por Luís Naves, em 27.09.08

Os Nus e os Mortos
Pedro Correia escreveu no Corta-Fitas que Os Nus e os Mortos, de Norman Mailer, é o melhor romance sobre a Segunda Guerra Mundial. Existe outro excelente candidato, Vida e Destino, de Vassili Grossman, mas pouco importa qual é melhor, pois estes livros terão de ser incluído entre as obras do século. Os dois romances foram escritos em países vencedores da guerra, mas têm em comum o tema da derrota. Em ambos, a vitória colectiva esconde a tragédia individual e a crueldade tirânica da história.
Mailer viu menos guerra do que Grossman e escreveu o seu livro aos 25 anos. (É espantoso como alguns predestinados conseguem, de forma tão precoce, atingir patamares destes). Aqui, há dois tipos de homens: os que morrem e aqueles que, impotentes, seguem um caminho que não traçaram. E a obra contém uma violência permanente que se agarra às personagens. Estas não vivem no cinismo, mas num sentimento indefinido, mistura de impiedade e de angústia.
Neste romance sobre o medo, não há heróis nem ilusões. Na sua galeria de personagens, Mailer inventa quatro figuras principais: o general Cummings, o tenente Hearn, o sargento Croft e o soldado Red. E o livro desenvolve-se em torno das lutas do poder, em diversos níveis de tirania.
Os japoneses parecem as vítimas mais despidas, no fundo da escala da vulnerabilidade. Perderam o carácter humano, como se pertencessem a uma espécie inferior (segundo o subtil ponto de vista da narração, que só na aparência é neutra).
Este livro duro fez agora 60 anos e na mais recente edição portuguesa (da Dom Quixote) além de um texto em que Mailer escreve sobre o seu livro, é publicado um prefácio escrito por José Cardoso Pires em 1958, onde se sublinha a influência de John dos Passos. Mas julgo existir outra grande referência nesta obra: Moby Dick, de Herman Melville, pois as personagens são impelidas pela mesma loucura do capitão Ahab, na busca insensata da grande baleia branca, objecto da vingança. Mas em Os Nus e os Mortos já não existe o bem e o mal: ninguém consegue explicar o que verdadeiramente procura, apesar da fúria ser idêntica à do caçador de baleias; no fundo, o certo e o errado misturam-se, no nevoeiro da guerra.