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Brevemente

por Filipa Martins, em 28.08.08

Aurora já não me está a ouvir. Melhor assim. Conta à cabeleira branca as peripécias de uma noite no amassar do pão. Inventa um ou dois episódios com graça. O garoto que na hora de pedir se esquece do que quer e corre para casa. O estudante do Algarve que pede papo-secos e não carcaças. A mulher toda emproada, mas com malhas nas meias a descobrir a pobreza. A outra ri-se e acredita. Conta ainda que ele voltou a aparecer na padaria e lhe trouxe flores. Onde elas estão? Esqueci-me! Que cabeça a minha! Ficaram em cima do balcão! Ele, no imaginário da outra, é o homem correcto e educado que vai desposar a filha, que lhe vai tirar das mãos aquele trabalho de homem, que vai libertar das preocupações uma mãe doente. Filha, que feliz ficava se te visse bem casada, com tempo para os filhos e para fazer bolos. Acredito que ainda tenho os dois olhos abertos para ver isso. Tens de te apressar, filha. Sabes que para mim és sempre bonita, mas a idade é madrasta e o nosso corpo muda, seca, deixa de dar filhos. Dizes-me que ele é bem parecido e que deve estar bem na vida e que anda nesses galanteios há meses corridos. Porque não o trazes cá para o conhecer? E não digas que é cedo. A idade é madrasta, filha. Abríamos uma garrafa do teu pai porque seria uma ocasião especial. Eu juntei umas moedas, até podias ir à modista. Bem sei que te preocupas com isso, mas não falas porque sabes que não podemos. E homem que goste de ti dentro dessa bata largueirona vai ficar encantado se te vir num vestido de enchumaços.

 

E Aurora prometia-lhe que da próxima vez é que era. Que ia deixar de ter medo de parecer atrevida e a outra sorria e dormia melhor toda a tarde.

 

O ele da padaria apareceu quando Aurora percebeu que essas histórias faziam mais efeito nas doenças do corpo do que as mesinhas caseiras de alho e gengibre esmagados e regados com limão. Quando chegava a casa pela manhã e sentia que ela não se mexia debaixo dos lençóis presa a dores sem nome, descrevia um olhar comprometido, um sorriso mais aberto, o corte de um sobretudo de boa fazenda, botões largos, casaco e colete, lenço dobrado, galanteios vários, mas educados e novo olhar. A outra sorria e dormia melhor toda a tarde. Com o tempo, Aurora começou a cultivar um gosto inconfessado em ouvir-se. Se é para se sonhar que se sonhe alto. Se é para pedir que se peça tudo, que diabo! Já vivemos com pouco. Não temos de ser modestos nos pedidos.

 


1 comentário

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De Anónimo a 28.08.2008 às 15:07

Batem breve, brevemente...

O que será?

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