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Eles não regulam bem
A lareira largava mornas espirais de fumo. Na inércia da sala, ao fim da tarde, formavam-se vapores etéreos que exalavam eflúvios pensativos. Lentamente, mesmo a frente a mim, a dança aérea começou a formar o espectro do meu tio Alfredo, cuja assombração habita o palacete da família Suave. E, sem transição, ali estava ele, com a barba pontiaguda e a voz que se elevava das trevas:
“Em que pensas, sobrinho?”, perguntou o meu fantasmal tio.
Acordara, ainda a tremer, e respondi:
“Estava a lamentar o fim da minha carreira na blogosfera, tio Alfredo”.
“Mas anteontem parecias tão entusiasmado…”
“Sim, mas agora vivo no medo, pois a doutora Estrela Serrano pode invocar o direito de réplica. Na realidade, qualquer pessoa pode, e por isso, temo ofender alguém, que depois me obrigue a publicar um desmentido.”
“No meu tempo, as ofensas lavavam-se com sangue, em duelo”, disse o tio Alfredo.
“Credo, tio. Agora, há reguladores para isso. A dona Estrela, por exemplo, da entidade reguladora da comunicação, que entrou numa saudável polémica com Blasfémias e com Arrastão. Os 50 mil blogues passam a ser como jornais, com tempo de antena, direito de resposta e equidade no tratamento dos partidos políticos. E, sobretudo, critérios jornalísticos”.
“Mas os blogues não serviam para cada um dizer o que queria? A dona Estrela que crie um blogue para responder ao Blasfémias. Quem a impede?”
“É complicado, tio. É preciso controlar estes novos meios de comunicação. A doutora Estrela foi assessora e sabe do que fala. É uma especialista em comunicação. Antes da blogosfera, juntava-se um grupo de líderes de opinião num almoço e salvava-se a pátria. Agora, isso é impossível, pois teriam de ser convidados os blogueiros todos, que não cabem no Pavilhão Atlântico, isto tirando os cromos, que não cabem no estádio da Luz, e metade não se dá com a outra metade e depois havia uma arruaça, com pancada no meio do catering. Por isso, é preciso mais regulação. A blogosfera é uma questão de polícia”.
“Mas, o que não percebo, ó lerdo sobrinho: este teu hobby não tem a ver com a liberdade de expressão? E isso regula-se?”
“Então, não regula, tio? Nos jornais, na rádio e na TV…”
“Mas esses meios são escassos. Compreendo que seja necessário garantir que ouçam todos os sectores da sociedade. Agora, nos blogues, parece-me diferente: cada pessoa que ache que não está a ser ouvida é livre de iniciar o seu próprio blogue. Não se deviam aplicar as mesmas regras”.
“Diz o tio, que não percebe o problema. Se cada um pode dizer o que lhe vai na alma, é a anarquia”.
“Sempre que se conquistou uma liberdade, chegou alguém a dizer que era a anarquia e acabou com ela”, respondeu o meu tio Alfredo.
“Eu acho que o respeitinho é muito bonito, até no outro dia, estava a falar com o senhor Naves, que publica este meu diário…”
“Por falar nessa pessoa… Se vais deixar de escrever no Corta-Fitas, achas que o tal Naves me publica as memórias? Será que ele se assusta muito se eu aparecer lá em casa dele? Já estou a pensar no título: memórias de um fantasma”.
Cornélio Suave
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