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Um homem comum na Casa Branca

por Pedro Correia, em 04.10.08

Naquela quinta-feira, dia 12 de Abril de 1945, havia chuva em Washington. Às 19.09, um homem de 60 anos, natural do Missouri, de óculos com lentes grossas e estatura acima da média, tomava posse como 33º Presidente dos Estados Unidos. Finda a cerimónia, que durou menos de um minuto, o empossado beijou a Bíblia sobre a qual prestara julgamento.
Esse homem fora vice-presidente apenas 82 dias por escolha de Franklin Delano Roosevelt, falecido duas horas e 24 minutos antes da singela cerimónia de posse na Casa Branca. A um gigante da política norte-americana, que conduzira com sucesso o país no combate à grande depressão e nas encruzilhadas da II Guerra Mundial, sucedia “o típico americano médio”, como assinalou o jornalista Roy Roberts, no Kansas City Star, acrescentando: “Que teste à democracia se funcionar!”
Nessa noite, Harry Skipp Truman deitou-se um pouco mais tarde do que era costume, depois de comer uma sanduíche de peru e beber um copo de leite. Terminava o dia mais longo da sua vida, em que certamente rememorou as críticas recebidas na imprensa oito meses antes, quando Roosevelt surpreendeu tudo e todos ao escolher para vice-presidente, no seu último e brevíssimo mandato, este senador que nunca frequentara a universidade, passara a infância e a juventude numa humilde zona rural e viajara apenas uma vez na vida – em 1918, como capitão de artilharia, quando chegou a França para combater na I Guerra Mundial.
Truman terá certamente recordado também os editoriais demolidores com que a imprensa o brindara no Verão anterior. A Time chamara-lhe “medíocre”, o Post-Gazette, de Pittsburgh, garantira que era “um dos mais fracos vice-presidentes” de sempre. Richard Strout, no New Republic, desabafara: “Pobre Truman. E pobre povo americano.”
 
No momento em que tomou posse, Harry Truman tornou-se o comandante supremo das forças armadas norte-americanas, com 16 milhões de efectivos em guerra. O 9º Exército encontrava-se às portas de Berlim, a última ilha das Filipinas fora reconquistada aos japoneses, 400 superfortalezas despejavam bombas diárias sobre Tóquio. A guerra custara já 196.999 vidas americanas. Mesmo assim, o estado-maior, em Washington, previa que durasse mais seis meses na Europa e ano e meio no Pacífico.
Logo na primeira conferência de imprensa, no dia a seguir à posse, Truman exibiu o estilo franco e directo que o celebrizou. “Rapazes, se souberem rezar, rezem por mim. Quando ontem me contaram o que acontecera, foi como se a lua, as estrelas e todos os planetas caíssem em cima de mim”, disse aos jornalistas. Dez anos depois, escreveria nas suas memórias: “Quando Roosevelt morreu, senti que havia um milhão de homens mais qualificados que eu para lhe suceder. Mas a tarefa estava a meu cargo – e tinha de ser feita.”
 
 
“Nenhum outro Presidente americano tomou decisões tão difíceis nos primeiros quatro meses de mandato, relacionadas com a criação da ONU, a presença ameaçadora do Exército Vermelho na Europa de Leste, a bancarrota britânica, o horror do Holocausto e o advento da era nuclear no Novo México, Hiroxima e Nagasáqui”, escreveu David McCullough na sua monumental biografia Truman (1992), que lhe valeu o Prémio Pulitzer. Um livro fundamental para viajarmos aos 2841 dias da presidência deste homem que jogava póquer, tocava piano e bebia bourbon, chamava “aquário” à Casa Branca e não ligava nada às sondagens. “Até onde chegaria Moisés se tivesse encomendado uma sondagem no Egipto?”, costumava dizer Truman.
Roosevelt, com quem reuniu apenas duas vezes enquanto vice-presidente, jamais o pusera a par dos assuntos da guerra. E nem o informara da sua ida à cimeira de Ialta. Mas ele tinha “uma imensa determinação”, como dizia Churchill. Conseguiu defraudar as piores expectativas a seu respeito. A três meses das presidenciais de 1948, a Newsweek pediu a 50 analistas um vaticínio eleitoral: todos apostaram na vitória do republicano Thomas Dewey contra o democrata Truman. A Life fez uma capa com Dewey, chamando-lhe “o próximo Presidente”. E o Baltimore Sun concluiu: “Votar nele seria uma tragédia para o país e o mundo.”
 
Contra ventos e marés, Truman venceu. E convenceu. Ao cessar funções, em Janeiro de 1953, apresentava uma excelente folha de serviços: a reconstrução da Alemanha e do Japão, o lançamento das Nações Unidas, a criação da NATO, o Plano Marshall, a inédita ponte aérea que permitiu salvar Berlim em 1949. Na frente interna, também tinha motivos para orgulhar-se: criou 11 milhões de postos de trabalho, reduziu a dívida pública, evitou o colapso económico que todos anteviam e jamais aconteceu.
Na última das suas 324 conferências de imprensa como Presidente, a 15 de Janeiro de 1953, sublinhou: “Quando a história disser que o meu mandato assistiu ao início da Guerra Fria, dirá também que nestes oito anos iniciámos o caminho para a vencer.” Acertou em cheio.
Na hora da partida, a mesma imprensa que lhe lançara pedras ovacionava-o em editoriais. “É um homem com muitos opositores e poucos inimigos, e com muitos mais que o apoiam e gostam dele”, escreveu o insuspeito Walter Lippmann.
“Dever cumprido”, disse Truman ao deixar a Casa Branca. Poucos presidentes tiveram tantos motivos como ele para pensar assim.

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3 comentários

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De João Moura a 05.10.2008 às 01:11

É uma tentativa de equiparar Palin com Truman, não é? Tem sido uma argumentação recorrente do lado dos republicanos para justificar a escolha de Palin. Ignora-se descaradamente é boa parte do percurso de Truman.

Quando foi 'escolhido' por Roosevelt para vice-presidente:

1. Truman, então já com 60 anos de idade, tinha 10 anos de experiência como Senador (e tinha ligação activa com o partido democrata desde a década de 20).

2. Truman tinha ganho reconhecimento político nacional por fundar e presidir o 'Truman Committe' de 1941 a 44 - e a 'Time' chegou mesmo a fazer capa com Truman em 43.

Não era, portanto, uma figura desconhecida ou apagada da política americana. E Truman, ainda assim, aceitou a vice-presidência de forma relutante.

Se quisermos fazer um paralelo de Sarah Palin com alguém, que seja com Henry Schricker. Em parte, pelo menos. Antes de escolher Truman, Roosevelt virou-se para Schricker, um novato governador do Indiana (estava há 3 ou 4 anos no cargo). Schricker rejeitou a oferta. Justificação: "a man ought to know his own limitations".

http://andrewsullivan.theatlantic.com/the_daily_dish/2008/09/when-pols-knew.html
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De Pedro Correia a 05.10.2008 às 14:32

Meu caro, a equiparação foi você que a fez. Nunca falei de Sarah Palin neste 'post'. Se Truman - que aos 60 anos só viajara uma vez aos estrangeiro, 27 anos antes - era assim tão experiente, como explica os artigos e editoriais a desancarem-no? Tudo valia para isso, até o sotaque do Missouri...
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De João Moura a 05.10.2008 às 17:47

Pedro,

(Antes de mais: não leve a mal os comentários. Sou um interessado na matéria e gosto de discutir política americana com pessoas inteligentes, concorde ou não politicamente com elas.)

Tamanha cautela da sua parte para quê? Este post ou tenta comparar Sarah Palin com Harry Truman ou não tenta. Não há meio termo possível. Se não tenta comparar Palin com Truman, ponto final no assunto.

Eu acho que tenta. Tem sido uma argumentação usada com insistência pelos mais conservadores nos EUA para justificar a escolha. E dou a minha opinião: é uma comparação sem sentido algum (a não ser que se ache que ter viajado uma vez ao estrangeiro é motivo que baste para comparar Truman com Palin - o meu avô também só saiu de Portugal para ir uma vez a Espanha e eu não o comparo com Truman). E eu recordo que antes de ser comparada com Truman, Palin foi comparada com Hillary Clinton pela simples razão de ser mulher - felizmente, para o bem da sanidade mental do universo, deixaram cair essa comparação.

E acima justifico porque creio que não faz sentido a associação, e repito que Truman, ao contrário de Palin, não caiu de pára-quedas na vice-presidência - teve um percurso digno de nota antes disso, gostassem os editoriais da época muito ou pouco do homem.

Convém é definir-se o que se entende por "homem comum na Casa Branca". O que é o "homem comum"? Obama, pelos vistos, pelo seu comentário, não o é (e eu concordo). Truman era. E Lincoln era? E Franklin Roosevelt era? E Kennedy era? E Reagan era? E Bill Clinton? (Isto só para lembrar os mais populares.)

E George W. Bush é?

Que se defina o que é o "homem comum". O "homem comum" é aquele que não viaja muito ao estrangeiro e tem editoriais negativos? É aquele que não mostra capacidades excepcionais enquanto político?

É que eu olho para as características de George W. Bush e sou capaz de ver ali um "homem comum" em todo o seu esplendor - não vejo é quais são as vantagens disso.

Não entendo a dificuldade em assumir se este texto sobre Truman tenta ou não tenta estabelecer um paralelo com Sarah Palin. Ou sim ou não. Simples.

Um abraço,
João Moura

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