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A Ironia de um Título

por Paulo Cunha Porto, em 21.09.08

Da ficção de Agustina Bessa-Luís, a par das delícias da leitura de uma Escrita de Qualidade invulgar, sempre me ficou o travo de ausência de Mundo, nas confinadas vidas daqueles lavradores durienses, ou de burguesias provincianas equiparáveis, sem que a tensão dramática pudesse resgatar, pela universalidade das identificações, embora não necessariamente auto-identificaçoes. Coisa bem outra me surgia quando as temáticas eram personagens Históricas, quais Santo António ou Pombal, para exemplificar com uma figura que prezo e outra a que sou hostil. Aí, a dimensão do pretexto parece-me incontestavelmente à altura da do tratamento.

Nesta linha de raciocínio, só posso congratular-me com o facto de a Guimarães Editores ter lançado uma recolha rara de um Filão que a merece: sob forma dicionarística, a composição de abordagens não-ficcionais de assuntos dos mais variados, perdidas antes numa paleta de géneros crativos, desde o previsto para a comunicação oral ao circunstancialismo de artigos de jornal. O trabalho do Meu Querido Amigo Manuel Vieira da Cruz e de Luís Abel Ferreira, seleccionando e organizando, corresponde pois, não apenas à prospecção mineira, como, igualmente, à lapidagem das gemas. Obtemos, enfim, a indução formalmente apelativa da reflexão conversacional sobre muitos temas do quotidiano, liberta artisticamente da obrigação de sistematicidade e dos bordões do vocabulário técnico da Filosofia.

Um exemplo, de escolha quase aleatória:

Lucidez

Demasiada lucidez é culpada num mundo de cegos, que com a cegueira se contemplam sem desastre de maior.

O que parece de aceitar como júbilo de ver expresso um sentir profundo, também nosso, daqueles que vivem no meio-termo entre os que pensam serem as sombras que a invisualidade permite descortinar o próprio Mundo, ou os imaginativos que se julgam com visão mais apurada que o resto, outra forma de não (se )exergarem.

Quem não tenha paciência para mastigar este indigesto paleio, cinja-se ao que sugiro na forma como intitulei o post. Está lá tudo.


11 comentários

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De Cristina Ribeiro a 21.09.2008 às 12:45

Boa notícia, Paulo. É uma escrita que prezo, e nos livros de Agustina encontro, não raro, pequenas (enormes) grandes jóias que guardam uma sabedoria imensa.
Beijo
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De Teresa Ribeiro a 21.09.2008 às 13:21

Exactamente Cristina. sabedoria é a primeira palavra que me ocorre quando penso em Agustina. Enfim, sabedoria e inteligência, é claro. Mas foi pela sabedoria que ela me conquistou, pois o seu estilo de escrita não é dos que mais me encantam, confesso.
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De Mialgia de Esforço a 21.09.2008 às 13:22

Caro Paulo,

O seu "paleio" é de tal forma indigesto que este Dicionário já cá canta na minha lista de livros a comprar.
Agradecido pela dica.
Abraço
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De Leonor a 21.09.2008 às 14:17

A Agustina, para mim, é como a Inês Pedrosa, cada uma a seu estilo obviamente. Nem mais um livrinho.
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De Pedro Correia a 21.09.2008 às 14:36

Disseste tudo quanto penso sobre a Agustina quando observas que se nota nela "ausência de Mundo". É precisamente isso.
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De JuliaML a 21.09.2008 às 19:36


A mim o que me ocorre quando penso em Agustina é é a palavra Inteligência. Ela é tão inteligente que mete raiva!! No entanto, a Inteligência dela é desprovidade de generosidade, ela é mazinha.

Não tenho pejo em dizer que leio os seus livros um pouco forçando-me, porque já não me dão prazer.

Felizmente estou numa idade em que me posso dar ao luxo de ler por prazer, graças a Deus, não tenciono ler o livro tão depressa, querido Paulo. Resistirei, pois porque me causa azia a acutilância dela.




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De mike a 21.09.2008 às 19:55

O paleio soube-me muito bem e não foi nada indigesto, caro Paulo. Ironia ou não, acebdi um charuto e atirei com 3 pedras de gelo para dentro de um copo. É que o paleio soube-me tão bem que achei por bem um digestivo no fim. Agora vou deitar whisky no copo. Abraço.
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De Paulo Cunha Porto a 21.09.2008 às 21:42

Querida Cristina,
a forma é notável, sempre menos directa do que poderia, com as sinuosidades a conferirem estatuto de subtileza que... de facto existe. E é cultivada, claro. Vale a pena.

Querida Teresa,
penso ser uma prosa difícil de agradar no mundo do Jornalismo, já que muito esquiva, em vez de descortinante. O que, como se vê, não impede de reconhecer o background.

Meu Caro Mialgia de Esforço,
sempre ás ordens! Não creio que por esta pequena indicação possa vir a recriminar-me. O volume é valioso acervo de vistas que pode ser tomado em colherzinhas, para o pensarmos e repensarmos em cada passo, independente do resto.

Querida Leonor,
sem desprimor para quem quer que seja, não penso que se possam pôr no mesmo plano. O livro é diferente de todos os outros, sem arrastamento aprisionado pelas personagens. Creio que mereceria uma oportunidade.

Meu Caro Pedro,
neste, porém, nota-se menos do que na ficção, salvo possivelmente nos «Aforismos» dela extraídos, livro que desconheço. Como aqui o que se dá a ler é o olhar da Autora sobre os conceitos e pessoas que também desfilam diante dos nossos olhos, não se evidencia a cúpula separadora de alguns dos espaços de fundo da acção que noutras obras nos conta.

Querida Júlia,
noutro verbete, falando da própria obra, ela dá a sua desconformidade ao cânone como insubmissão assimilável a "sadismo pueril". Talvez seja o roçar continuado desta característica que leva a esse apartar.

Meu Caro Mike,
com essa sã prescrição nem um pedregulho seria indigesto. Mas vá por mim, a concepção do livro está perefeitíssima, a escolha de tal designação obriga à produção de um juízo positivo. Grato.
Beijinhos e abraços
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De Leonor a 22.09.2008 às 12:44

Compreendo o seu ponto de vista, Paulo e sei que este é um livro diferente, mas Agustina, não, obrigada! :-)
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De Ana Vidal a 22.09.2008 às 12:16

Anoto a dica, Paulo. Este livro parece-me um bom compromisso com a Agustina, já que é cirúrgico e presumo que acutilante como só ela sabe ser. Porque nas doses industriais da sua ficção... ouso diser que a acho brilhante, mas chata. Talvez por essa falta de mundo, uma observação muito oportuna em que nunca tinha pensado. É isso mesmo.
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De Paulo Cunha Porto a 22.09.2008 às 19:51

Querida Leonor,
todos temos direito às nossas animadversões, claro está. Mas na diferença, neste caso, estará, julgo, algum do ganho, por não se atolar o juízo na acção ficcionada, ou no aparato circunstancial.

Querida Ana,
é para mim um grande motivo de orgulho Tu e o Pedro concordarem com um diagnóstico meu, para que não estou minimamente habilitado. Com efeito, de que serve a extraordinária linguagem e o imaginoso ponto de partida criativo da protagonista de «A Sibila», ficando ela atrofiada no meio em que se apresente e afogada na luxuosa prosa que a conta, a qual, por sua vez, num choc en retour, contamina com as suas limitações?
Beijinhos

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