Naquela quinta-feira, dia 12 de Abril de 1945, havia chuva em Washington. Às 19.09, um homem de 60 anos, natural do Missouri, de óculos com lentes grossas e estatura acima da média, tomava posse como 33º Presidente dos Estados Unidos. Finda a cerimónia, que durou menos de um minuto, o empossado beijou a Bíblia sobre a qual prestara julgamento.
Esse homem fora vice-presidente apenas 82 dias por escolha de Franklin Delano Roosevelt, falecido duas horas e 24 minutos antes da singela cerimónia de posse na Casa Branca. A um gigante da política norte-americana, que conduzira com sucesso o país no combate à grande depressão e nas encruzilhadas da II Guerra Mundial, sucedia “o típico americano médio”, como assinalou o jornalista Roy Roberts, no Kansas City Star, acrescentando: “Que teste à democracia se funcionar!”
Nessa noite, Harry Skipp Truman deitou-se um pouco mais tarde do que era costume, depois de comer uma sanduíche de peru e beber um copo de leite. Terminava o dia mais longo da sua vida, em que certamente rememorou as críticas recebidas na imprensa oito meses antes, quando Roosevelt surpreendeu tudo e todos ao escolher para vice-presidente, no seu último e brevíssimo mandato, este senador que nunca frequentara a universidade, passara a infância e a juventude numa humilde zona rural e viajara apenas uma vez na vida – em 1918, como capitão de artilharia, quando chegou a França para combater na I Guerra Mundial.
Truman terá certamente recordado também os editoriais demolidores com que a imprensa o brindara no Verão anterior. A Time chamara-lhe “medíocre”, o Post-Gazette, de Pittsburgh, garantira que era “um dos mais fracos vice-presidentes” de sempre. Richard Strout, no New Republic, desabafara: “Pobre Truman. E pobre povo americano.”
No momento em que tomou posse, Harry Truman tornou-se o comandante supremo das forças armadas norte-americanas, com 16 milhões de efectivos em guerra. O 9º Exército encontrava-se às portas de Berlim, a última ilha das Filipinas fora reconquistada aos japoneses, 400 superfortalezas despejavam bombas diárias sobre Tóquio. A guerra custara já 196.999 vidas americanas. Mesmo assim, o estado-maior, em Washington, previa que durasse mais seis meses na Europa e ano e meio no Pacífico. Logo na primeira conferência de imprensa, no dia a seguir à posse, Truman exibiu o estilo franco e directo que o celebrizou. “Rapazes, se souberem rezar, rezem por mim. Quando ontem me contaram o que acontecera, foi como se a lua, as estrelas e todos os planetas caíssem em cima de mim”, disse aos jornalistas. Dez anos depois, escreveria nas suas memórias: “Quando Roosevelt morreu, senti que havia um milhão de homens mais qualificados que eu para lhe suceder. Mas a tarefa estava a meu cargo – e tinha de ser feita.”
“Nenhum outro Presidente americano tomou decisões tão difíceis nos primeiros quatro meses de mandato, relacionadas com a criação da ONU, a presença ameaçadora do Exército Vermelho na Europa de Leste, a bancarrota britânica, o horror do Holocausto e o advento da era nuclear no Novo México, Hiroxima e Nagasáqui”, escreveu David McCullough na sua monumental biografia Truman (1992), que lhe valeu o Prémio Pulitzer. Um livro fundamental para viajarmos aos 2841 dias da presidência deste homem que jogava póquer, tocava piano e bebia bourbon, chamava “aquário” à Casa Branca e não ligava nada às sondagens. “Até onde chegaria Moisés se tivesse encomendado uma sondagem no Egipto?”, costumava dizer Truman.
Roosevelt, com quem reuniu apenas duas vezes enquanto vice-presidente, jamais o pusera a par dos assuntos da guerra. E nem o informara da sua ida à cimeira de Ialta. Mas ele tinha “uma imensa determinação”, como dizia Churchill. Conseguiu defraudar as piores expectativas a seu respeito. A três meses das presidenciais de 1948, a Newsweek pediu a 50 analistas um vaticínio eleitoral: todos apostaram na vitória do republicano Thomas Dewey contra o democrata Truman. A Life fez uma capa com Dewey, chamando-lhe “o próximo Presidente”. E o Baltimore Sun concluiu: “Votar nele seria uma tragédia para o país e o mundo.”
Contra ventos e marés, Truman venceu. E convenceu. Ao cessar funções, em Janeiro de 1953, apresentava uma excelente folha de serviços: a reconstrução da Alemanha e do Japão, o lançamento das Nações Unidas, a criação da NATO, o Plano Marshall, a inédita ponte aérea que permitiu salvar Berlim em 1949. Na frente interna, também tinha motivos para orgulhar-se: criou 11 milhões de postos de trabalho, reduziu a dívida pública, evitou o colapso económico que todos anteviam e jamais aconteceu. Na última das suas 324 conferências de imprensa como Presidente, a 15 de Janeiro de 1953, sublinhou: “Quando a história disser que o meu mandato assistiu ao início da Guerra Fria, dirá também que nestes oito anos iniciámos o caminho para a vencer.” Acertou em cheio.
Na hora da partida, a mesma imprensa que lhe lançara pedras ovacionava-o em editoriais. “É um homem com muitos opositores e poucos inimigos, e com muitos mais que o apoiam e gostam dele”, escreveu o insuspeito Walter Lippmann.
“Dever cumprido”, disse Truman ao deixar a Casa Branca. Poucos presidentes tiveram tantos motivos como ele para pensar assim.