
Estação pateta? Que estação pateta? Há quem goste de apresentar Agosto como o mês supremo da silly season. Nada mais falso, como este ano voltou a ver-se.
Recapitulemos: houve uma guerra no Cáucaso entre a Rússia e a Geórgia, atentados terroristas no Xinjiang, os mais concorridos jogos olímpicos de sempre, um brutal acidente aéreo em Madrid com 154 mortos, a demissão forçada do presidente do Paquistão, as escolhas dos candidatos à vice-presidência dos Estados Unidos. A imprensa, à escala mundial, deu o maior destaque a tudo isto. Nada a ver com silly season. Nada mesmo.
Mas este Agosto, repito, não foi excepção. O oitavo mês do ano é, por tradição, uma época fértil em acontecimentos de máxima relevância. Foi em Agosto (de 1914) que começou a I Guerra Mundial. Foi também em Agosto (de 1939) que Moscovo e Berlim assinaram o pacto que esteve na origem directa da II Guerra Mundial.
Agosto, mês de luto e de lutas. As bombas atómicas destruiram Hiroxima e Nagasáqui neste mês (em 1945). A Revolução Cultural chinesa teve o arranque decisivo em Agosto (de 1966). Os tanques do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia em Agosto (de 1968). E o início da violência no Ulster, em Belfast e Londonerry, ocorreu igualmente em Agosto (de 1969).
O primeiro governo pós-comunista na Polónia tomou posse neste mês, em 1989, exactamente quando o futuro Nobel da Paz Frederik de Klerk iniciava funções como presidente de uma África do Sul em acelerada transição para a era pós-apartheid. No ano seguinte, também em Agosto, Saddam Hussein invadia o Koweit. E Agosto de 1991 foi marcado por um súbito sobressalto em Moscovo: a tentativa frustrada de golpe para derrubar Gorbachov.
Houve mais – muito mais. Roosevelt e Churchill assinaram a Carta do Atlântico em Agosto de 1941. Um ano depois, no mesmo mês, o exército alemão chegava a Estalinegrado. Em Agosto de 1944, iniciou-se o heróico levantamento de Varsóvia. Agosto de 1961 ficou tristemente célebre pela edificação do Muro de Berlim. Também em Agosto, Richard Nixon abandonou a presidência dos Estados Unidos (1974), foi assinada a Acta de Helsínquia (1975), deu-se a rebelião negra no Soweto (1976), ocorreu a grande greve dos estaleiros de Gdansk que acelerou o fim do comunismo na Polónia (1980), foi assinado o acordo sino-britânico sobre o futuro de Hong Kong (1984).Agosto foi o mês em que se tornaram independentes vários países. Alguns exemplos: Índia (1947), Chipre (1960), Jamaica (1962), Lituânia e Azerbaijão (1991). A concessão do direito de voto às mulheres nos Estados Unidos também aconteceu em Agosto (de 1920), tal como a elevação do Havai a estado norte-americano (em 1959).
Em Agosto foram assassinados Lorca (1936), Trostky (1940) e o democrata filipino Benigno Aquino (1983). E este mês viu também desaparecer figuras tão díspares como Marilyn Monroe (1962), Ian Fleming (1964), Lindbergh (1974), Fritz Lang (1976), Elvis Presley e Groucho Marx (ambos em 1977), Ingrid Bergman e Henry Fonda (ambos em 1982), Rudolf Hess (1987) e a princesa Diana (1997).Portugal não é excepção à regra. A primeira Constituição republicana, de 1911, foi aprovada em Agosto, mês em que tomaram posse os presidentes Bernardino Machado (1915) e António José de Almeida (1919). Salazar cai da cadeira em Agosto (de 1968). O inconfundível V Governo Provisório, de Vasco Gonçalves, e a sangrenta guerra civil de Timor dominaram a actualidade em Agosto de 1975.
Foi em Agosto que Maria de Lurdes Pintasilgo, primeira mulher à frente de um governo português, tomou posse (1979), que PS e PSD assinaram a primeira revisão constitucional (1982), que o Chiado ardeu (1988) e o general Spínola, primeiro Chefe do Estado pós-25 de Abril, faleceu (1996).
E quem se esquece do escaldante mês de Agosto de 2004, com o arranque do frágil executivo de Santana Lopes, enquanto o PS mergulhava na crise que conduziu à troca de Ferro Rodrigues por José Sócrates?
Por favor, não voltem a falar na Estação Pateta. Agosto é tudo menos isso.