por Luís Naves, em 11.09.08

No espantoso filme A Sombra do Guerreiro, de Kurosawa, um homem comum tomava o lugar de um senhor da guerra. Primeiro, como curiosidade que servia para baralhar os adversários e simulava a representação do poder.
Mas o guerreiro morre e o sósia ocupa mesmo o lugar do senhor. Trágica impossibilidade, naturalmente.
(Um banal filme de Hollywood, cujo título não recordo, pegava na mesma ideia, mas transformava-a em farsa com fim feliz).
A lição do filme de Kurosawa é que o interior da sombra nunca pode ver a luz e que o poder não resulta da forma, mas da substância.
Lembrei-me desta história ao ler que um perito japonês publicou um livro onde se sustenta que o ditador norte-coreano, Kim Jong-Il, morreu em 2003 e tem sido, após aquela data, representado em público por um simples sósia.
Pouco depois de ser publicado o livro, soube-se que o ditador norte-coreano sofrera um ataque cardíaco. Sem eliminarmos a primeira informação, terá sido o sósia de Kim quem sofreu um ataque cardíaco. O Kim de 2003, aliás, já podia ser um sósia e, em 2008, poderemos assistir à milagrosa recuperação do doente, com o poder a ser ocupado pelo sósia do sósia.
Um pesadelo. Felizmente, o resto do mundo escolheu outras versões: em Hollywood, foi inventada a candidata a vice-presidente Sarah Palin. O êxito foi de tal ordem que, dentro de quatro anos, podemos ter uma batalha eleitoral nas presidenciais entre a vice-presidente Sarah Palin e a candidata democrata a presidente Hillary Clinton. O Presidente McCain será demasiado velho para tentar o segundo mandato.
Vladimir Putin (na versão Mosfilm) também inventou uma espécie de sombra do guerreiro e nomeou-o presidente.
A Europa, por seu turno, tem muitos problemas de liderança, mas descobriu uma unanimidade: se não há um guerreiro, então todos são uma espécie de sombra do que não existe. Daí a necessidade da renovação contínua das chefias de partidos todos iguais. Estes funcionários parecem grandes maestros que fingem reger orquestras, agitando as mãos; e os músicos, claro, a ignorarem os gestos sem nexo. A cada sósia sucede-se outro sósia, cada um deles imerso na fantasia do poder.