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O submundo dos… supermercados

por Teresa Ribeiro, em 11.08.08

 

E de repente acho-me no meio deles. O homem musculado, de tronco nu e tatuagem nas costas com tipo de ucraniano, portador de uma grade de cerveja. A família de gordos em chinelos e calções de praia que se move em bloco, inviabilizando com gozo e método qualquer tentativa de ultrapassagem. A avó que grita, incontinente, com os netos, que lhe fogem pelo corredor. A grávida que levou mesmo agora um encontrão, deu um grito e varreu a assistência em busca de indignação. E, é claro, os profissionais. Embora ostentem, não raras vezes, um ar infeliz, os profissionais sentem-se bem no conforto do seu habitat. Distinguem-se logo pela serenidade com que enfrentam a turba e pela eficiência dos gestos, jamais errantes, muito menos inconsequentes.

Reparo que os pacotes de leite e os garrafões de água se encontram empilhados nas prateleiras tal como saíram do armazém, envolvidos num plástico resistente, difícil de romper. Uma rapariga experimenta furá-lo com uma unha. Não consegue. Procura um empregado que a ajude. Não encontra. Aliás, ali não é suposto haver ajuda. Como não é suposto encontrar sempre que necessário os stocks repostos.

- Não encontro o algodão. Podia dizer-me onde está o algodão?

- De momento não há.

Em fundo as caixas cantam permanentemente, marcando o ritmo das filas dos utentes deste supermercado de desconto, que avançam para pagar. Como de uma ratoeira procuro sair dali, mas não sem encontrar primeiro o meu troféu. Onde raio arrumam aquilo? Será que também não há?

No corredor do meio uma idosa quase escorrega em gel de limpeza, aroma de alfazema, que escorre de uma embalagem tombada de um expositor onde reina a confusão. Protesta, mas em vez de lhe responder, o funcionário que a ouve chama, como quem chama um grupo de indigentes:

- Eh, vocês, podem vir para esta caixa por ordem de chegada (e sublinha “ordem de chegada” a grosso).

Foi então que descobri onde raio se empilhavam os protectores solares. Esperei 15 minutos na fila antes que conseguisse, finalmente, sair. Lá fora esperava-me um céu azul magnífico e a promessa de um dia de praia retemperador. A vida pareceu-me bela outra vez.

 


6 comentários

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De patti a 11.08.2008 às 18:39

E até teve muita sorte. Experimente ir lá por volta das 19h, a seguir ao trabalho.

Estes empregados, além de receberem um valente ordenado; trabalham horas sem fim; são caixas; repositores de stock; empregados de limpeza; seguranças; alvo de insultos e agressões por parte de bandos de miúdos que assaltam as prateleiras, várias vezes ao dia e varredores do lixo, que sobra ao fim do dia.

Tenho um desses ao pé de mim e cada vez que lá vou, lamento que aquilo se chame trabalho em Portugal.

Ao menos havia o factor de protecção que precisava?
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De PALAVROSSAVRVS REX a 11.08.2008 às 18:53

Gostei muito. Permite-me sugerir ler onde não li «A grávida que levou mesmo agora um encontrão, deu um grito e varreu a assistência [com o olhar] em busca de indignação».

PALAVROSSAVRVS REX
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De Manuel Leão a 11.08.2008 às 19:36

Muito bem descrito. Se não está lá tudo, está o essencial. É isto que distingue de uma descrição maçadora. É que esta deixa lugar à imaginação. Ao contrário de Palavrossaurus Rex, acho que não é necessário dizer que varreu a assistência com o olhar, porque a metáfora está perfeitamente perceptível. Gostei que não tivesse caído na tentação de dizer "bold", quando disse "a grosso". Por último, será que não terá usado o vocábulo "incontinente", para indicar o local de um modo subliminar?

Muito bem, Teresa
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De JuliaML a 11.08.2008 às 20:19


já me aconteceu muitas vezes, pousar as coisas e desistir :-)
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De Anónimo a 11.08.2008 às 21:07

É no que dá usar protector solar do Lidl.
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De gin-tonic a 11.08.2008 às 21:29

Mas oh! Teresa Ribeiro: em que país tem vivido?
Será que decididamente deu a louca nos colaboradores do “Corta-Fitas”?
Desconhecia que o “Minipreço”, ou o que quer que seja”, é o único sitio onde a esmagadora maioria das gentes deste país pode – ainda! – abastecer-se?
Por que raio não frequenta – e só! - O “El Corte Inglês”, deixando assim de engrossar as grossas filas dos supermecados-vulageres-de-lineu?
Ou siga o conselho do Guimarães Rosa e aprenda a fazer pausas para “olhar os lírios do campo e as aves do céu”…

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