sempre com trunfos na manga. Eles não brincam em serviço. E não podemos ficar à espera 30 anos até que eles liberem os documentos do Departamento de Estado para sabermos, nessa altura, quais seriam as suas intenções de hoje. Amigos, amigos, negócios à parte.

Isso significa que a Europa tem de se emancipar sob pena de ser um sub espaço ou uma potência económica tutelada. O resto é encanar a perna à rã. Isto demora tempo? Claro! Mas quanto mais tarde começarmos tanto mais tarde lá chegaremos. E esta talvez seja a melhor altura para isso.

Quanto à adenda, só mostra como o inconsciente é poderoso. Tão poderoso que, rebeldemente, desmente o consciente. Eles nunca perdem. As dores "deles" não são as nossas.
Outra pergunta: Quando é que eles vão começar a correr atrás dos ladrões, para usar a linguagem que hoje se ouve nas ruas.
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De Pedro Correia a 18.11.2008 às 15:42

"Encarar a UE como uma verdadeira união é coisa que ainda ninguém viu em momentos verdadeiramente importantes. Primeiro o interesse de cada um e depois, se houver tempo e recursos, logo pensaremos nos outros." Meu caro Manuel Leão, nestas duas frases você diz quase tudo. Este continua a ser o problema número 1 da Europa. E a irrequietude de Sarkozy, que de facto tem disfarçado muito coisa, não consegue disfarçar todas as insuficiências que a "União" Europeia ainda tem.
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De Manuel Leão a 18.11.2008 às 15:03

Pedro Correia:

Passado este tempo, como não escreveu nada acerca do meu comentário, deixou-me, digamos assim, "baralhado".

Quer isso dizer que concorda com tudo ou a sua discordância é de tal monta que nem vale a pena ripostar?

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De Pedro Correia a 18.11.2008 às 15:31

Caro Manuel Leão,
fez bem em chamar-me a atenção. Por algum motivo não tinha chegado a ler a sua reflexão. Respondo mais abaixo (ou mais acima, para o caso tanto faz).

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