por Luís Naves, em 14.10.08

Está a ser criada uma lenda sobre a crise financeira. Baseia-se na seguinte história: o plano europeu de salvamento foi montado com brilhantismo, mas só depois da UE ter falado a 27. Os americanos estão a ser salvos pelos europeus (leia-se UE). Portugal resistiu muito bem às tentações de directório de Sarkozy (aquela reunião a quatro foi quase ridícula). E só quando Portugal também participou nas decisões foi possível conceber um bom esquema.
Esta história é tão forte nos media tradicionais que num telejornal, ao falar da entrada dos Estados europeus no capital de bancos, um jornalista dizia a outro: “os russos e os chineses devem estar a rir-se”.
Uma risota
De facto, os russos parecem estar a passar um excelente momento: a bolsa local caiu 65% desde Maio, houve uma rápida fuga de capitais e o petróleo (a única fonte de rendimento) está perto de metade do valor que tinha antes da crise georgiana. Estão a abrir garrafas de champanhsky!
A China também tem fortes razões para festejar. Metade da dívida americana está nas mãos dos chineses e japoneses, que não têm outra solução senão continuarem a comprar, sob pena de perderem tudo o que investiram. Os chineses acumularam reservas de 2 biliões de dólares (milhões de milhões, triliões em inglês), mas 70% são títulos de dívida americana. As poupanças de uma década podem não valer nada. Uma crise financeira vem mesmo a calhar para esta visão conservadora!
Os europeus, por seu turno, estão agora a dar uma grande lição ao mundo: juntaram um plano financeiro cuja dimensão é superior ao dobro do plano americano.
Um risotto
Os americanos viviam acima das suas posses e os economistas diziam que a coisa era insustentável. Havia um rio de dívidas (casas, consumo) que se transformava em produtos financeiros fantásticos (era arroz, mas chamavam-lhe risotto para parecer mais fino). No fim da linha, alguém comprava: sabemos agora que eram os bancos europeus, que assim financiavam o estilo de vida americano. Agora, são os europeus que pagam a crise, mas isto não é uma transferência de riqueza, pois o que fica na sua posse não tem qualquer valor. Estamos num salve-se quem puder semelhante ao jogo das cadeiras, onde o último a reagir fica sem cadeira.
A lenda de que alguém tenha motivos para rir é de facto interessante, e parecida com a da “recuperação” da bolsa portuguesa. Na sexta-feira, caiu cerca de 10% e na segunda recuperou 14%. Foi considerado um excelente resultado de políticas sensatas!
Outra maneira de contar a história é que na sexta-feira os patos foram depenados pelos que ontem compraram muito barato.